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João de Deus: Noite de amores e Resposta

30 Segunda-feira Set 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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João de Deus

Sir Thomas Lawrence - Maguerite,_Countess_of_BlessingtonÀ publicação da 1ªedicão de Campo de Flores de João de Deus (1830-96) por Teófilo Braga (1943-1924) em 1893, dita completa, autêntica e definitiva, seguiu-se um coro de protestos sobre diversos aspectos da edição, nomeadamente por esta alterar versos de forma arbitraria, e também por deixar de fora inúmeras poesias comprovadamente de João de Deus. Uma critica especialmente detalhada e publicada em opúsculo, deveu-se a Trindade Coelho e Alfredo da Cunha.

É nesse opúsculo que encontro este Resposta a propósito de uma Noite de Amores antes publicado por João de Deus e incluído na edição de Campo de Flores.

A resposta foi dada a uma senhora que repreendeu em verso o poeta por aquele seu poema. Não conheço a repreensão poética, mas Noite de Amores e Resposta aqui ficam.

Resposta

À minha bela incógnita inimiga

Eu, mistérios se os profano

Não são nunca de mulher:

Vivi sempre neste engano…

Morrerei, se Deus quiser.

 

Aquela noite de amores,

Aqueles lânguidos ais,

Aquele leito de flores

Foi um sonho e nada mais.

 

Foi um sonho e sonho aéreo

Como os sonhos sempre são;

Nem podia ser mistério

Dos mistérios… da paixão.

 

Se pensei num doce instante

Que ao luar, cândida flor

Dum perfume inebriante

Perfumava o meu amor…

 

Se pensei que um vão desejo

Com que à luz desabrochei,

Me expirava em fim num beijo…

Foi um sonho que sonhei.

 

Foi um sonho! E se eu morresse

Quando à luz do mundo vim;

Se eu uns olhos só tivesse

Que me dessem luz a mim;

 

Não dormia e já velava

Como outro tempo velei,

No bom tempo em que eu gozava

O que ainda nem sonhei!

 

Não faz mal que o pensamento

De quem Deus fadou tão mal

Fuja, em sonho num momento

Desta vida desleal!

 

Que o que a sorte desditosa

Soprou como sombra vã,

Colha em sombras uma rosa

Nos seus sonhos da manhã!

 

Que te custa que deixasse

Uma infeliz: — Fui feliz?

Que fiz eu que te ofendesse,

Que mal foi o que te fiz?

 

Quando a mão dum inocente

Quer a estrela que o seduz,

Ninguém há, tão inclemente,

Que no céu lhe apague a luz.

 

Ah! mulher! custa isso pouco!…

Se não faz mal a ninguém,

Deixa lá que um pobre louco

Sonhe… sonhos que não tem!

Maio de 1859.

Vamos então ler qual foi este sonho contado como Noite de amores.

Noite de amores

Mimosa noite de amores

Mimoso leito de flores

Mimosos, lânguidos ais!

Vergôntea débil ainda,

Tremia! Lua tão linda,

Lembra-me ainda… Jamais!

 

Aquela dália mimosa,

Aquele botão de rosa

Dos lábios dela… Senhor!

Murchavam; mas como a Lua,

Passava a nuvem: “Sou tua”!

Reverdeciam de amor!

 

E aquela estatua de neve

Como é que o fogo conteve

Que não a vi descoalhar?

Ondas de fogo, uma a uma,

Naquele peito de espuma

Eram as ondas do mar!

 

Como os seus olhos me olhavam,

Como nos meus se apagavam,

E se acendiam depois!

Como é que ali confundidas

Se não trocaram as vidas

E os corações de nós dois!

 

Mimosa noite de amores

Mimoso leito de flores

Mimosos, lânguidos ais!

Vergôntea débil ainda,

Tremia! Lua tão linda,

Lembra-me ainda… Jamais!

 

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Com mulher nas 4 estacões – anúncio de jornal e três poemas de Vinicius de Moraes

24 Terça-feira Set 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à música, Crónicas, Poetas e Poemas

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Toquinho, Vinicius de Moraes

c842b.jpg (JPEG Image, 477x738 pixels)A presença de uma mulher na nossa vida adulta é para qualquer homem uma exigência e um desafio. Estou a lembrar-me da canção de Vinicius de Moraes, Mulher, sempre mulher, aqui cantada por Toquinho.

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/09+Mulher+Sempre+Mulher.mp3

Mulher, sempre mulher

Mulher, ai, ai, mulher

Sempre mulher

Dê no que der

Você me abraça, me beija, me xinga

Me bota mandinga

Depois faz a briga

Só pra ver quebrar

Mulher, seja leal

Você bota muita banca

Infelizmente eu não sou jornal

 

Mulher, martírio meu

O nosso amor

Deu no que deu

E sendo assim, não insista

Desista, vá fazendo a pista

Chore um bocadinho

E se esqueça de mim

E se conservá-las é uma arte, a procura reveste as formas mais variadas.

Enviou-me mão amiga um anúncio de homem procurando namorada, publicado num jornal de Ceará no Brasil. O extraordinário da prosa faz com que o transcreva na forma em que me chegou.

Homem descasado de 40 anos, que só gosta de mulher, após casamento de sete anos, mal sucedido afetivamente, vem através deste anúncio, procurar mulher que só goste de homem, para compromisso duradouro, desde que esta preencha certos requisitos:

O PRETENDIDO exige que a PRETENDENTE tenha idade entre 28 e 40 anos, não descartando, evidentemente, aquelas de idade abaixo do limite inferior, descartando as acima do limite superior.

Devem ter um grau razoável de escolaridade, para que não digam, na frente de estranhos: ‘menas vezes’, ‘quando eu si casar’, ‘pobrema no úter’, ‘eu já si operei de apênis’, ‘é de grátis’, ‘vamo de a pé’, ‘adoro tar com você’ e outras pérolas gramaticais.

Os olhos podem ter qualquer cor, desde que sejam da mesma e olhem para uma só direção.

Os dentes, além de extremamente brancos, todos os 32, devem permanecer na boca ao deitar e nunca dormirem mergulhados num copo d’água.

 Os seios devem ser firmes, do tamanho de um mamão papaia, cujos mamilos olhem sempre para o céu, quando muito para o purgatório, nunca para o inferno. Devem ter consistência tal que não escapem pelos dedos, como massa de pão.

 Por motivos óbvios, a boca e os lábios, devem ter consistência macia, não confundir com beiço.

A barriga, se existir, muito pequena e discreta, e não um ponto de referência.

 O PRETENDIDO exige que a PRETENDENTE seja sexualmente normal, isto é, tenha orgasmos, se múltiplos melhor, mas mesmo que eventuais, quando acontecerem, que ela gema um pouco ou pisque os olhos, para que ele sinta-se sexualmente interessante.

 Independentemente da experiência sexual do PRETENDIDO, este exige que durante o ato sexual a PRETENDENTE não boceje, não ria, não fique vendo as horas no rádio relógio, não durma ou cochile.

O PRETENDIDO exige que a PRETENDENTE não tenha feito nenhuma sessão de análise, o que poderia camuflar, por algum tempo, uma eventual esquizofrenia.

A PRETENDENTE deverá ter um carro que ande, nem que seja uma Brasília, ou que tenha dinheiro para o táxi, uma vez que pela própria idade do PRETENDIDO, ele não tem mais paciência para levar namorada de madrugada para casa.

Enviar cartas com foto recente, de corpo inteiro, frente e costas, da PRETENDENTE, para a redação deste jornal, para o codinome:

‘CACHORRO MORDIDO DE COBRA TEM MEDO ATÉ DE BARBANTE’.

Há nesta prosa uma sinceridade reveladora do homem no que à mulher exige para o servir, que dificilmente alguém conseguiria inventar. Estamos, neste anúncio, num mundo de títeres. A dignidade que se exige a cada um para ser parte da humanidade anda longe daqui.

É outro o universo onde a humanidade que se respeita vive. E é do Brasil que nos vem, de novo, pela inspiração de Vinicius de Moraes a acertada forma de perguntar a uma mulher — Você quer ser minha namorada?

Oiçamo-la na voz de Maria Bethânia, numa versão que não inclui a primeira estrofe do poema.

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/Beth%C3%A2nia+canta+Minha+Namorada+de+Vinicius+de+Morais.mp3

Você quer ser minha namorada?

Meu poeta eu hoje estou contente

Todo mundo de repente ficou lindo

Ficou lindo de morrer

Eu hoje estou me rindo

Nem eu mesma sei de que

Porque eu recebi

Uma cartinhazinha de você

Se você quer ser minha namorada

Ai que linda namorada

Você poderia ser

Se quiser ser somente minha

Exatamente essa coisinha

Essa coisa toda minha

Que ninguém mais pode ser

Você tem que me fazer

Um juramento

De só ter um pensamento

Ser só minha até morrer

E também de não perder esse jeitinho

De falar devagarinho

Essas histórias de você

E de repente me fazer muito carinho

E chorar bem de mansinho

Sem ninguém saber porquê

E se mais do que minha namorada

Você quer ser minha amada

Minha amada, mas amada pra valer

Aquela amada pelo amor predestinada

Sem a qual a vida é nada

Sem a qual se quer morrer

Você tem que vir comigo

Em meu caminho

E talvez o meu caminho

Seja triste pra você

Os seus olhos têm que ser só dos meus olhos

E os seus braços o meu ninho

No silêncio de depois

E você tem que ser a estrela derradeira

Minha amiga e companheira

No infinito de nós dois

Música de Carlos Lyra

Termino com os conselhos do sábio poeta sobre como viver um grande amor

Para Viver Um Grande Amor dito por Vinicius de Moraes

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/11+Para+Viver+Um+Granda+Amor.mp3

Para Viver Um Grande Amor

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é p’ra quem quer… — não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro, e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for.

Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.

Para viver um grande amor direito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito — peito de remador.

É sempre necessário ter em vista um crédito de rosas no florista, muito mais, muito mais que na modista! — para viver um grande amor.

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, filets com fitas — comidinhas para depois do amor.

E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor.

É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer “baixo” seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor.

Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia — não ser um ganhador.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a grande amada para viver um grande amor.

Transcrevi a versão lide pelo poeta nesta gravação. Existem outras versões do poema publicadas em livro.

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Pais e filhos e o mito de Ícaro – fragmento de Metamorfoses de Ovídio

16 Segunda-feira Set 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poesia Antiga

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Ícaro, Metamorfoses, Ovídio, Rubens

Rubens - A queda de Ícaro 1636É conhecida a história do menino que depois do almoço queria ir para a piscina. Dizia-lhe a mãe:

– Não podes, ainda não fizeste a digestão. E o menino senta-se, olhos marejados, dificilmente contendo o choro.

Passado algum tempo, vira-se para mãe com olhar interrogativo, e de novo a resposta:

— Sem fazer a digestão não podes ir ao banho.

O menino enche o peito de coragem e entre lagrimas, balbucia:

— Mas, mãe, eu não sei como se faz a digestão!

Os desafios da educação no propósito de fazer crescer os filhos são enormes e por vezes inesperados. Mas o cuidado com eles e o desejo de que a vida lhes corra bem é de sempre.

Chega-nos da Grécia arcaica o mito sobre esta complexidade de crescer, entre a prudência que a idade aconselha e o gosto pelo novo que a descoberta do mundo e o caminhar pelo seu próprio pé desafia.

A partir de certa idade na vida é deixá-los ir, e confiar que o que connosco aprenderam lhes evite a sorte de Ícaro relatada no mito de que hoje aqui falo.

É ao poeta latino Ovídio (43 a.C.—17 d.C.) e ao seu poema Metamorfoses que vou buscar um dos relatos que nos chegaram sobre esta aventura de viver, dando conta de como a juventude nos leva por vezes a imprudências de consequências irreversíveis. Voar sim, buscar o mundo também, mas saber que o que brilha também pode queimar e que as asas com que vamos correr o mundo podem ser frágeis como cera e numa volta do caminho derreter, fazendo-nos precipitar para uma qualquer espécie de morte, ainda que figurada, é conhecimento que vale a pena meditar.

Vejamos então a história contada por Ovídio com uma arte difícil de suplantar na forma como nos vai desenhando personagens, enquadramento local, e desenvolvimento temporal, até à precipitação dos acontecimentos para que fomos subtilmente preparados.

Estamos no Livro VIII de Metamorfoses.

Depois de descrever como Dédalo, pai de Ícaro, construíra para o rei Minos de Creta o labirinto onde aprisionar o Minotauro, passa a contar a história que nos interessa:

Entretanto, Dédalo odiava Creta, odiava o longo exílio,

morto de saudades da terra natal. O mar aprisionava-o.

“Embora ele barre o meu caminho com as terras e o mar”,

disse, “ao menos, o céu está sempre aberto. Iremos por aí!

Minos pode ser dono de tudo, mas não é dono dos ares.”

Assim dizendo, aplica o seu talento a artes desconhecidas

e revoluciona a natureza. De facto, dispõe penas em filas,

[começando pelas mais curtas, a curta seguindo a longa]

a ponto de se julgar crescerem num declive: assim cresce

gradualmente a flauta campestre com as suas canas desiguais.

Depois, prende-as a meio com um fio e a base com cera,

e, tendo-as assim prendido, dobra-as em suave curvatura

para imitar as aves verídicas. Com ele está o menino,

Ícaro. Sem saber que mexia em algo para si tão perigoso,

ora, de cara risonha, tentava apanhar as penas que a brisa

vagabunda movia, ora amolecia com o polegar a loira cera;

e com esta brincadeira atrapalhava o espantoso trabalho

do pai. Quando deu o toque final ao que tinha planeado,

o artífice aventurou-se a equilibrar o próprio corpo

no par de asas, e ficou suspenso no ar, assim agitado.

 

Equipando também o filho, disse: “Voa a meia altura, Ícaro,

recomendo-te, para que, se fores demasiado baixo, o mar

não pese nas penas, e, demasiado alto, não as queime o fogo.

Voa entre um e outro; não te ponhas, advirto, a contemplar

Bootes ou a Hélice ou a espada desembainhada de Orion.

Vem atrás de mim: eu guiar-te-ei.”. Ao mesmo tempo que dá

tais instruções de voo, ajeita-lhe as inéditas asas nos ombros.

No meio do labor e advertências, molham-se de lagrimas

as envelhecidas faces, tremem as mãos de pai. Beija o filho,

beijos que jamais repetiria; e, elevando-se graças às asas,

levanta voo à frente. Tal como a ave ao guiar as frágeis crias

para fora do alto ninho pelo ar, ele receia pelo companheiro;

exorta-o a que o siga, e ensina-lhe as ruinosas artes

[e, batendo as asas, vai olhando para trás para as do filho].

Viu-os com espanto alguém que pescava com a trémula cana,

ou algum pastor arrimado ao cajado ou lavrador à rabiça

do arado, julgando que eram deuses aqueles que tinham

o poder de viajar pelos céus.

E já à já esquerda ficava

a Samos de Juno (para trás haviam deixado Delos e Paros),

e, à sua direita, Lebinto, tal como Calimne, rica em mel,

quando o rapaz começa a achar gozo no audacioso voo

e se afasta do guia. Arrastado pelo seu fascínio pelo céu,

rumou para as alturas. Ora, a vizinhança do sol voraz

amolece as odoríferas ceras que colavam as penas:

a cera derrete-se. Bem lá agita o rapaz os braços nus,

mas, sem asas para bater, não logra apanhar ar algum.

E a boca que gritava o nome do pai é acolhida pelas águas

azul-esverdeadas, que dele obtiveram o seu nome.

O pobre pai (que já nem pai era), “Ícaro!”, chamava,

“Ícaro!”, berrava. “Onde estás? Onde hei-de procurar-te?

“Ícaro!”, gritava. Então avistou penas a boiar nas ondas.

…

Tradução de Paulo Farmhouse Alberto

Ovídio, Metamorfoses, edição Livros Cotovia, Lisboa 2007.

Oxalá o extracto tenha despertado em algum leitor o gosto e desejo de ler tão bela obra.

Existe em português uma outra tradução moderna de Metamorfoses, esta bilingue latim/português, em dois volumes, da autoria de Domingos Lucas, edição Nova Vega, Lisboa 2006.

Vale ainda a pena a leitura dos fragmentos da obra traduzidos por Bocage.

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Lydia, the Tattooed Lady

22 Quinta-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à música, Crónicas

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Peter Lavely -  homem da tribo Yawalapili - Brasil 1988Peter Lavely –  homem da tribo Yawalapili – Brasil 1988

Que parte de nós, seres dotados de pensamento e razão, é atraída por mutilações corporais decorrentes de motivações religiosas ou estéticas, continua a ser-me motivo de interrogação.

Entre a compressão dos pés das meninas na China ou da cabeça entre os Mangbetu e a furacão das orelhas que entre nós de forma generalizada se pratica, vai evidentemente um abismo no sofrimento imposto.

Lydia Jovem MangbetuMulher e criança Mangbetu com cabeça deformada deliberadamente

Há depois as inserções de objectos estranhos, como um prato no lábio inferior que certa tribo em África praticava, e era o melhor da minha colecção de cromos na infância com exemplos dos costumes de raças humanas; ou pendurezas diversas no nariz, essas um pouco mais espalhadas, para chegarmos às nossas hipercivilizadas sociedades de hoje onde alguma popularidade existe para a colocação dos chamados piercings nas partes moles do corpo, com atracção especial pelos órgãos com alguma participação na actividade sexual, a começar pela língua.

Lydia - Portrait of a india rajasthan woman withher henna tattoo

E as pinturas, que desde sempre nos criaram a ilusão do outro e por isso mesmo efémeras, como no teatro ou nos palhaços.

PHOTO NUDE 020A

São caso diferente as pinturas permanentes no corpo como as tatuagens, que afinal, são ao que queria chegar hoje.

Lydia - Tatood girl

As tatuagens são um mundo de oportunidades: do arabesco mínimo à paisagem com recantos secretos, as possibilidades têm apenas como limite a imaginação. Mas desenganem-se aqueles que supõem ser entusiasmo recente, isso de tatuagens sobre o corpo. Demonstro-o com uma velha canção de Harol Arlen (música) e Yip Harbourg (letra), surgida pela primeira vez no filme dos Irmãos Marx, Os Marx no Circo, em 1939. Nela seguimos uma espécie de viagem ao mundo geográfico, histórico e cultural, pelas tatuagens de Lydia, a dama tatuada.

E como diz a canção: You can learn a lot from Lydia!

Lydia world map

A letra é uma graça, e a interpretação que vos trago, de Bobby Short (1924–2005), cantor residente do Café Carlyle de New York, durante 35 anos, e tornado uma lenda viva, absolutamente imperdível.

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/Harold+Arlen+-+Bobby+Short+-+Lydia%2C+the+Tattooed+Lady+-+American+Songbook+Series.mp3

Lydia, the Tattooed Lady

Oh Lydia, oh Lydia, say, have you met Lydia?

Lydia The Tattooed Lady.

She has eyes that folks adore so,

and a torso even more so.

Lydia, oh Lydia, that encyclo-pidia.

Oh Lydia The Queen of Tattoo.

On her back is The Battle of Waterloo.

Beside it, The Wreck of the Hesperus too.

And proudly above waves the red, white, and blue.

You can learn a lot from Lydia!

 

La-la-la…la-la-la.

La-la-la…la-la-la.

 

When her robe is unfurled she will show you the world,

if you step up and tell her where.

For a dime you can see Kankakee or Paree,

or Washington crossing The Delaware.

 

La-la-la…la-la-la.

La-la-la…la-la-la.

 

Oh Lydia, oh Lydia, say, have you met Lydia?

Lydia The Tattooed Lady.

When her muscles start relaxin’,

up the hill comes Andrew Jackson.

Lydia, oh Lydia, that encyclo-pidia.

Oh Lydia The Queen of them all.

For two bits she will do a mazurka in jazz,

with a view of Niagara that nobody has.

And on a clear day you can see Alcatraz.

You can learn a lot from Lydia!

 

La-la-la…la-la-la.

La-la-la…la-la-la.

 

Come along and see Buffalo Bill with his lasso.

Just a little classic by Mendel Picasso.

Here is Captain Spaulding exploring the Amazon.

Here’s Godiva, but with her pajamas on.

 

La-la-la…la-la-la.

La-la-la…la-la-la.

 

Here is Grover Whelan unveilin’ The Trilon.

Over on the west coast we have Treasure Isle-on.

Here’s Nijinsky a-doin’ the rhumba.

Here’s her social security numba.

 

La-la-la…la-la-la.

La-la-la…la-la-la.

 

Lydia, oh Lydia, that encyclo-pidia.

Oh Lydia The Champ of them all.

She once swept an Admiral clear off his feet.

The ships on her hips made his heart skip a beat.

And now the old boy’s in command of the fleet,

for he went and married Lydia!

 

I said Lydia…

(He said Lydia…)

They said Lydia…

We said Lydia, la, la!

 

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Verão, mulheres e Caymmi no final

21 Quarta-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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06Estes dias de verão abrasador têm uma vantagem obvia: as mulheres. Ocorre-me a cada passo ao andar na rua, um fragmento do poema de Roger Wolfe (1962):

Mulheres

No verão nunca sei muito bem

se é que as mulheres vão tirando a roupa

ou não a chegam a pôr.

Em qualquer caso põem-me doido. …

E se a algumas se aplica o que escrevi anos atrás:

Ei-las que esplendem:

ancas, mamas e barrigas,

e a cintura perdida,

apertadas sob as malhas

da ilusão

e da moda.

a outras, vê-las compensa-nos amplamente da fealdade do mundo.

Estando a trabalhar na cidade, parte do dia ando na rua. É então que o inevitável acontece: surgem de todos os lados, entre semi-despidas ou semi-vestidas como diz o poeta de hoje, e evidentemente mexem com o juízo do homem que vai trabalhar.

Isto mesmo cantava Dorival Caymmi (1914-2008) naquela beleza de canção A vizinha do lado, que aqui fica para quem não conheça.

https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/viciodapoesiamedia/Caymmi+-+A+Vizinha+do+Lado.mp3

 

A vizinha do lado

A vizinha quando passa

Com seu vestido grená

Todo mundo diz que é boa

Mas como a vizinha não há

Ela mexe co’as cadeiras pra cá.

Ela mexe co’as cadeiras pra lá.

Ele mexe com o juízo

Do homem que vai trabalhar

 

Há um bocado de gente

Na mesma situação

Todo mundo gosta dela

Na mesma doce ilusão

A vizinha quando passa

Que não liga pra ninguém

Todo mundo fica louco

E o seu vizinho também

 

A vizinha quando passa

Com seu vestido grená

Todo mundo diz que é boa

Mas como a vizinha não há

Ela mexe co’as cadeiras pra cá.

Ela mexe co’as cadeiras pra lá.

Ele mexe com o juízo

Do homem que vai trabalhar

 

Ela mexe co’as cadeiras pra cá.

Ela mexe co’as cadeiras pra lá.

Ele mexe com o juízo

Do homem que vai trabalhar

 

Há um bocado de gente

Na mesma situação

Todo mundo gosta dela

Na mesma doce ilusão

A vizinha quando passa

Que não liga pra ninguém

Todo mundo fica louco

E o seu vizinho também.

Mas se acontece trabalhar no escritório com a janela aberta, surgem, por vezes, o que parecem alucinações – veja-se esta pintura:

07Por hoje despeço-me. Amanhã voltamos ao sério.

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Dois poemas, de Karamzin e Pushkin, em tradução de Vladimir Nabokov

18 Domingo Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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Aleksandr Sergeevich Púshkin, Nikolay Mihaylovich Karamzin, Vladimir Nabokov

Korniss_Dezso-Boy_with_Bird_Szentendre 1934

Há universos poéticos em que a língua é uma barreira intransponível. E quando nos chegam ecos de que neles se guardam maravilhas, a curiosidade em os conhecer cresce de forma desmedida. Tal é o caso da poesia russa, apenas acessível em português em parcas e poucas vezes notáveis traduções directas do russo. Resta o recurso a uma língua intermédia conhecida.

Sabia da existência de uma compilação de traduções para inglês, de poesia russa, cobrindo três séculos de criação, feitas por Nabokov, acompanhadas das conferências em que o mestre as apresentara. O russo Vladimir Nabokov, é, com o polaco Joseph Conrad, dos poucos casos em que, sendo escritores notáveis, o conseguiram ser noutra língua que não a materna, tornando-se na língua de adopção, cultores e mestres.

O  livro de que falo é difícil de obter. Consegui finalmente ter nas mãos um exemplar. Ao olhar é já um belo livro, encadernado em sintético com sóbria e esclarecedora sobre-capa. Apetece ler o que tem dentro. O livro, impresso em papel espesso, mate, cor pérola claro, aparado apenas à cabeça, oferece, em bem proporcionada mancha tipográfica de caracteres facilmente legíveis, um convite à leitura. Vamos a ela, mas vai devagar. Cada frase de Nabokov desencadeia uma floresta de pensamentos: é uma leitura em permanente diálogo connosco.

Para inicio de conversa deixo apenas um curto poema de Nikolay Mihaylovich Karamzin (1766-1826) a que acrescento uma versão para português.

TWO SIMILES

Life? A Romance. By whom? Anonymous.

We spell it out; it makes us laugh and weep,

     And then puts us

           To sleep.

DOIS SÍMILES

Vida? Um Romance. Por quem? Anónimo.

Lê-mo-lo com dificuldade; faz-nos rir e chorar,

E depois põe-nos

A dormir.

Ia terminar, mas não resisto a esta preciosa reflexão sobre Deus e liberdade de Púshkin ( Aleksandr Sergeevich Púshkin (1799-1837)).

O poema, rebelde a uma versão satisfatória em português, aí fica na versão inglesa de Nabokov.

LITTLE BIRD

In a strange country I religiously observe

my own land’s ancient custom:

I set at liberty a little bird

on the bright holiday of spring.

I have become accessible to consolation:

why should I murmur against God

if even to a single creature

the gift of freedom I could grant!

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Tarde de amores — visão de Filinto Elysio e a tradução do original de Ovídio

16 Sexta-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas, Poesia Antiga

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Filinto Elysio, Giorgio Morandi, Ovídio

Morandi_Giorgio-Still_Life-c._1925…
O quarto decorado em tons pastel lembrava uma pintura de Morandi, transpirava uma atmosfera diáfana e convidava ao repouso. A luz coada pelas cortinas punha sobre os móveis encerados um dourado acolhedor. Ao longe, pela janela, espreitava o mar fundido num céu sublime, a brisa suave da tarde esvoaçava os cortinados e lambia os corpos em êxtase, deitados sobre o prazer.

No remanso da paixão contava-lhe histórias infantis. A magia que o êxtase criara prolongava-se agora no calor da voz e nas caricias que suavemente acompanhavam as peripécias ali inventadas…

fragmento de novela inédita.

Morandi_Giorgio-Passage 1913

Por estas tardes de brasa lembro-me frequentemente do poema 5 do Livro I da obra Amores de Ovídio (43 a.C -17/18 d.C.).

Corria uma tórrida tarde de Verão do ano passado quando deixei no blog a leitura do poema por David Mourão-Ferreira. Hoje a ele regresso com a visão de Filinto Elísio (1734-1819) e as convenções que o século XVIII permitia, mesmo quando o poema fosse publicado sob pseudónimo, como aconteceu.

Partia o dia em meio o sol calmoso;
Reclino o corpo a descansar no leito,
Mas aberta janela, e mal cerrada;
Qual usa premoiar a luz nos bosques,
Qual crepúsculo deixa, ao despedir-se,
Febo, ou foge a noite, à vista da alva,
Luz, que convém às moças vergonhosas,
E em que o tímido pejo ache escondrijo.
Eis vem Corina, em mal cingidas roupas,
(Sólta a madeixa e níveo peito oculta)
Qual Semíramis ( diz-se) ao leito fôra,
Gentil, e fôra Laís, de muitos dama.
Dispo-lhe a roupa, (que empecíamos pouco
De rara!) Ela pugnava por cobrir-se;
Mas, como que não quer vencer, pugnava.
Mal esteve ante meus olhos toda nua,
Não lhe vi um senão no corpo todo.
Quais vi, quais os palpei, ombros e braços!
Quais maminhas tão guapas de empalmá-las!
Que liso o ventre desce do alto peito!
Que cintura, e infantis, roliças coxas!
Que mais direi! mimoso é quanto hei visto,
E toda com o meu corpo a cingi nua.
Que há mais que ouvir? Cansámos, descansámos;
Corram-me a fio tais os meios-dias.

Filinto Elísio assinado com o pseudónimo Gregório da Silva Pinto.

Acrescento em fim de festa a viva tradução directa a partir do original latino, por Carlos Ascenso André.

Fazia calor e o dia já tinha cumprido metade das suas horas;
pousei em cima da cama o corpo para lhe dar descanso.
Uma parte da janela estava aberta, a outra parte fechada;
assim era a luz, como a que os bosques costuma deixar entrever,
como a penumbra do crepúsculo, à hora em que o sol se esvai,
ou quando a noite já se foi e não nasceu, ainda, o dia;
essa é a luz que deve amostrar-se a jovens recatadas;
nela, a timidez e a vergonha encontram refúgio.
Eis que surge Corina, resguardada e envolta na sua túnica,
os cabelos caídos de ambos os lados do colo resplandecente,
assim formosa entrava Semíramis no quarto,
diz-se, e Laís, amada por tantos homens.
Arranquei-lhe a túnica; e não é que me estorvassem muito a sua transparência,
mas ela porfiava por estar coberta daquela túnica;
pois que porfiava assim como quem não quer vencer,
foi vencida sem custo, com a sua própria ajuda.
Quando ela surgiu diante de meus olhos, o manto caído aos pés,
no corpo inteiro nem uma só mácula se me mostrou:
Que ombros! Que braços eu vi e toquei!
A beleza dos seios, como se pôs a jeito dos meus afagos!
Como era liso, abaixo da linha do peito, o ventre!
Que grandiosidade e perfeição nas coxas! Que frescura nas pernas!
Que mais minúcias direi? Nada vi que não mereça elogio,
e foi a nudez do seu corpo que apertei contra o meu.
O resto, quem o não sabe? Depois da fadiga, repousámos ambos.
Assim possam correr muitas vezes as minhas tardes!

Temos assim que para o verso de maior escândalo no poema:

forma papillarum quam fuit apta premi!

Filinto Elysio no descaro do pseudónimo nos dá no final do século XVIII

Quais maminhas tão guapas de empalmá-las!

E o nosso jovem tradutor no século XXI lê:

A beleza dos seios, como se pôs a jeito dos meus afagos!

Venha um professor de latim dilucidar as opções de tradução, porque em poesia, Filinto Elysio continua melhor, ainda que o empalmá-las surja hoje quase calão. Mas na verdade, fuit apta premi transmite um prontas a cingir, espremer, o que nestes preparos de cama é o natural. E empalmar dá mais a medida da coisa, que afago.

Nota bibliográfica
O poema por Filinto Elysio consta do Tomo 5º das suas Obras Completas, Paris, Na oficina de A. bobée, 1818. Modernizei a ortografia.

Ovídio, Amores, tradução de Carlos Ascenso André, Livros Cotovia, Lisboa, 2006.

Nota iconográfica

A pintura de Giorgio Morandi (1890-1964), dá a cor. O que de tarde acontece fica para a imaginação de quem lê, um dos prazeres da literatura.

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Volto com uma máxima de La Rochefoucauld e naturezas-mortas do barroco

14 Quarta-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas

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La Rochefoucauld

Beert_Osias-Oysters_and_PastriesConservar a saúde através de uma dieta rigorosa é uma doença muito maçadora.

La Rochefoucauld

Adriaenssen_Alexander-Still-Life_with_FishNos prazeres de existir conta-se o prazer da mesa, mas vivemos um tempo em que as preocupações alimentares estão omnipresentes, empurrando as pessoas para sentimentos de culpa decorrentes do que comem, absolutamente desadequadas.

Foi pelo século XVII que a pintura, com o triunfo da Reforma nos países do norte da Europa, abandonou o monopólio dos assuntos religiosos ou mitológicos e passou a dar conta da vida quotidiana. Nesse novo universo pictórico encontramos um mundo perdido, mas o que se comia continua a ser-nos familiar.

Nesta pintura de género chamada, encontramos mercados, cozinhas inundadas de caça, frutas e legumes, encontramos mesas repletas, e também uma que outra alegoria onde uma caveira espreita, lembrando como os prazeres matam os espíritos religiosos. Esta é a minha interpretação ainda que entre os estudiosos seja aceite que numa mesa de iguarias uma caveira continua a representar a vaidade como em outros tipos de representação.

Confesso que até ter lido o ensaio hoje clássico de Norbert Schneider, Still Life, esta pintura de géneros alimentares me dizia muito pouco. Apenas o seu realismo por momentos me chamava a atenção. Colocada em contexto, percebemos como ela acompanha alterações culturais profundas, na raiz do mundo moderno. E para o curioso da história do quotidiano é um infinito manancial de informação e prazer. Entre vasilhas, utensílios, decoração de ambientes e por aí fora há um sem-fim de informação a recolher.

Feito o circunlóquio, passemos à curta escolha, para não cansar.

Beyeren_Abraham_van-Large_Still-life_with_Lobster

Royen_Willem_Frederik_van-Peaches_and_Grapes

Sanchez_Cotan_Juan-Still-Life_with_Game_Fowl

Melendez_Luis_Eugenio-Still-Life 1770

MELÉNDEZ, Luis - natureza morta com figos 1760

Dijck_Floris_Claesz_van-Laid_Table

Ledesma_Blas_de-Still_Life_with_Asparagus_Artichokes_Lemons_and_CherriesTermino com esta cenoura-fenómeno pintada em 1699 por Willem Frederik van Royen.

Royen_Willem_Frederik_van-The_Carrot 1699

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Conversa a pretexto de La Rochefoucauld

09 Sexta-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia, Crónicas

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La Rochefoucauld

Alfred Eisenstaedt - world fair 1939 New YorkSirvo-me de uma máxima de François de La Rochefoucauld (1613-1680), agradável ao engenheiro civil que em mim habita, para mostrar algumas fotos de arquitectura notáveis pelo motivo e pela qualidade técnica de enquadramento e iluminação de que dão mostra.

Deixou-nos o duque francês entre as suas máximas, a afirmação de que Podemos comparar o carácter dos homens com a maior parte dos edifícios: têm diversos ângulos, alguns agradáveis outros nem por isso., o que é uma observação interessante e um alerta para os juízos que na nossa vida de relação fazemos sobre os outros.

Edward WestonHoje a profissão levou-me a encontrar um senhor de 90 anos que mantinha um espirito vivíssimo apesar das maleitas físicas. A certa altura a conversa desandou e pergunta-me:

– E o senhor já experimentou o 69?

A relação era profissional e respondi-lhe apenas:

– Esse é um prazer dos deuses a que poucos mortais se atrevem.

A conversa ainda decorreu mais um pouco em ambiente desanuviado, mas o que segue é que a vontade do sexo, quando desponta é para a vida. O desejo apenas se adapta às possibilidades do corpo. E quando estamos perante alguém de provecta idade e cabeça sã, não vale a pena supor que regrediu até à mais tenra infância, pois a vida vivida está lá, ainda que, como diz o nosso filósofo de hoje:

Chegamos inexperientes a cada nova idade da vida. Por consequência, a experiência trai-nos, apesar do número de anos vividos.

Ou seja, o desafio é sempre aprender, o que me aconteceu nesta visita profissional.

Terminemos então esta conversa com a Máxima 69 de La Rochefoucauld tão a propósito para aquilo que nos ocupa:

É difícil explicar o amor. Na alma, ele exprime-se pela paixão de domínio, no espírito, é a compreensão e no corpo, não passa de um desejo escondido e delicado de se possuir o que se ama, depois de se proceder a um jogo misterioso.

Nota bibliográfica

As Máximas de La Rochefoucauld foram transcritas de Máximas e Reflexões Morais, tradução de Raúl Mesquita, Edições Sílabo, Lisboa, 2008.

Passemos finalmente ao que falta de fotos. Os nomes dos fotógrafos podem ser encontrados passado o cursor sobre a imagem.

Marcel Breuer - Church of St Francis de Sales

Paul Strand

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O sonho e o tempo em dois poemas de Ana Hatherly

04 Domingo Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poetas e Poemas

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Ana Hatherly

Eyck_Jan_van-St_JeromeSabem os leitores do blog como me encanta muita da poesia de Ana Hatherly (1929). Hoje, é ao segundo livro de poesia da artista, As Aparências, publicado em 1959, que vou buscar duas exemplares reflexões: uma sobre o sonho — É a medida sem comparação, — , outra sobre o tempo — O tempo é um passo / Que em seu próprio espaço / Cabe.

Neste livro lemos uma intensa reflexão sobre a necessidade do sonho nas nossas vidas a pretexto das aventuras do personagem Alice no País das Maravilhas — Depressa, depressa, / As minhas asas, o meu fato de sonhar, —.

III
O sonho é a ponte
Que vai do infinito ao infinito,
É a medida sem comparação,
É a presença do que se imagina.

Sonhar talvez só seja
Reconhecer o que já nem a alma sinta
Nem o próprio pensamento veja.

E nesta espécie de viagem ao País da Alice onde o tempo sonhado — Era o tempo do amor — acontece surgirem-nos estes dois poemas:

Oh, que curioso sonho eu tive

I

Íamos todos alegres e tranquilos
Pelo caminho que era o rórido bem.
Os pares de olhos dados
Sorrindo encantamentos,
Elevavam a verdade
A cor dos sentimentos.
Nem ânsia nem receios
Havia como enleios
— Da desunião a dor
Nem presença nem memória —

Era o tempo do amor
Era a vitória

III

Propus ao meu destino
Um jogo com aposta.
Os dados que ele usasse
A mim pertenceriam,
As regras que impusesse
A ambos dirigiam.
A partida era leal
E a vitoria a ambos conviria:
— Aquele que ganhasse
Ao outro mais servia…

A parada que se oferecia,
Era a realidade
Da minha fantasia.

Sonhar é possível mas o tempo — É a flecha / Desferida do arco de toda a invenção. — se encarrega de lhe pôr o fim. E neste sonhopoema com que o livro acaba, o tempo conta-se assim.

FIM

O tempo é um passo
Que em seu próprio espaço
Cabe.

Com ele partimos
E nele regressamos
Cumprindo o indirecto plano
Da reintegração:

É a flecha
Desferida do arco de toda a invenção.

Nota

No livro Poesia 1958-1978, onde reuniu a sua poesia publicada até então, a autora aproveitou de As Aparências apenas 8 dos 36 poemas que compõem o livro. É uma pena pois o livro é hoje uma raridade bibliográfica e na sua unidade ganha um valor acrescido que justificava não o abandonar.

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