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Garrafa de vinho — um poema de Carl Dennis

23 Domingo Set 2018

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Carl Dennis, Giorgio Morandi

No efémero de uma garrafa de vinho bebida entre amigos encontra o poeta norte-americano Carl Dennis (1939) o pretexto para reflectir sobre a amizade, a volatilidade do tempo, o valor das tradições cuidadosamente conservadas e transmitidas, o prazer das pequenas coisas como um passeio por ruas arborizadas, e quanto as questões existenciais não justificam os nadas que fazem a vida valer a pena.
Admirável poema, Bottle of Wine, dando na concisão da poesia esta panóplia de reflexões, e que procurei trazer para português na versão que segue:

 

 

Garrafa de vinho

Gosto de estacionar um pouco afastado da casa dos meus anfitriões
E andar com a garrafa de vinho pelas ruas arborizadas,
Antecipando o jantar com amigos que me espera.
Uma garrafa de vinho mostra não só que estou grato
Por ser incluído, mas ansioso para contribuir
E oferecer um presente que não sobreviva à noite,
Isso diz como ultrapassei a necessidade de transcendência
E fiz finalmente as pazes com viver o presente.
Em breve daremos as boas-vindas à noite com um brinde.
Em breve estaremos brindando em despedida
Com ela começa o caminho para o passado próximo
E depois o distante. Será que as casas por onde passo
Me consideram alguém prestes a desaparecer
No reino das sombras, enquanto elas permanecerão
De pé? Mas a garrafa que transporto mostra
como o passado pode melhorar o presente.
As uvas de que foi feito foram colhidas e prensadas
Há sete anos num vinhedo da Borgonha
Conforme costumes praticados há gerações
Pelo tempo em que estas casas se transformaram
De projectos e estimativas em tijolo e madeira.
A garrafa vai testemunhar que as tradições, uma vez honradas
Permanecerão, com perseverança, com orgulho.
E se o passado está presente esta noite, não está o futuro
Presente também no pensamento de que o ritual
Que ajudo a continuar será duradouro,
E apesar do que o mundo em redor possa alterar-se,
Os convivas ainda o realizarão em épocas futuras?
Espero sentir a sua presença em espírito
Sob estas árvores, mais tarde esta noite
Quando regressar ao meu carro de mãos vazias.

Tradução de Carlos Mendonça Lopes

O original do poema — Bottle of Wine — foi publicado na revista New Yorker, nº de 6 & 13 de Agosto 2018.

 

 

Poema original

 

Bottle of Wine

I like to park a few blocks from the house of my hosts
And walk with my bottle of wine the tree-lined streets,
Anticipating the dinner with friends that awaits me.
A bottle of wine showing not only that I’m grateful
To be included but that I’m eager to do my part,
To offer a gift that won’t survive the evening,
That says I’ve set aside the need for transcendence
And made my peace at last with living in time.
Soon we’ll welcome the evening with a toast.
Soon we’ll be toasting it in farewell
As it starts on its journey into the near past
And then the far. Do the houses I’m passing
Regard me as a creature about to vanish
Into the realm of shadow while they have resolved
To hold their ground? But the bottle I’m carrying
Shows how the past can enhance the present.
The grapes it was made from were plucked and pressed
Seven years ago in a vineyard in Burgundy
According to customs already in place for generations
By the time these houses moved from the realm
Of blueprints and estimates into brick and wood.
The bottle will testify that traditions once honored
Are being adhered to still, with patience, with pride.
And if the past is present this evening, isn’t the future
Present as well in the thought that the ritual
I’m helping to pass along will prove enduring,
That however much the world around it may alter,
Guests will still perform it in eras to come?
I hope I feel their presence in spirit
Under these trees later this evening
As I walk back to my car with empty hands

 

Poema transcrito da revista New Yorker, nº de 6 & 13 de Agosto 2018.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Giorgio Morandi (1890-1964).

 

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Tarde de amores — visão de Filinto Elysio e a tradução do original de Ovídio

16 Sexta-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas, Poesia Antiga

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Filinto Elysio, Giorgio Morandi, Ovídio

Morandi_Giorgio-Still_Life-c._1925…
O quarto decorado em tons pastel lembrava uma pintura de Morandi, transpirava uma atmosfera diáfana e convidava ao repouso. A luz coada pelas cortinas punha sobre os móveis encerados um dourado acolhedor. Ao longe, pela janela, espreitava o mar fundido num céu sublime, a brisa suave da tarde esvoaçava os cortinados e lambia os corpos em êxtase, deitados sobre o prazer.

No remanso da paixão contava-lhe histórias infantis. A magia que o êxtase criara prolongava-se agora no calor da voz e nas caricias que suavemente acompanhavam as peripécias ali inventadas…

fragmento de novela inédita.

Morandi_Giorgio-Passage 1913

Por estas tardes de brasa lembro-me frequentemente do poema 5 do Livro I da obra Amores de Ovídio (43 a.C -17/18 d.C.).

Corria uma tórrida tarde de Verão do ano passado quando deixei no blog a leitura do poema por David Mourão-Ferreira. Hoje a ele regresso com a visão de Filinto Elísio (1734-1819) e as convenções que o século XVIII permitia, mesmo quando o poema fosse publicado sob pseudónimo, como aconteceu.

Partia o dia em meio o sol calmoso;
Reclino o corpo a descansar no leito,
Mas aberta janela, e mal cerrada;
Qual usa premoiar a luz nos bosques,
Qual crepúsculo deixa, ao despedir-se,
Febo, ou foge a noite, à vista da alva,
Luz, que convém às moças vergonhosas,
E em que o tímido pejo ache escondrijo.
Eis vem Corina, em mal cingidas roupas,
(Sólta a madeixa e níveo peito oculta)
Qual Semíramis ( diz-se) ao leito fôra,
Gentil, e fôra Laís, de muitos dama.
Dispo-lhe a roupa, (que empecíamos pouco
De rara!) Ela pugnava por cobrir-se;
Mas, como que não quer vencer, pugnava.
Mal esteve ante meus olhos toda nua,
Não lhe vi um senão no corpo todo.
Quais vi, quais os palpei, ombros e braços!
Quais maminhas tão guapas de empalmá-las!
Que liso o ventre desce do alto peito!
Que cintura, e infantis, roliças coxas!
Que mais direi! mimoso é quanto hei visto,
E toda com o meu corpo a cingi nua.
Que há mais que ouvir? Cansámos, descansámos;
Corram-me a fio tais os meios-dias.

Filinto Elísio assinado com o pseudónimo Gregório da Silva Pinto.

Acrescento em fim de festa a viva tradução directa a partir do original latino, por Carlos Ascenso André.

Fazia calor e o dia já tinha cumprido metade das suas horas;
pousei em cima da cama o corpo para lhe dar descanso.
Uma parte da janela estava aberta, a outra parte fechada;
assim era a luz, como a que os bosques costuma deixar entrever,
como a penumbra do crepúsculo, à hora em que o sol se esvai,
ou quando a noite já se foi e não nasceu, ainda, o dia;
essa é a luz que deve amostrar-se a jovens recatadas;
nela, a timidez e a vergonha encontram refúgio.
Eis que surge Corina, resguardada e envolta na sua túnica,
os cabelos caídos de ambos os lados do colo resplandecente,
assim formosa entrava Semíramis no quarto,
diz-se, e Laís, amada por tantos homens.
Arranquei-lhe a túnica; e não é que me estorvassem muito a sua transparência,
mas ela porfiava por estar coberta daquela túnica;
pois que porfiava assim como quem não quer vencer,
foi vencida sem custo, com a sua própria ajuda.
Quando ela surgiu diante de meus olhos, o manto caído aos pés,
no corpo inteiro nem uma só mácula se me mostrou:
Que ombros! Que braços eu vi e toquei!
A beleza dos seios, como se pôs a jeito dos meus afagos!
Como era liso, abaixo da linha do peito, o ventre!
Que grandiosidade e perfeição nas coxas! Que frescura nas pernas!
Que mais minúcias direi? Nada vi que não mereça elogio,
e foi a nudez do seu corpo que apertei contra o meu.
O resto, quem o não sabe? Depois da fadiga, repousámos ambos.
Assim possam correr muitas vezes as minhas tardes!

Temos assim que para o verso de maior escândalo no poema:

forma papillarum quam fuit apta premi!

Filinto Elysio no descaro do pseudónimo nos dá no final do século XVIII

Quais maminhas tão guapas de empalmá-las!

E o nosso jovem tradutor no século XXI lê:

A beleza dos seios, como se pôs a jeito dos meus afagos!

Venha um professor de latim dilucidar as opções de tradução, porque em poesia, Filinto Elysio continua melhor, ainda que o empalmá-las surja hoje quase calão. Mas na verdade, fuit apta premi transmite um prontas a cingir, espremer, o que nestes preparos de cama é o natural. E empalmar dá mais a medida da coisa, que afago.

Nota bibliográfica
O poema por Filinto Elysio consta do Tomo 5º das suas Obras Completas, Paris, Na oficina de A. bobée, 1818. Modernizei a ortografia.

Ovídio, Amores, tradução de Carlos Ascenso André, Livros Cotovia, Lisboa, 2006.

Nota iconográfica

A pintura de Giorgio Morandi (1890-1964), dá a cor. O que de tarde acontece fica para a imaginação de quem lê, um dos prazeres da literatura.

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CINZA ETERNA – Poema de Juan Luis Panero (1942) para a pintura de Giorgio Morandi (1890-1964)

04 Sexta-feira Nov 2011

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Giorgio Morandi, Juan Luis Panero

…

O quarto decorado em tons pastel lembrava uma pintura de Morandi, transpirava uma atmosfera diáfana e convidava ao repouso. A luz coada pelas cortinas esvoaçantes punha sobre os móveis encerados um dourado acolhedor.

…

 

Depois deste fragmento de uma ficção em curso, deixo-vos com um poema de Juan Luis Panero (1942) evocativo da pintura de Giorgio Morandi (1890-1964).

CINZA ETERNA

(Giorgio Morandi)

 Musica silenciosa da cor, rumor do pincel e da tela,

simbolo simples, segredo azul e cinzento.

O tempo passa, mas não fere, parece flutuar,

suave nos contornos, detido nas formas,

 reflexos onde a realidade se sonha,

 inventada luz, por isso mais intensa.

Milhares de olhos e um único olhar

para pintar esta garrafa, depurar o branco daquela cerâmica,

despir, transparente pele cálida, fulgor acariciado,

o vidro, a toalha, a madeira, as frágeis flores,

para sonhar diferente e única,

repetida e comum, esta matéria eterna,

as suas marcas de espuma, a sua pálida cinza.

Noticia bibliográfica

O poema foi publicado no livro Antes que llegue la noche (1985) e traduzido por Joaquim Manuel Magalhães. A tradução foi publicada por RELÓGIO D’ÁGUA em 2003, na antologia da obra do poeta, POEMAS, organizada e prefaciada pelo tradutor.

 

Termino com três pinturas de Morandi onde o predomínio do amarelo produziu resultados diversos num intervalo de largos anos, num progressivo abandonar do rigor do desenho até àquela diáfana forma de representar sempre os mesmos objectos.

 

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