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Se na leitura imediata do poema de Salvador Espriu (1913-1985) que hoje transcrevo, podemos ler a actualidade de Espanha ao tempo do franquismo, quando as autonomias não eram reconhecidas e atentados e repressão eram parte do quotidiano, o poema permanece de leitura universal e intemporal no seu apelo à concórdia e ao diálogo na solução das divergências políticas que permanentemente atravessam os povos. 



Poema XLVI do livro La Pell de Brau, A Pele de Touro em português

 

Por vezes é forçoso e necessário 

que um homem morra por um povo,

mas nunca um povo inteiro há-de morrer

por um só homem:

recorda sempre isto Sepharad.

Faz que sejam seguras as pontes de diálogo

e procura compreender e estimar

a razão e as falas diversas de teus filhos.

Que lentamente nas sementeiras caia a chuva

e o ar passe qual mão estendida,

benigna e suave sobre os vastos campos.

Que Sepharad viva eternamente

na ordem, na paz e no trabalho,

na difícil e merecida 

liberdade.

 

Tradução de José Bento

in Poemas do Último Século antes do Homem, Antologia, Editorial Inova/o ouro do dia, Porto, 1979.

O poema foi também traduzido por Manuel de Seabra no livro Salvador Espriu, A Pele de Touro, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1975, com diferenças mínimas, mas suficientes para me decidir pela tradução de José Bento.

 

Uma última nota, talvez desnecessária: Sepharad, referida no poema, era a designação dada pelos judeus à Península Ibérica antes da sua expulsão pelos Reis Católicos de Espanha no século XV, e a seguir pelo rei D. Manuel I de Portugal como condição do seu casamento com uma princesa espanhola, daí o serem conhecidos como judeus sefarditas.



Abre o artigo a imagem de um mapa publicado em 1492 representando a Terra como supostamente seria de acordo com Ptolomeu. O mapa pertence à Hain Collection, Library of Congress Geography and Map Division.