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Nestes tempos de Verão,  quando as férias apelam à fantasia, aqui  fica  um convite para viajar ao mundo encantado das fadas com a inspiração de Antero de Quental.

Revela-nos o poema segredos só conhecidos de poucos adultos, apenas daqueles que ainda sabem que a Cinderela casa mesmo com o Principe e acreditam que:  a fortuna da gente / Está às vezes somente / Numa palavra que diz; / Por uma palavra, engraça / Uma fada com quem passa, / E torna-o logo feliz.

Mas cuidado, pois as fadas quando se zangam:  têm vinganças terriveis! /Semeiam coisas horriveis, / Que nascem logo no chão… / Linguas de fogo que estalam! / Sapos com asas que falam! / Um anão preto! Um dragão!

 Ou deitam sortes na gente… / O nariz faz-se serpente, / A dar pulos, a crescer… / É-se morcego ou veado… / E anda-se assim encantado, / Enquanto a fada quiser!

 Eis

AS FADAS

As fadas… eu creio nelas!

Umas são moças e belas,

Outras, velhas de pasmar…

Umas vivem nos rochedos,

Outras, pelos arvoredos,

Outras, à beira do mar…

 

Algumas em fonte fria

Escondem-se, enquanto é dia,

Saem só ao escurecer…

Outras, debaixo da terra,

Nas grutas verdes da serra,

É que se vão esconder…

 

O vestir… são tais riquezas,

Que rainhas, nem princesas

Nenhuma assim se vestiu!

Porque as riquezas das fadas

São sabidas, celebradas

Por toda a gente que as viu…

 

Quando a noite é clara e amena

E a lua vai mais serena,

Qualquer as pode espreitar,

Fazendo rodas, ocupadas

Em dobar suas meadas

De ouro e de prata, ao luar.

 

O luar é os seus amores!

Sentadinhas entre as flores

Horas se ficam sem fim,

Cantando suas cantigas,

Fiando suas estrigas,

Em roca de oiro e marfim.

 

Eu sei os nomes de algumas:

Viviana ama as espumas

Das ondas nos areais,

Vive junto ao mar, sozinha,

Mas costuma ser madrinha

Nos batizados reais.

 

Morgana é muito enganosa;

Às vezes, moça e formosa,

E outras, velha, a rir, a rir…

Ora festiva, ora grave,

E voa como uma ave,

Se a gente lhe quer bulir.

 

Que direi de Melusina?

De Titânia, a pequenina,

Que dorme sobre um jasmim?

De cem outras, cuja glória

Enche as páginas da história

Dos reinos de el-rei Merlin?

 

Umas têm mando nos ares;

Outras, na terra, nos mares;

E todas trazem na mão

Aquela vara famosa,

A vara maravilhosa,

A varinha de condão.

 

O que elas querem, num pronto,

Fez-se ali!  parece um conto…

Mesmo de fadas… eu sei!

São condões que dão à gente,

Ou dinheiro reluzente

Ou joias, que nem um rei!

 

A mais pobre criancinha

Se quis ser sua madrinha,

Uma fada… ai, que feliz!

São palácios, num momento…

Beleza, que é um portento…

Riqueza, que nem se diz…

 

Ou então, prendas, talento,

Ciência, discernimento,

Graças, chiste, discrição…

Vê-se o pobre inocentinho

Feito um sábio, um adivinho,

Que aos mais sábios vai à mão!

 

Mas, com tudo isto, as fadas

São muito desconfiadas;

Quem as vê não há-de rir.

Querem elas que as respeitem,

E não gostam que as espreitem,

Nem se lhes há-de mentir.

 

Quem as ofende… Cautela!

A mais risonha, a mais bela,

Torna-se logo tão má,

Tão cruel, tão vingativa!

É inimiga agressiva,

É serpente que ali está!

 

E têm vinganças terriveis!

Semeiam coisas horriveis,

Que nascem logo no chão…

Linguas de fogo que estalam!

Sapos com asas que falam!

Um anão preto! Um dragão!

 

Ou deitam sortes na gente…

O nariz faz-se serpente,

A dar pulos, a crescer…

É-se morcego ou veado…

E anda-se assim encantado,

Enquanto a fada quiser!

 

Por isso quem por estradas

For, de noite, e vir as fadas

Nos altos mirando o céu,

Deve com jeito falar-lhes

Muito cortez e tirar-lhes

Até ao chão o chapéu.

 

Porque a fortuna da gente

Está às vezes somente

Numa palavra que diz;

Por uma palavra, engraça

Uma fada com quem passa,

E torna-o logo feliz.

 

Quantas vezes já deitado,

Mas sem sono, inda acordado

Me ponho a considerar

Que condão eu pediria,

Se uma fada, um belo dia,

Me quisesse a mim fadar…

 

O que seria? Um tesouro?

Um reino? Um vestido de ouro?

Ou um leito de marfim?

Ou um palácio encantado,

Com seu lago prateado

E com pavões no jardim?

 

Ou podia, se eu quisesse,

Pedir também que me desse

Um condão, para falar

A lingua dos passarinhos,

Que conversam nos seus ninhos…

Ou então, saber voar!

 

Oh, se esta noite sonhando,

Alguma fada, engraçando

Comigo (podia ser!)

Me tocasse da varinha,

E  fosse minha madrinha

Mesmo a dormir, sem a ver…

 

E que amanhã acordasse

E me achasse… eu sei? Me achasse

Feito um principe, um emir!…

Até já, imaginando,

Se estão meus olhos fechando…

Deixa-me já, já dormir!

 
Noticia Bibliográfica

O poema foi composto para uma colectânea – Tesouro poético da infância – que Antero de Quental coordenou, e foi mais tarde recolhido em Raios de Extinta Luz, livro póstumo publicado em 1892, organizado por Teófilo Braga e onde este recolheu todas as poesias de Quental que conseguiu, mesmo algumas que o poeta tinha deliberadamente destruído mas das quais tinham subsistido cópias em mãos de terceiros.