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A secura pungente dos seus processos de sentimentalização, o expressionismo radical de uma redução do vivido a escassos pontos de dor essenciais (a solidão, a viagem, o fracasso, o álcool, os amores vividos e perdidos), dão forma a uma visão magoadíssima da condição individual do humano.
É com esta penetrante e belíssima síntese da obra poética de Juan Luis Panero (1942-2013) por Joaquim Manuel Magalhães que introduzo os leitores no poema Meditación idiota a la hora de acostarse solo em tradução do poeta José Bento.
Meditação idiota na hora de deitar-se sózinho
Se disseste, e tens repetido tantas vezes,
que o teu único amor é uma mala,
para que te queixas e protestas
enquanto olhas o tecto sobre tua cama solitária.
Vítima, juiz e enfim carrasco,
podes ainda sentir que estremeces porque alguém te ama,
mas tu escolheste, de certo modo, esse destino,
e agora deves pagar o preço.
Tu que pronunciaste “amo-te” tantas vezes,
para te rires depois da tua frase,
– o que esperas?, a quem pedes em vão?
Se quando encontras alguém que comparte teus dias,
tuas noites mais terríveis, tua soma de fracassos,
te mete medo dizer-lhe “continuemos sempre juntos”,
embora seja uma frase, embora não o creias,
– que final é o teu?, que esperas tu?
E se também te queixas das farsas grotescas
que amiúde, inúteis, constróis
com frívolas histórias, palavras mercenárias,
– o que pretendes? que pedes à vida?
A vida não é um jogo, deves tê-lo compreendido,
e se há algo evidente é que já envelheceste.
Conforma-te e aguenta e não peças milagres,
que o vodka te acompanhe ao silêncio e ao sono.
Aos pés da tua cama, como cadela no cio,
a morte, serviçal, dá-te as boas noites.
in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, selecção e tradução de José Bento, Assírio & Alvim, Lisboa, 1985.
Acompanham o artigo imagens de pinturas de Edward Hopper (1862-1967).