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Tag Archives: Edward Hopper

Formas da solidão em dois poemas de Patrizia Cavalli

27 Sexta-feira Dez 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Italiana

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Edward Hopper, Patrizia Cavalli

Estar só depois da experiência da vida a dois gera uma solidão diferente daquela vivida por quem nunca a vida partilhou. 

Num primeiro poema de Patrizia Cavalli (1947)  que a seguir traduzo, é essa solidão posterior à vida partilhada que a poesia capta, mostrando a evidência do desejo de que às vezes qualquer companhia é melhor que o silêncio da solidão:

 

 

Poema

 

Agora que o tempo parece todo meu

e ninguém me chama para o almoço ou jantar,

agora que posso ficar olhando

como uma nuvem se desvanece e desaparece,

como um gato caminha pelo telhado

no luxo imenso de uma exploração, agora

que em cada dia me espera

a ilimitada duração de uma noite

onde nada me chama e não há mais razão

para me despir com pressa e descansar dentro

da ofuscante doçura de um corpo que me espera,

agora que a manhã nunca começa

e silenciosa me deixa com os meus projectos

em todas as cadências da minha voz, agora

subitamente, gostaria da prisão.

 

Tradução do italiano por Carlos Mendonça Lopes 

 

 

Poema original

 

Adesso che il tempo sembra tutto mio

e nessuno mi chiama per il pranzo e per la cena,

adesso che posso rimanere a guardare

come si scioglie una nuvola e come si scolora,

come cammina un gatto per il tetto

nel lusso immenso di una esplorazione, adesso

che ogni giorno mi aspetta

la sconfinata lunghezza di una notte

dove non c’è richiamo e non c’è piú ragione

di spogliarsi in fretta per riposare dentro

l’accecante dolcezza di un corpo che mi aspetta,

adesso che il mattino non ha mai principio

e silenzioso mi lascia ai miei progetti

a tutte le cadenze della voce, adesso

vorrei improvvisamente la prigione.

 

in Patrizia Cavalli, Poesie (1974-1992), Einaudi, Torino, 1992.

 

Nestoutro poema que à frente traduzo, fala-nos Patrizia Cavalli da solidão acompanhada, tantas vezes presente numa relação cuja razão de ser desapareceu. O poema recorda-me irresistivelmente a canção de Patxi Andion, Aniversário, que em tempos trouxe ao blog.

 

Poema

 

Esta noite perfeita, esta hora tão doce,

o silêncio, e ninguém que perturbe

nesta casa exposta apenas ao mar e ao céu

na temperatura certa da carne,

eu sem carne aqui em frente a ti

enquanto me aborreço e enquanto tu te aborreces e crês

que quebrar o silêncio quebra o tédio

que em vez disso, cada palavra aumenta. E agora?

Entediar-se sozinho talvez seja um luxo,

mas entediar-se em duo é desespero

— não é tédio que plácido resida,

mas activamente trabalha no meu sangue

e me faz fraca e débil, me extingue.

 

Tradução do italiano por Carlos Mendonça Lopes 

 

Poema original

 

Questa notte perfetta, questa ora così dolce,

il silenzio, e nessuno che disturbi

in questa casa esposta solo al mare e al cielo

nella temperatura giusta della carne,

io senza carne qui di fronte a te

mentre mi annoio e mentre tu ti annoi e credi

che rompere il silenzio rompa la noia

che invece ogni parola accresce. E adesso?

Annoiarsi da soli forse è un lusso,

ma annoiarsi in due è disperazione

— non è noia che placida risieda,

ma attivamente lavora nel mio sangue

e mi fa scarsa e debole, mi estingue.

 

in Patrizia Cavalli, Datura, Einaudi, Torino, 2013.

 

 

Abrem e fecham o artigo as imagens de duas pinturas de Edward Hopper (1882-1967), Sol matinal e Hotel junto a uma estação de comboios, ambas de 1952. A primeira pertence à colecção do Columbus Museum of Art, a segunda ao Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Smithsonian Institution, ambos nos EUA.

 

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Amor e desejo em três poemas de Jorge de Sena

17 Segunda-feira Mar 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

≈ 3 comentários

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Edward Hopper, Jorge de Sena, Matisse

Matisse-Ronsard 08A600pxAgora que regressa às livrarias a Obra Poética de Jorge de Sena (1919-1978) (ainda que apenas a poesia reunida em livro pelo poeta em vida) tão escandalosamente ausente delas há mais e 20 anos, abro o apetite a novos leitores com dois poemas onde o amor se cumpre no corpo da amada:

… cristalino pó de amantes enlaçado.

“Conheço o sal…”

Conheço o sal da tua pele seca

depois que o estio se volveu inverno

da carne repousada em suor nocturno.

 

Conheço o sal do leite que bebemos

quando das bocas se estreitavam lábios

e o coração no sexo palpitava.

 

Conheço o sal dos teus cabelos negros

ou louros ou cinzentos que se enrolam

neste dormir de brilhos azulados.

 

Conheço o sal que resta em minhas mãos

como nas praias o perfume fica

quando a maré desceu e se retrai.

 

Conheço o sal da tua boca, o sal

da tua língua, o sal dos teus mamilos,

e o da cintura se encurvando em ancas.

 

A todo o sal conheço que é só teu,

ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,

um cristalino pó de amantes enlaçados.

Madrid, 16/1/1973

“Tu és a terra…”

Tu és a terra em que pouso.

Macia, suave, terna, e dura o quanto baste

a que teus braços como tua pernas

tenham de amor a força que me abraça.

 

És também pedra qual a terra às vezes

contra que nas arestas me lacero e firo,

mas de musgo coberta refrescando

as próprias chagas de existir contigo.

 

E sombra de árvores, e flores e frutos,

rendidos a meu gesto e meu sabor.

E uma água cristalina e murmurante

que me segreda só de amor no mundo.

 

És a terra em que pouso. Não paisagem,

não Madre Terra nem raptada ninfa

de bosques e montanhas. Terra humana

em que me pouso inteiro e para sempre.

Londres, 15/3/1973

Concluo com o relato de um daqueles intensos desejos que uma desconhecida pode desencadear no sem que fazer de uma viagem solitária, onde o inesperado é sempre um sonho escondido.

 Compartimento de comboio 1938

No comboio de Edimburgo a Londres

Que coisas se fariam — tão de seios

redonda e esbelta aqui sentada e loira

e lendo um livro idiota à minha frente!

As pernas que se juntam quanto abri-las

a duras mãos com dedos titilantes

para depois se unirem apertando

em úmidas paredes o que se entesa vendo-a…

Poemas publicados originalmente no livro Conheço o sal… e outros poemas (1974), transcritos de Poesia III, 2ª edição, Edições 70, Lisboa, 1989.

 

Abre o artigo um desenho de Matisse (1859-1964) para um livro de poemas de Ronsard, Les amours de Ronsard, escolha e ilustração do mestre, e das mais belas obras que a biblioteca contem.

Fecha com uma pintura de Edward Hopper (1882-1967) de 1938.

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Meditação idiota na hora de deitar-se sózinho por Juan Luis Panero

11 Terça-feira Fev 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Edward Hopper, Juan Luis Panero

Hotel by a Railroad 1955A secura pungente dos seus processos de sentimentalização, o expressionismo radical de uma redução do vivido a escassos pontos de dor essenciais (a solidão, a viagem, o fracasso, o álcool, os amores vividos e perdidos), dão forma a uma visão magoadíssima da condição individual do humano.

É com esta penetrante e belíssima síntese da obra poética de Juan Luis Panero (1942-2013) por Joaquim Manuel Magalhães que introduzo os leitores no poema Meditación idiota a la hora de acostarse solo em tradução do poeta José Bento.

Eleven AM 1926

Meditação idiota na hora de deitar-se sózinho

 

Se disseste, e tens repetido tantas vezes,

que o teu único amor é uma mala,

para que te queixas e protestas

enquanto olhas o tecto sobre tua cama solitária.

Vítima, juiz e enfim carrasco,

podes ainda sentir que estremeces porque alguém te ama,

mas tu escolheste, de certo modo, esse destino,

e agora deves pagar o preço.

Tu que pronunciaste “amo-te” tantas vezes,

para te rires depois da tua frase,

– o que esperas?, a quem pedes em vão?

Se quando encontras alguém que comparte teus dias,

tuas noites mais terríveis, tua soma de fracassos,

te mete medo dizer-lhe “continuemos sempre juntos”,

embora seja uma frase, embora não o creias,

– que final é o teu?, que esperas tu?

E se também te queixas das farsas grotescas

que amiúde, inúteis, constróis

com frívolas histórias, palavras mercenárias,

– o que pretendes? que pedes à vida?

A vida não é um jogo, deves tê-lo compreendido,

e se há algo evidente é que já envelheceste.

Conforma-te e aguenta e não peças milagres,

que o vodka te acompanhe ao silêncio e ao sono.

Aos pés da tua cama, como cadela no cio,

a morte, serviçal, dá-te as boas noites.

 

in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea, selecção e tradução de José Bento, Assírio & Alvim, Lisboa, 1985.

Chair CarAcompanham o artigo imagens de pinturas de Edward Hopper (1862-1967).

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As mulheres solitárias de Edward Hopper

29 Domingo Jan 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Edward Hopper

Para além das considerações sociológicas ou de escola artística, interessa-me sobretudo, ao ver a pintura de Edward Hopper (1882-1967) a emoção que cada quadro desprende. A frieza das cores toca-nos quase à flor da pele. Atenho-me sobretudo aos retratos de mulheres sós, mesmo quando nos surgem acompanhadas. Transmitem sempre uma pungente solidão.

Estas mulheres pintadas por Edward Hopper esperam, quase sempre sentadas, a chegada do amor(?), ou simplesmente anseiam pelo conforto de uma presença humana quando nos surgem rodeadas de desconhecidos?

Aparentam ser mulheres de classe media ou media-alta, envolvidas por um ambiente de conforto, às vezes olhando o mundo exterior através de um vidro-filtro, outras vezes expectantes. Apenas! O mundo exterior é desconhecido neste universo, ou não importa.

Ei-las:

Testemunho maior desta solidão acompanhada é provavelmente “Gente ao sol” de 1960, com que termino este curta visita.

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