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Tag Archives: Matisse

Do Amor em três poemas de Emily Dickinson

19 Domingo Jun 2016

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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Emily Dickinson, Matisse

Henri Matisse 1869-1954 La liseuse distraite 1919Nascemos para ser felizes? A resposta impulsiva é sim. Mas é a felicidade permanente possível? É difícil sequer imaginar semelhante anseio. Fica-nos, no entanto, a possibilidade da busca para o conseguir, pois felizes, e sempre, queremos todos ser.

E é o amor o caminho para essa felicidade? Aí a resposta tem tantas possibilidades quantos os humanos que já viveram e vivem, ou viverão.

A experiência do amor, pessoal e intransmissível, é aflorada pela poesia uma e outra vez, recorrentemente, e nas suas variadas facetas: do amor-paixão ao amor-renúncia, do amor ao outro ao amor aos outros, de filhos a pais e pais a filhos, e por aí fora; encontrando cada um nessas manifestações os momentos de felicidade que fazem a vida compensadora. Mas aquele que, adultos, nos faz vibrar no mais fundo de todas as fibras é o amor consumado no sexo, e desse falam os poemas de Emily Dickinson (1830-1886), que hoje escolhi, num crescendo, do desejo à consumação.

 

I

Noites Bravias — Noites Bravias!

Estivesse eu contigo

Tais Noites o nosso

Deleite seriam!

 

Fúteis — os Ventos —

A Coração em Porto —

Inútil a Bússola —

Como o Mapa inútil!

 

Remando em Éden —

Ah, o Mar!

E eu ancorar — Esta Noite —

Em Ti!

 

II

E se eu disser que não vou esperar!

Se eu rebentar Portões carnais —

E conseguir chegar — a ti!

 

Se eu me livrar de ser Mortal —

Onde doer — Dizer não mais —

E em Liberdade mergulhar!

 

Já não me podem mais — prender!

Masmorras — Armas implorar

Nada me dizem — já — a mim —

 

Tal como o riso — há — uma hora —

Os Laços — Festas — o que fora —

Ou mesmo quem ontem — morreu!

 

III

Aprendemos o Todo do Amor —

O Alfabeto — as Palavras —

Um Capítulo — depois o Livro imenso —

E — a Revelação — então fechou-se —

 

Mas uma Ignorância se fitou

No Olhar de Cada um de Nós —

Mais divina do que é a da Infância —

E cada um para o outro, uma Criança —

 

Tentando definir e explicar

O que Nenhum de nós — compreendia —

Ah, que é tão larga a Sabedoria —

E a Verdade — têm formas tão diversas!

 

in Emily Dickinson, Duzentos Poemas, tradução, belíssima, posfácio e organização de Ana Luísa Amaral, Relógio D’Água Editores, Lisboa 2014.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Matisse (1869-1954), A leitora distraída, de 1919, como que embalada nas suas memórias de amor após a leitura de tão empolgante poesia.

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Estâncias para Música — poema de Lord Byron

06 Quarta-feira Jan 2016

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Lord Byron, Matisse

matisse.lecon-musiqueMúsica e Poesia cruzam-se de variadas formas. A mais imediata, talvez, será a melodia que um poema transmite na cadência da sua leitura, prendendo o leitor antes da atenção às variadas possibilidades significantes do seu conteúdo.

Outra das relações, frequente e apetecível, é a sobreposição a um poema de uma partitura musical, criando uma obra com uma nova individualidade estética diferente das suas partes musical e poética, sendo talvez o caso mais notável desta genialidade tripartida o último andamento da IX Sinfonia de Beethoven onde a música do compositor incorpora em simbiose o poema de Schiller, Ode an die Freude, Ode à Alegria.

No mundo da chamada canção popular, os textos escritos para ser musicados revelam-se muitas vezes como poemas notáveis, pequenas jóias de intensa penetração humana, como são, nomeadamente, tantas das canções de Cole Porter.

Há por outro lado elaboradas reflexões poéticas sobre determinadas peças musicais espalhadas pela obra de alguns poetas, qual seja, por exemplo, Fernando Guimarães.

Num registo diferente surge o livro Arte de Música de Jorge de Sena em torno de algumas obras musicais em interpretações específicas. Entre os novos, o livro de Manuel de Freitas, Büchlein für Johann Sebastian Bach (2003), sobre alguns intérpretes da música de J. S. Bach, em momentos precisos de audição,  dá-nos conta de como a música cruza a circunstância do poeta, e da emoção que desprende surge uma compreensão mais profunda de si e do mundo.

Todos estes poemas, referidos de passagem, são relatos de busca da beleza no intangível que a música produz.

É diferente o poema de Lord Byron (1788-1824) que hoje transcrevo, Estâncias para Música. Nele a música, criação humana por excelência, é assimilada ao que de mais belo o poeta encontra na natureza: a beleza feminina, o mar e o vento, o luar, e o suave dormir de uma criança na sua confiante entrega ao mundo, traduzindo uma outra leitura do que é o entendimento subjacente à poesia impregnada da música: o caminho mais curto para o divino.

Estâncias para Música

 

Muita mulher tem beleza

nenhuma a tua magia;

e a tua voz tal riqueza,

que nem a da melodia

por sobre as águas do mar:

quando, num encantamento,

sonhando adormece o vento

E a onda para um momento

e desfalece a brilhar…

 

E a lua no céu fiando

a sua teia, a sorrir;

e o mar brandamente arfando

qual criancinha a dormir:

assim, dentro da minha alma,

eu me inclino, ao encontrar-te,

me suspendo, a escutar-te,

me curvo, para adorar-te:

com funda emoção, mas calma.

 

Tradução de Luiz Cardim

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Amor e um poema medieval na despedida de 2015

30 Quarta-feira Dez 2015

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Jacopo da Lentini, Matisse

Matisse - Standing Nude with Raised Arms 1947 500pxAmor! Sentimento de todas as idades e de todas as épocas, motivo maior e perene na poesia, é certamente adequado para a leitura final deste ano de graça de 2015, na esperança que 2016 traga em si, em avalanche, amor suficiente para saciar a humanidade sedenta dele, e se houver rateio, que os leitores do blog sejam satisfeitos em primeiro lugar.

 

Feliz 2016 a todos!

 

O poema de encerramento do ano, um soneto de amor, chega-nos da Sicília, da primeira metade do século XIII, escrito por Jacopo (ou Giacomo) da Lentini (c.1210 – c.1260), considerado o inventor do soneto.

Desde então, ainda que com lento desenvolvimento até ao esplendor renascentista, o soneto não deixou de ser a forma de excelência para exprimir as dores e alegrias das paixões humanas, com um pico absoluto nos sonetos de Camões.

Falando do fogo do amor que abrasa, da alegria, do prazer, e da dor, este soneto inicial tem lá tudo o que posteriormente foi apenas glosado, por vezes de forma sublime.

 

 

Soneto XXXIV

 

Quem nunca tivesse visto o fogo

Não acreditava que pudesse queimar.

Ao descobrir o seu fulgor

Acharia que era coisa de folgar.

 

Mas se lá pusesse a mão,

Saberia quanto o fogo queima!

Eu toquei no fogo de amor,

Fogo que abrasa: Ah, se esta fogueira,

 

Ardesse em vós, minha Senhora,

Vós que pareceis dar prazer,

Vós que não dais senão dor!

 

Por certo o amor faz vilania

Não te unindo, tu que escarneces,

A mim, teu escravo sem alegria.

 

Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo

in Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim, 2001.

 

Original do poema

 

Soneto XXXIV

 

[C]hi non avesse mai veduto foco

no crederia che cocere potesse,

anti li sembraria solazzo e gioco

lo so isprendor[e], quando lo vedesse.

 

Ma s’ello lo tocasse in alcun loco,

be·lli se[m]brara che forte cocesse:

quello d’Amore m’à tocato un poco,

molto me coce – Deo, che s’aprendesse!

 

Che s’aprendesse in voi, [ma]donna mia,

che mi mostrate dar solazzo amando,

e voi mi date pur pen’e tormento.

 

Certo l’Amor[e] fa gran vilania,

che no distringe te che vai gabando,

a me che servo non dà isbaldimento.

 

Edição de Roberto Antonelli, Roma, 1979

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Janelas de Matisse para o poema Varanda de Sophia

13 Quarta-feira Ago 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Matisse, Sophia de Mello Breyner Andresen

Matisse - janela 1

Noutra varanda assim num Setembro de outrora

Que em mil estátuas e roxo azul se prolongava

Amei a vida como coisa sagrada

E a juventude me foi eternidade

Matisse - janela 2Acontece-me com frequência associar o intenso lirismo de poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) à aparente fragilidade  das pinturas de Matisse (1869-1964) onde a indecisão do desenho se casa com a intensidade tantas vezes eufórica do colorido.

Matisse - janela 3São pintura de uma perene alegria e de alguém que certamente amou a vida como coisa sagrada para tomar o verso de Sophia do poema Varandas, pretexto desta visita a Matisse.

Matisse - janela 4

VARANDAS

 

É na varanda que os poemas emergem

Quando se azula o rio e brilha

O verde-escuro do cipreste — quando

Sobre as águas se recorta a branca escultura

Quasi oriental quasi marinha

Da torre aérea e branca

E a manhã toda aberta

Se torna irisada e divina

E sobre a página do caderno o poema se alinha

 

Noutra varanda assim num Setembro de outrora

Que em mil estátuas e roxo azul se prolongava

Amei a vida como coisa sagrada

E a juventude me foi eternidade

Matisse - janela 5À feérica paleta junta-se a poesia de harmonia entre a intimidade do eu e a beleza do mundo exterior que pelas janelas abertas nos é mostrado. São mundos onde o frenético da existência está ausente e ganhamos, ao vê-los, a certeza de que é seguramente possível viver de outra maneira.

Matisse - janela 6Matisse - janela 7

Matisse - janela 8O poema foi inicialmente publicado no livro O Búzio de Cós e Outros Poemas, 1997, e transcrito de Obra Poética, Editorial Caminho, 2ª edição, Lisboa 2001.

Matisse - janela 9

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Amor e desejo em três poemas de Jorge de Sena

17 Segunda-feira Mar 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Edward Hopper, Jorge de Sena, Matisse

Matisse-Ronsard 08A600pxAgora que regressa às livrarias a Obra Poética de Jorge de Sena (1919-1978) (ainda que apenas a poesia reunida em livro pelo poeta em vida) tão escandalosamente ausente delas há mais e 20 anos, abro o apetite a novos leitores com dois poemas onde o amor se cumpre no corpo da amada:

… cristalino pó de amantes enlaçado.

“Conheço o sal…”

Conheço o sal da tua pele seca

depois que o estio se volveu inverno

da carne repousada em suor nocturno.

 

Conheço o sal do leite que bebemos

quando das bocas se estreitavam lábios

e o coração no sexo palpitava.

 

Conheço o sal dos teus cabelos negros

ou louros ou cinzentos que se enrolam

neste dormir de brilhos azulados.

 

Conheço o sal que resta em minhas mãos

como nas praias o perfume fica

quando a maré desceu e se retrai.

 

Conheço o sal da tua boca, o sal

da tua língua, o sal dos teus mamilos,

e o da cintura se encurvando em ancas.

 

A todo o sal conheço que é só teu,

ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,

um cristalino pó de amantes enlaçados.

Madrid, 16/1/1973

“Tu és a terra…”

Tu és a terra em que pouso.

Macia, suave, terna, e dura o quanto baste

a que teus braços como tua pernas

tenham de amor a força que me abraça.

 

És também pedra qual a terra às vezes

contra que nas arestas me lacero e firo,

mas de musgo coberta refrescando

as próprias chagas de existir contigo.

 

E sombra de árvores, e flores e frutos,

rendidos a meu gesto e meu sabor.

E uma água cristalina e murmurante

que me segreda só de amor no mundo.

 

És a terra em que pouso. Não paisagem,

não Madre Terra nem raptada ninfa

de bosques e montanhas. Terra humana

em que me pouso inteiro e para sempre.

Londres, 15/3/1973

Concluo com o relato de um daqueles intensos desejos que uma desconhecida pode desencadear no sem que fazer de uma viagem solitária, onde o inesperado é sempre um sonho escondido.

 Compartimento de comboio 1938

No comboio de Edimburgo a Londres

Que coisas se fariam — tão de seios

redonda e esbelta aqui sentada e loira

e lendo um livro idiota à minha frente!

As pernas que se juntam quanto abri-las

a duras mãos com dedos titilantes

para depois se unirem apertando

em úmidas paredes o que se entesa vendo-a…

Poemas publicados originalmente no livro Conheço o sal… e outros poemas (1974), transcritos de Poesia III, 2ª edição, Edições 70, Lisboa, 1989.

 

Abre o artigo um desenho de Matisse (1859-1964) para um livro de poemas de Ronsard, Les amours de Ronsard, escolha e ilustração do mestre, e das mais belas obras que a biblioteca contem.

Fecha com uma pintura de Edward Hopper (1882-1967) de 1938.

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Por causa de umas quantas canções — poesia de Leonard Cohen

24 Sexta-feira Jan 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Leonard Cohen, Matisse

Blue Nude with Hair in the Wind 1952

Não sou muito de nostalgias, nem de parar a olhar para trás contemplando a vida vivida. Já foi! Fez-me como sou, e para a frente é o caminho. Inevitavelmente o que no passado conheci, as gentes que me encheram a vida mostram-me que o tempo passou, e não foi o mesmo para todos. Confronto-me demasiadas vezes com a memória de mim nos outros diferente do que suponho. São certamente artifícios da construção do eu em cada um.

Já vivi a adolescência num tempo em que as canções marcaram a memória, e de Leonard Cohen (1934), Suzanne, mais que outras, deram-me êxtases que garantiram ao cantor e poeta a minha admiração eterna:

…

Os beijos começaram nos nossos lábios / E foram terminar em todo o lado /

…

Com aquele ritmo dolente que ele hoje ainda sabe fazer, criando pura magia quando temos uma mulher nos braços, foi Leonard Cohen (1934) o artífice de bem sucedidas aventuras onde o amor participou.

É por via das suas canções que chego à poesia que escreveu, belíssima frequentemente, relato de vida pessoal que é também relato de vida de uma geração que foi adulta nos últimos 40 anos:

…

O livro do amor que li estava errado / Tinha um final feliz/

…

Standing Blue Nude 1952

Agarro-me ao seu Book of Longing, Livro do Desejo em português, traduzido por Vasco Gato, e um pouco ao sabor do acaso escolho alguns poemas.

A Grande Divisão

Nunca gostei da tua forma de amar

Tão tortuosa, tão antiquada

Ainda assim jejuei como um monge

E rezei para ver-te nua

 

Via-te a magoar toda a gente

Um governo de sofrimento

Dizia a mim mesmo “Seja Feita A Tua Vontade

A minha vontade não serve para nada”

 

Bebi bastante perdi o emprego

Vivi como se nada interessasse

E tu, tu nunca apareceste

Nem sequer respondeste

 

Eu era um tempo cego e avariado

E a bondade estava proibida

Creio que tentei apanhar uma boleia

Dos ácidos para a religião

 

Mas todas as guias luminosas tinham desaparecido

Bem como todas as boas direcções

O livro do amor que li estava errado

Tinha um final feliz

 

Mas quando o sistema estava já abalado

Para lá do reconhecimento possível

As coisas simples que eu esquecera

Retomaram a sua doce posição

 

Pensei ver-te com uma criança

Pensei ter-te ouvido a chorar

E o jardim inteiro à tua volta louco

E seguro sob a tua guarda

 

Não me recordo do que aconteceu depois

Mantive-te à distância

Mas emaranhado no nó do sexo

O meu castigo foi levantado

 

Os teus remédios debaixo da minha não

Os teus dedos no meu cabelo

Os beijos começaram nos nossos lábios

E foram terminar em todo o lado

 

E quando me preparava para partir

Tu puxaste-me para o teu lado

Para sermos Adão e Eva

Antes da Grande Divisão

 

E aqui amarrados não conseguimos mexer-nos

Excepto um para o outro

Estendemo-nos e afogamo-nos como os lírios

De lado nenhum para o çentro

 

E aqui não posso erguer uma mão

Para seguir as linhas da beleza

Mas as linhas estão traçadas e o amor está contente

Por ir e vir com tamanha liberdade

 

E aqui nenhum pecado pode ser confessado

Nenhum pecador perdoado

Está escrito que a lei tem de descansar

Antes de a lei ser escrita

 

E aqui o silêncio é apagado

O pano de fundo desmanchado por inteiro

A tua beleza não pode ser comparada

Não há espelho aqui, nem sombra

 

Mas eis que agora chega um vento que arranha

Sem propósito e sereno

Fere-me quando me separo dos teus lábios

Fere-nos pelo meio

 

E agora podem de novo as guerras começar

A tortura e o riso

Choramos alto, como fazem os humanos

Antes da verdade, e depois

 

Não sei como irá terminar

Sempre deixaste isso em aberto

Mas, ah, tu és a única amiga

Que nunca pensei conhecer.

(Tradução de Vasco Gato)

Because of a few songs

Because of a few songs

wherein I spoke of their mistery

women have been

exceptionally kind

to my old age

They make a secret place

in their busy lives

and they take me there.

They become naked

in their different ways

and they say,

“Look at me, Leonard

look at me one last time.”

Then they bend over the bed

and cover me up

like a baby that is shivering.

Por causa de umas quantas canções

Por causa de umas quantas canções

em que falava do mistério delas,

as mulheres têm-se mostrado

excepcionalmente compreensivas

para com a minha idade avançada.

Criam um lugar secreto

nas suas vidas ocupadas

e levam-me até lá.

Despem-se

cada uma à sua maneira

e dizem,

“Olha para mim, Leonard

olha para mim uma última vez.”

Depois inclinam-se sobre a cama

e cobrem-me

como a um bebé que treme.

(Tradução de Vasco Gato)

Half of the world

Every night she’d come to me

I’d cook for her, I’d pour her tea

She was in her thirties then

had made some money, lived with men

We’d lay us down to give and get

beneath the white mosquito net

And since no counting had begun

we lived a thousand years one

The candles burned, the moon went down

the polished hill, the milky town

transparent, weightless, luminous,

uncovering the two of us

on that fundamental ground,

where love’s unwilled, unleashed, unbound

and half the perfect world is found

Metade do Mundo

Todas as noites ela vinha ter comigo

Eu cozinhava para ela, servia-lhe chá

Ela tinha trinta e tal naquela altura

conseguira fazer algum dinheiro, vivera com homens

Deitávamos-nos para dar e receber

debaixo do mosquiteiro branco

E uma vez que nenhuma contagem começara

viviamos mil anos num só

As velas ardiam, a lua descia

a colina polida, a cidade leitosa

transparente, sem peso, luminosa,

destapando-nos aos dois

naquele chão fundamental,

onde o amor é fortuito, desatado, desencarcerado

e do mundo perfeito se acha metade

(Tradução de Vasco Gato)

the road is too long

the sky is too vast

the wandering heart

is homeless at last

a estrada é demasiado longa

o céu demasiado vasto

o coração vagabundo

está finalmente sem abrigo

(Tradução Carlos Mendonça Lopes)

Standing Blue Nude  1952

Abro um pouco a janela da nostalgia e vou ouvir algumas canções, sobretudo uma, onde a música canta, mais que as palavras, a felicidade de um reencontro fugaz: Tonight Will Be Fine, Esta Noite Correrá Bem, publicada originalmente em 1969, no disco Songs From A Room.

Tonight Will Be Fine

Sometimes I find I get to thinking of the past.

We swore to each other then that our love would surely last.

You kept right on loving, I went on a fast,

now I am too thin and your love is too vast.

But I know from your eyes

and I know from your smile

that tonight will be fine,

will be fine, will be fine, will be fine

for a while.

I choose the rooms that I live in with care,

the windows are small and the walls almost bare,

there’s only one bed and there’s only one prayer;

I listen all night for your step on the stair.

But I know from your eyes

and I know from your smile

that tonight will be fine,

will be fine, will be fine, will be fine

for a while.

Oh sometimes I see her undressing for me,

she’s the soft naked lady love meant her to be

and she’s moving her body so brave and so free.

If I’ve got to remember that’s a fine memory.

And I know from her eyes

and I know from her smile

that tonight will be fine,

will be fine, will be fine, will be fine

for a while.

A edição portuguesa de Livro do Desejo é de Quasi Edições, 2008, é bilingue e editorialmente notável, oferecendo uma paginação onde os desenhos do poeta acompanham e comentam os poemas, proporcionando uma leitura paralela ao impacto que cada poema induz no leitor.

Acompanham o artigo os nus azuis de Matisse (1869-1964). Abre O Nu Azul com Cabelo ao Vento, segue-se o Nu Azul Sentado, e termina com o Nu Azul de Pé, todos de 1952.

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Herberto Helder e O AMOR EM VISITA no Dia da Mulher

08 Sexta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI, Convite à arte, Poetas e Poemas

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Herberto Helder, Matisse

Matisse_Henri-Zulma

Para quem anda distraído, ou ocupado nas imensas ninharias da vida, celebra o mundo neste dia 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher.
Assunto maior e recorrente no blog – A Mulher – aproveito a comemoração para, com pouca conversa, transcrever o longo poema/oração de Herberto Helder (1930) O AMOR EM VISITA, um entre aquela menos que duzia de obras-primas absolutas da poesia portuguesa do século XX, pela primeira vez publicado em 1958 e sucessivamente retocado.

Poema de exaltação do amor pela mulher, que a abrir nos diz:

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.

Com o poema caminhamos na musica encantatória do verso, e percorremos, entre o instante e o eterno, a vertigem do amor:

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
– Porém, tu sempre me incendeias.

sabendo que no final e sempre:

Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

O AMOR EM VISITA

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze, mulher nua sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.

Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a morte
e a alegria da morte.

Dai-me um torso dobrado pela música, um ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da noite.
– Então cantarei a exaltante alegria da morte.

Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
– Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
– Porém, não te esquecem meus corações de sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra – invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Toco o peso da tua vida: a carne que fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para o tempo –
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras em minha velada
beleza.

Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.

Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida – e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da música nocturna.

Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira – para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.

Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a auréola,
a sombra canta baixo.

Começa o tempo onde a boca se desfaz na lua,
onde a beleza que transportas como um peso árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
– Para consagração da noite erguerei um violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada intimidade
em que me acolhes.

Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela, onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
– Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.

Estás profundamente na pedra e a pedra em mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima noite
– o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.

Quando o fruto empolga um instante a eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
– E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.

Se te aprendessem minhas mãos, forma do vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu sorriso?
– No entanto és tu que te moverás na matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu sangue.

Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.
– Eu devo rasgar minha face para que a tua face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.

As águas que um dia nasceram onde marcaste o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros
do crepúsculo
– aspiram longamente a nossa vida.

Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho,
no mosto aberto
– no amor mais terrível do que a vida.

Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.

De meu recente coração a vida inteira sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a fome
encanta pela noite equilibrada, imponderável –
em cada espasmo eu morrerei contigo.

E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água – e eu caminho pelas ruas frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo.

Transcrevi a versão publicada em OU O POEMA CONTÍNUO, edição da obra poética de Herberto Helder, na forma definitiva de 2004, publicada por Assírio & Alvim em Setembro de 2004.

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Ó Noite, ó desejo de Heliodora – Meleagro de Gádaros

07 Quinta-feira Fev 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Matisse, Meleagro de Gádaros

Matisse_Henri-Satyr_and_NymphMeleagro de Gádaros (séc. I a. C.) foi o organizador da que é hoje conhecida como Antologia Palatina, compilação de poesia grega antiga onde se reunem poesias  dispersas em livros de epigramas amorosos, votivos, funerários, morais, cómicos, etc…, de poetas de quem em geral pouco se sabe.

Atenho-me, no entanto, a um dos belos poemas de Meleagro de Gádaros (séc. I a. C.) dedicados à mulher amada, Heliodora.

Ó Noite, ó desejo de Heliodora que me tem acordado,
e vós, ó ancas travessas cuja lembrança penetrante
me solta as lágrimas, dizei-me: guarda ela
na lembrança uma fria imagem
do calor dos meus beijos? Tem ela no leito,
como eu, as lágrimas por companheiras
e beija e aperta contra o peito
o meu fantasma que lhe cativa a alma?
Ou ela tem um novo amor?
Ó lâmpada, não ilumines essas novas folias
e guarda apenas para mim
aquela que te confiei.

(in Antologia Palatina)

Tradução de Albano Martins

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Com Páladas, A vida é isto, apenas isto: a vida é prazer

06 Quarta-feira Fev 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Matisse, Páladas

Matisse_Henri-Luxe_calme_et_voluptePerco-me muitas vezes nos livros de antiga poesia grega. Não conheço o grego e por isso leio em traduções disponíveis, o que são sempre aproximações limitadas pelos preconceitos dos tradutores e do seu tempo, sobretudo nas matérias em que o sexo espreita. Tomada em conta esta realidade, sobra a felicidade com que o tradutor conseguiu criar na língua de chegada qualquer coisa parecida com poesia, e às vezes acontece.

Acontece frequentemente com o poeta Alberto Martins no seu labor de tradução de poesia grega antiga, um verso ficar preso à memória e a uma segunda e terceira leitura permanecer o encanto.

Para hoje escolho, dentre as suas traduções, alguns poemas de Páladas, gramático da Caldeia, estabelecido em Alexandria no século IV e cuja poesia foi recolhida na Antologia organizada por Agátias, o Escolástico, no século VI, vivendo na corte de Justiniano.

O primeiro poema remete-nos com enorme acutilância para a vida dos gregos, hoje:

A vida é um sonho

Acaso morremos e só na aparência estamos vivos,
nós, os gregos, caídos em desgraça,
imaginando que a vida é um sonho?
Ou estamos vivos e foi a vida que morreu?

A realidade vivida na Grécia hoje, de que vamos tendo noticia, cola-se como uma luva a esta reflexão.

Concluo com dois poemas onde se retoma a perspectiva da fugacidade da vida já reflectida por Horácio na Ode a Leucónoe, que antes deixei, e apologiando Carpe Diem, agora na formula:

Sejamos felizes hoje, que o amanhã de ninguém é conhecido.

A vida

A vida é isto, apenas isto: a vida é prazer. Longe de nós os cuidados.
A existência humana é curta. Venham depressa o vinho,
depressa as danças e as coroas de flores, depressa as mulheres.
Sejamos felizes hoje, que o amanhã de ninguém é conhecido.

Terminemos com o convite do poeta: chorai a rapidez do tempo!

O fim

Ó breves prazeres da vida,
chorai a rapidez do tempo!
Estamos sentados e dormimos,
Trabalhando ou gozando o prazer.
Mas o tempo corre, corre para nós,
míseros mortais, pondo fim
à vida de cada um.

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Manuel Bandeira – fantasias de poeta sobre o amor

18 Sexta-feira Jan 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Manuel Bandeira, Matisse

Matisse desenhoO poeta é um fingidor, escreveu Pessoa num poema hoje lendário, e, com efeito, os poetas não são de fiar no que propagam, se não vejamos o exemplo de hoje, com Manuel Bandeira (1886-1968), em torno da alma.

No poema ARTE DE AMAR diz-nos o poeta:

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

enquanto noutro lugar escreve, no poema UNIDADE,

Minh’alma estava naquele instante
Fora de mim longe muito longe

Chegaste
E desde logo foi Verão

São dois poemas sobre o amor e o sexo, ou dizendo melhor, sobre o sexo e talvez sobre o amor. Em ambos é do físico que se trata, defendendo-se em ARTE DE AMAR o embaraço que é meter a alma nestas matérias, e por outro lado, em UNIDADE, aceitando que a volúpia cresce por contacto mas é a entrega da alma que permite o auge No momento fugaz da unidade.

Desfrutemos agora dos poemas depois deste desnecessário intróito.

ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Na outra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

UNIDADE

Minh’alma estava naquele instante
Fora de mim longe muito longe

Chegaste
E desde logo foi Verão
O Verão com as suas palmas os seus mormaços os seus ventos de sôfrega mocidade
Debalde os teus afagos insinuavam quebranto e molície
O instinto de penetração já despertado
Era como uma seta de fogo

Foi então que minh’alma veio vindo
Veio vindo de muito longe
Veio vindo
Para de súbito entrar-me violenta e sacudir-me todo
No momento fugaz da unidade.

1948

Muito antes escrevera o poeta, pondo os versos na voz de uma mulher, Vulgívaga que começa:

Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado
E meu marido morreu tísico!
…
onde do sexo que degrada se fala.

Mas a obra do poeta é um mosaico, e falando da vontade de morrer que a plenitude do gozo traz consigo, encontramos este

FELICIDADE

A doce tarde morre. E tão mansa
Ela esmorece,
Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parece, toda repouso,
Como um suspiro de extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim cumprida, morre, descansa…

E enquanto a mansa tarde agoniza,
Por entre a névoa fria do mar
Toda a minh’alma foge da brisa:
Tenho vontade de me matar!

Oh, ter vontade de se matar…
Bem sei, é cousa que não se diz.
Que mais a vida me pode dar?
Sou tão feliz!

– Vem, noite mansa…

Nestas fantasias de poeta sobre o amor termino com

MULHERES

Como as mulheres são lindas!
Inútil pensar que é do vestido…
E depois não há só as bonitas:
Há as feias, certas feias em cujos olhos vejo isto:
Uma menininha que é batida e pisada e nunca sai da cozinha.

Como deve ser bom gostar de uma feia!
O meu amor porém não tem bondade alguma.
É fraco! fraco!
Meu Deus, eu amo como as criancinhas…

És linda como uma história da carochinha…
E eu preciso de ti como precisava da mamã e do papá
(No tempo em que pensava que os ladrões moravam no morro atrás de casa e tinham cara de pau.)

Arte de Amar e Unidade constam do livro Belo Belo
Vulgívaga pode ler-se no livro Carnaval
Mulheres foi publicado no livro Libertinagem
Felicidade encontra-se no livro O Ritmo Dissoluto

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