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Agora que regressa às livrarias a Obra Poética de Jorge de Sena (1919-1978) (ainda que apenas a poesia reunida em livro pelo poeta em vida) tão escandalosamente ausente delas há mais e 20 anos, abro o apetite a novos leitores com dois poemas onde o amor se cumpre no corpo da amada:
… cristalino pó de amantes enlaçado.
“Conheço o sal…”
Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousada em suor nocturno.
Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.
Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.
Conheço o sal que resta em minhas mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.
Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal dos teus mamilos,
e o da cintura se encurvando em ancas.
A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.
Madrid, 16/1/1973
“Tu és a terra…”
Tu és a terra em que pouso.
Macia, suave, terna, e dura o quanto baste
a que teus braços como tua pernas
tenham de amor a força que me abraça.
És também pedra qual a terra às vezes
contra que nas arestas me lacero e firo,
mas de musgo coberta refrescando
as próprias chagas de existir contigo.
E sombra de árvores, e flores e frutos,
rendidos a meu gesto e meu sabor.
E uma água cristalina e murmurante
que me segreda só de amor no mundo.
És a terra em que pouso. Não paisagem,
não Madre Terra nem raptada ninfa
de bosques e montanhas. Terra humana
em que me pouso inteiro e para sempre.
Londres, 15/3/1973
Concluo com o relato de um daqueles intensos desejos que uma desconhecida pode desencadear no sem que fazer de uma viagem solitária, onde o inesperado é sempre um sonho escondido.
No comboio de Edimburgo a Londres
Que coisas se fariam — tão de seios
redonda e esbelta aqui sentada e loira
e lendo um livro idiota à minha frente!
As pernas que se juntam quanto abri-las
a duras mãos com dedos titilantes
para depois se unirem apertando
em úmidas paredes o que se entesa vendo-a…
Poemas publicados originalmente no livro Conheço o sal… e outros poemas (1974), transcritos de Poesia III, 2ª edição, Edições 70, Lisboa, 1989.
Abre o artigo um desenho de Matisse (1859-1964) para um livro de poemas de Ronsard, Les amours de Ronsard, escolha e ilustração do mestre, e das mais belas obras que a biblioteca contem.
Fecha com uma pintura de Edward Hopper (1882-1967) de 1938.
Pingback: LitBirthdays November 2, 2010 | Literary Birthdays Blog
Excelente selecção!
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Obrigado.
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