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Há quem diga que os olhos nos iludem
E que nada existe, apenas aparenta,
Mas justamente esses não têm esperança.
Foge à reflexão filosófica o conceito de esperança: de que forma organizamos em nós o mundo e como nesse estar entra a Esperança. Não é sentimento, não é crença; fará talvez parte da força vital que todos os dias nos leva a levantar cabeça, e quando desaparece, o fim bateu-nos à porta.
De forma admirável, como só a poesia por vezes consegue, Czeslaw Milosz (1911-2004), num poema do tempo da segunda guerra mundial dá-nos uma chave possível:
Esperança surge, quando se acredita / Que a Terra não é um sonho,…
Na versão inglesa feita pelo autor, a abertura do poema acima transcrita escreve-se assim:
Hope is with you when you believe / The earth is not a dream…
O poema publicado no livro “Ocalenic” (Salvação), 1945, integra um conjunto de vinte poemas sub-titulado O Mundo. Antecede-o o poema Fé e segue-se-lhe o poema Amor, para os quais não encontrei tradução portuguesa. Se resultar a minha tentativa de os verter em português aqui aparecerão. Por agora, com Esperança vos deixo.
Esperança
Esperança surge, quando se acredita
Que a Terra não é um sonho, mas um corpo vivo,
Que não mentem o ouvido, o tacto, a visão
E que todas as coisas que aqui conhecias
São como um jardim visto do portão.
Entrar lá não se pode. Mas ele existe com rigor.
Se melhor olhássemos e com mais sabedoria,
No jardim do mundo uma nova flor
E mais do que uma estrela se avistaria.
Há quem diga que os olhos nos iludem
E que nada existe, apenas aparenta,
Mas justamente esses não têm esperança.
Pensar que ao virar as costas
O mundo desaparecerá de repente
Como que roubado por um delinquente.
in “Ocalenic” (Salvação), 1945
Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves, publicada em Alguns gostam de poesia, Antologia, Czeslaw Milosz e Wislawa Szymborska, Cavalo de Ferro Editores, Lisboa, 2004.
A foto foi feita por mim, há alguns anos, nesta cidade de Lisboa.
Belo poema de um autor que ainda não conhecia. Fiquei curiosa pra conhecer o resto de sua obra. Valeu!
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Obrigado. Há outro poema de Milosz no blog. Deixo-lhe o link:
https://viciodapoesia.com/2011/08/02/em-lisboa-chegar-ao-rossio/
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