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Há imagens indeléveis que nos acompanham e no inesperado de um momento assaltam a memória.
Subia eu as escadas do metro e à minha frente flutuava, levitava, tornava-se imponderável no seu andar dançante, uma negra de ancas opulentas, lá vai sorrindo a bunda pensei.
Num flash voltou-me a imagem daquele filme absoluto sobre a adolescência – Amarcord – quando Gradiska, escultura de curvas em movimentos, quais esferas harmoniosas sobre o caos, surgia e desaparecia entre montes de neve onde o vermelho rompia o branco imaculado.
Não contente ainda, deixei rolar a memória cinéfila até Quanto mais Quente Melhor e revi Marilyn no autocarro da orquestra a caminhar de costas ao longo do corredor, fazendo soar todas as trombetas do desejo na caricia de ser e balançar.
Como o poeta tem razão!
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito estudar.
A bunda são duas luas gemeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na caricia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
redunda.
Notícia Bibliográfica:
O poema é de Carlos Drummond de Andrade e encontrei-o num livro em tempos oferecido por uma amiga querida – Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século. Foi editado em 2001 pela Editora Objectiva do Rio de Janeiro.