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Música e Poesia cruzam-se de variadas formas. A mais imediata, talvez, será a melodia que um poema transmite na cadência da sua leitura, prendendo o leitor antes da atenção às variadas possibilidades significantes do seu conteúdo.
Outra das relações, frequente e apetecível, é a sobreposição a um poema de uma partitura musical, criando uma obra com uma nova individualidade estética diferente das suas partes musical e poética, sendo talvez o caso mais notável desta genialidade tripartida o último andamento da IX Sinfonia de Beethoven onde a música do compositor incorpora em simbiose o poema de Schiller, Ode an die Freude, Ode à Alegria.
No mundo da chamada canção popular, os textos escritos para ser musicados revelam-se muitas vezes como poemas notáveis, pequenas jóias de intensa penetração humana, como são, nomeadamente, tantas das canções de Cole Porter.
Há por outro lado elaboradas reflexões poéticas sobre determinadas peças musicais espalhadas pela obra de alguns poetas, qual seja, por exemplo, Fernando Guimarães.
Num registo diferente surge o livro Arte de Música de Jorge de Sena em torno de algumas obras musicais em interpretações específicas. Entre os novos, o livro de Manuel de Freitas, Büchlein für Johann Sebastian Bach (2003), sobre alguns intérpretes da música de J. S. Bach, em momentos precisos de audição, dá-nos conta de como a música cruza a circunstância do poeta, e da emoção que desprende surge uma compreensão mais profunda de si e do mundo.
Todos estes poemas, referidos de passagem, são relatos de busca da beleza no intangível que a música produz.
É diferente o poema de Lord Byron (1788-1824) que hoje transcrevo, Estâncias para Música. Nele a música, criação humana por excelência, é assimilada ao que de mais belo o poeta encontra na natureza: a beleza feminina, o mar e o vento, o luar, e o suave dormir de uma criança na sua confiante entrega ao mundo, traduzindo uma outra leitura do que é o entendimento subjacente à poesia impregnada da música: o caminho mais curto para o divino.
Estâncias para Música
Muita mulher tem beleza
nenhuma a tua magia;
e a tua voz tal riqueza,
que nem a da melodia
por sobre as águas do mar:
quando, num encantamento,
sonhando adormece o vento
E a onda para um momento
e desfalece a brilhar…
E a lua no céu fiando
a sua teia, a sorrir;
e o mar brandamente arfando
qual criancinha a dormir:
assim, dentro da minha alma,
eu me inclino, ao encontrar-te,
me suspendo, a escutar-te,
me curvo, para adorar-te:
com funda emoção, mas calma.
Tradução de Luiz Cardim
Mais uma vez, o meu sentido agradecimento pela compensação que traz ao meu quotidiano com tanta qualidade e bom gosto. Boa poesia e boa pintura, o que podemos querer mais? Obrigado.
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