Etiquetas

,

Estar só depois da experiência da vida a dois gera uma solidão diferente daquela vivida por quem nunca a vida partilhou. 

Num primeiro poema de Patrizia Cavalli (1947)  que a seguir traduzo, é essa solidão posterior à vida partilhada que a poesia capta, mostrando a evidência do desejo de que às vezes qualquer companhia é melhor que o silêncio da solidão:

 

 

Poema

 

Agora que o tempo parece todo meu

e ninguém me chama para o almoço ou jantar,

agora que posso ficar olhando

como uma nuvem se desvanece e desaparece,

como um gato caminha pelo telhado

no luxo imenso de uma exploração, agora

que em cada dia me espera

a ilimitada duração de uma noite

onde nada me chama e não há mais razão

para me despir com pressa e descansar dentro

da ofuscante doçura de um corpo que me espera,

agora que a manhã nunca começa

e silenciosa me deixa com os meus projectos

em todas as cadências da minha voz, agora

subitamente, gostaria da prisão.

 

Tradução do italiano por Carlos Mendonça Lopes 

 

 

Poema original

 

Adesso che il tempo sembra tutto mio

e nessuno mi chiama per il pranzo e per la cena,

adesso che posso rimanere a guardare

come si scioglie una nuvola e come si scolora,

come cammina un gatto per il tetto

nel lusso immenso di una esplorazione, adesso

che ogni giorno mi aspetta

la sconfinata lunghezza di una notte

dove non c’è richiamo e non c’è piú ragione

di spogliarsi in fretta per riposare dentro

l’accecante dolcezza di un corpo che mi aspetta,

adesso che il mattino non ha mai principio

e silenzioso mi lascia ai miei progetti

a tutte le cadenze della voce, adesso

vorrei improvvisamente la prigione.

 

in Patrizia Cavalli, Poesie (1974-1992), Einaudi, Torino, 1992.

 

Nestoutro poema que à frente traduzo, fala-nos Patrizia Cavalli da solidão acompanhada, tantas vezes presente numa relação cuja razão de ser desapareceu. O poema recorda-me irresistivelmente a canção de Patxi Andion, Aniversário, que em tempos trouxe ao blog.

 

Poema

 

Esta noite perfeita, esta hora tão doce,

o silêncio, e ninguém que perturbe

nesta casa exposta apenas ao mar e ao céu

na temperatura certa da carne,

eu sem carne aqui em frente a ti

enquanto me aborreço e enquanto tu te aborreces e crês

que quebrar o silêncio quebra o tédio

que em vez disso, cada palavra aumenta. E agora?

Entediar-se sozinho talvez seja um luxo,

mas entediar-se em duo é desespero

— não é tédio que plácido resida,

mas activamente trabalha no meu sangue

e me faz fraca e débil, me extingue.

 

Tradução do italiano por Carlos Mendonça Lopes 

 

Poema original

 

Questa notte perfetta, questa ora così dolce,

il silenzio, e nessuno che disturbi

in questa casa esposta solo al mare e al cielo

nella temperatura giusta della carne,

io senza carne qui di fronte a te

mentre mi annoio e mentre tu ti annoi e credi

che rompere il silenzio rompa la noia

che invece ogni parola accresce. E adesso?

Annoiarsi da soli forse è un lusso,

ma annoiarsi in due è disperazione

— non è noia che placida risieda,

ma attivamente lavora nel mio sangue

e mi fa scarsa e debole, mi estingue.

 

in Patrizia Cavalli, Datura, Einaudi, Torino, 2013.

 

 

Abrem e fecham o artigo as imagens de duas pinturas de Edward Hopper (1882-1967), Sol matinal e Hotel junto a uma estação de comboios, ambas de 1952. A primeira pertence à colecção do Columbus Museum of Art, a segunda ao Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Smithsonian Institution, ambos nos EUA.