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Sir Thomas Lawrence - Maguerite,_Countess_of_BlessingtonÀ publicação da 1ªedicão de Campo de Flores de João de Deus (1830-96) por Teófilo Braga (1943-1924) em 1893, dita completa, autêntica e definitiva, seguiu-se um coro de protestos sobre diversos aspectos da edição, nomeadamente por esta alterar versos de forma arbitraria, e também por deixar de fora inúmeras poesias comprovadamente de João de Deus. Uma critica especialmente detalhada e publicada em opúsculo, deveu-se a Trindade Coelho e Alfredo da Cunha.

É nesse opúsculo que encontro este Resposta a propósito de uma Noite de Amores antes publicado por João de Deus e incluído na edição de Campo de Flores.

A resposta foi dada a uma senhora que repreendeu em verso o poeta por aquele seu poema. Não conheço a repreensão poética, mas Noite de Amores e Resposta aqui ficam.

Resposta

À minha bela incógnita inimiga

Eu, mistérios se os profano

Não são nunca de mulher:

Vivi sempre neste engano…

Morrerei, se Deus quiser.

 

Aquela noite de amores,

Aqueles lânguidos ais,

Aquele leito de flores

Foi um sonho e nada mais.

 

Foi um sonho e sonho aéreo

Como os sonhos sempre são;

Nem podia ser mistério

Dos mistérios… da paixão.

 

Se pensei num doce instante

Que ao luar, cândida flor

Dum perfume inebriante

Perfumava o meu amor…

 

Se pensei que um vão desejo

Com que à luz desabrochei,

Me expirava em fim num beijo…

Foi um sonho que sonhei.

 

Foi um sonho! E se eu morresse

Quando à luz do mundo vim;

Se eu uns olhos só tivesse

Que me dessem luz a mim;

 

Não dormia e já velava

Como outro tempo velei,

No bom tempo em que eu gozava

O que ainda nem sonhei!

 

Não faz mal que o pensamento

De quem Deus fadou tão mal

Fuja, em sonho num momento

Desta vida desleal!

 

Que o que a sorte desditosa

Soprou como sombra vã,

Colha em sombras uma rosa

Nos seus sonhos da manhã!

 

Que te custa que deixasse

Uma infeliz: — Fui feliz?

Que fiz eu que te ofendesse,

Que mal foi o que te fiz?

 

Quando a mão dum inocente

Quer a estrela que o seduz,

Ninguém há, tão inclemente,

Que no céu lhe apague a luz.

 

Ah! mulher! custa isso pouco!…

Se não faz mal a ninguém,

Deixa lá que um pobre louco

Sonhe… sonhos que não tem!

Maio de 1859.

Vamos então ler qual foi este sonho contado como Noite de amores.

Noite de amores

Mimosa noite de amores

Mimoso leito de flores

Mimosos, lânguidos ais!

Vergôntea débil ainda,

Tremia! Lua tão linda,

Lembra-me ainda… Jamais!

 

Aquela dália mimosa,

Aquele botão de rosa

Dos lábios dela… Senhor!

Murchavam; mas como a Lua,

Passava a nuvem: “Sou tua”!

Reverdeciam de amor!

 

E aquela estatua de neve

Como é que o fogo conteve

Que não a vi descoalhar?

Ondas de fogo, uma a uma,

Naquele peito de espuma

Eram as ondas do mar!

 

Como os seus olhos me olhavam,

Como nos meus se apagavam,

E se acendiam depois!

Como é que ali confundidas

Se não trocaram as vidas

E os corações de nós dois!

 

Mimosa noite de amores

Mimoso leito de flores

Mimosos, lânguidos ais!

Vergôntea débil ainda,

Tremia! Lua tão linda,

Lembra-me ainda… Jamais!