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Category Archives: A mulher imaginada

A prostituição na poesia (4) – 3 poemas no final século XIX

24 Terça-feira Maio 2011

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada

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Fontoura Xavier, Gonçalves Crespo, João Penha

A chegada do naturalismo à poesia na década de 70 do século XIX trouxe a prostituição como assunto poético. São muitos os poemas, de qualidade variada, a abordar o assunto. Mas são dois poetas naturais do Brasil, de entre o que conheço, quem, com enorme elegância trata a matéria em poesia.  São eles  Fontoura Xavier (1856-1922) no soneto Estudo Anatómico, à época publicado numa revista no Brasil e tornado famoso, e Gonçalves Crespo (1846-1883) com o poema Dulce.

Fontoura Xavier (1856-1922)


Estudo anatómico

Entrei no anfiteatro da ciência,

Atraído por mera fantasia,

E aprouve-me estudar anatomia,

Por dar um novo pasto à inteligência.

 

Discorria com toda a sapiência

O lente numa mesa onde jazia

Uma imóvel matéria, humida e fria,

A que outrora animara humana essência.

 

Fôra uma meretriz; o rosto belo

Pude timido olhá-lo com respeito

Por entre as negras ondas de cabelo.

 

A convite do lente, contrafeito,

Rasguei-a com a ponta do escalpelo

E não vi coração dentro do peito!

1876

Rima ABBA ABBA CDC DCD


Gonçalves Crespo (1846-1883)

Dulce

(Imitação)

Vi-a um dia na rua. Flutuante

Ao desdem lhe caía a loura trança;

Como a luz dum farol, essa criança

Levou-me atraz de si… triste bacante!

 

Era o seu nome Dulce. O povo rude

Apontava-a mofando, quando a via.

Docemente sorrindo, ela dizia:

“Tu sabes que te amei, santa virtude!”

 

Um dia a quis beijar; fugiu-me triste:

Dulce me chamam, disse, que amargura!

Este corpo que vês, é sanie impura,

Nem mais amargo fel  no mundo existe.

 

“Que torva história a minha! É breve, atende:

Por minha mãe, que a fome alucinava,

Lançada fui no abismo! Então amava…

Hoje sou Dulce, a lama que se vende…”

É verdade que João Penha (1839-1919)  no soneto Entre mundanas  não fica em desfavor no aplomb com que desenvolve a história e, por outro lado, mostra também ele, a mesma mestria na versificação.

João Penha (1839-1919)


Entre mundanas

– Filha das tristes ervas, nus os pés,

Andrajosa, mas bela de semblante,

Seduziu-me um devasso, um falso amante.

E nada tinha que perder aos dez.

 

Fui atriz e cantora de cafés,

Mas mudava, indecisa, a cada instante.

Depois, fui o que sou: mundana ovante,

Com trem montado, alto estadão, librés.

 

Mas tu que eras um anjo, um serafim!

És pois, de quem te queira! Que piedade!

E por quanto te dás? – por um sequim.

 

-por um sequim em plena mocidade!

De dia e noite uma tarefa assim!

Tu rebaixas a nossa dignidade!

 Rima ABBA ABBA CDC DCD

São três perspectivas afastadas sobre o fenómeno social da prostituição. Temos a indiferença distanciada de João Penha enquanto Fontoura Xavier nos dá a perspectiva do anatomista social imbuído da Alma Nova que parte da sua poesia revela. Por outro lado, Gonçalves Crespo, numa atenção à singularidade do humano, mostra-nos, com a delicadeza que a sua poesia contém, a tragédia associada tantas vezes, no passado como hoje, à prostituição feminina.

Evidentemente, o soneto Metempsicose de Antero de Quental composto na mesma época, é um caso à parte, constituindo na forma, na profundidade da ideia e desenvolvimento do assunto, uma obra-prima absoluta da poesia em lingua portuguesa e já detalhadamente abordado aqui no blog

AQUI

Tanto  a poesia de João Penha como de Gonçalves Crespo já foram alvo da atenção do blog e para esses artigos remeto o leitor.

João Penha   e  Gonçalves Crespo

A poesia de Foutoura Xavier aparece no blog pela primeira vez e talvez surja a  ocasião de a ela voltar.

Noticia bibliográfica

 Estudo anatómico  foi publicado em Opalas com edição definitiva e aumentada 1905

Dulce foi publicado em Miniaturas e nas Obras Completas do poeta na edição de 1897

 Entre mundanas foi publicado em Echos do Passado, 1912

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A ANA FLOR – Um poema Dadaísta de Kurt Schwitters

08 Terça-feira Mar 2011

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada, Poetas e Poemas

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Dada, Kurt Schwitters, Ursonate

A ANA FLOR

Ó tu, bem-amada dos meus vinte e sete sentidos, amo-te!

Tu teu tu a ti eu a ti tu a mim-Nós?

Isso (diga-se de passagem) não é daqui.

Quem és tu, inumerável fémea? Tu és – és tu? –

Há quem diga que deves ser – deixa-os dizer, os que não sabem

como o campanário está de pé.

Trazes um chapéu nos teus pés e andas com as

mãos, com as mãos é que tu andas.

Olá roupas vermelhas e tuas, justas em pregas brancas. Vermelha

te amo, Ana Flor, vermelha a ti amo – tu teu tu a ti eu a ti tu a mim –

Nós?

Isto (diga-se de passagem) pertence ao fogo frio.

Vermelha flor, vermelha Ana Flor, que diz a gente?

Tema de concurso:          1. Ana Flor tem um passarinho.

2. Ana Flor é vermelha.

3. De que cor é o passarinho?

Azul é a cor do teu cabelo louro.

Vermelho é o arrulho do teu pássaro verde.

Tu, simples rapariga com o vestido de todos os dias, tu querida verde

criatura, amo-te – tu teu tu a ti eu a ti tu a mim –

Nós?

Kurt Schwitters (1887 – 1948), artista plástico longo tempo esquecido, membro da vanguarda alemã de entre-guerras, embora não se encontrando incluido entre os fundadores do  movimento Dada em Berlim, participou no período de entre-guerras neste movimento ao lado dos protagonistas franceses Tristan Tzara e Hans Arp.

Autor de um dos exemplos pioneiros da poesia sonora, a sua Ursonate (1922-32) que executou e ampliou ao longo dos anos, pode ouvir-se neste site: AQUI

ou ouvida na leitura ao vivo de Jaap Blonk AQUI

Pioneiro na realização de Performance plásticas, foi o inventor das colagens em relevo e paralelamente à criação artística de colagens, produziu espaços interiores com características escultóricas de que o mais famoso terá sido o Merzbau, o qual consistiu na transformação de algumas divisões da casa da família em Hamburgo.

Em 1919 conheceu a fama enquanto artista plástico, e nesse mesmo ano publicou An Anna Blume – ou A Ana Flor como Jorge de Sena traduziu, a qual tradução escolhi para assinalar no blog o Dia da Mulher e assim dar alguma espécie de resposta aos visitantes, pois as pesquisas têm chovido nestes dias, em busca de poemas alusivos à mulher.

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As canções de Bilitis

24 Sexta-feira Set 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada

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Maria gabriela Llansol, Pierre Louys

Continuo com a biblioteca em grande parte encaixotada, o que cria as maiores dificuldades em alimentar esta conversa que nos entretém.

Regressado de férias, uma rotura na tubagem de água quente obrigou-me a empacotar à pressa os livros.

Passadas as obras e seus percalços, rearrumar os livros é tarefa de remontar bicicleta depois de desmanchada, sobram sempre peças, ou seja, sobram livros, ou o espaço encolheu.

Empurrados que estavam em várias camadas, tantas vezes arrumados por tamanhos para preencher qualquer espaço vazio, agora, ao retirá-los das caixas deu-me a veleidade de os dispor com critério e acessíveis. Consequência: a menos de metade das caixas esvaziadas tenho as estantes cheias e olho com impotência para as pilhas das que continuam fechadas cada vez que uma dúvida ou a verificação de um detalhe relacionado com o que queria escrever me faz ir à procura de um livro e deparo com aquele branco em colunas do chão ao tecto. A coisa não tem fim fácil à vista, e para alimentar o meu gozo de escrever para o blog e satisfazer a curiosidade dos visitantes, estreito o leque de ideias ao tamanho da informação acessível.

Hoje bem gostaria de envolver As Canções de Bilitis sobre que tenciono debruçar-me, com considerações a propósito de outras obras eróticas de Pierre Louys publicadas em português, mas não me posso fiar na memória para questões factuais, e os livros encontram-se prisioneiros das caixas brancas. Seria uma edição francesa ilustrada de Afrodite e uma recente tradução portuguesa da obra, seria o Manual de Civilidade para Meninas ilustrado de forma saborosa e original por Pedro Proença, seriam dois outros textos eróticos publicados pela Teorema há um ror de anos, de que não me recordo do título em português e eventualmente algum outro que agora à memória não me ocorre.

Temos, pois, que Les Chansons de Bilitis (1894) foram agora publicadas na integra pela Relógio D’Água em edição bilingue com tradução de Maria Gabriela Llansol, e o peregrino título de O Sexo de Ler de Bilitis.

Qual lésbica que timidamente se desnuda, no prefácio a tradutora pretende ensinar-nos a ler o que vem a seguir. No entanto parece ser dela que nos fala e de como o sexo a perturba “mas houve sempre outras – um rosto de que apenas se vê um olhar a olhar-nos no rectrovisor da sua beleza, dedos que seguram uma alça deslizante e que, a deslizar, desnudaria um seio firme de garça inocente, o estádio final das formas opulentas, outrora tão frágeis que nos vergavam ao seu desejo…” nesta deliberadamente hermética prefação com que faz acompanhar a sua excelente tradução.

Apresentados lado a lado o poema original à esquerda e a respectiva tradução à direita, podemos acompanhar e saborear as soluções encontradas e fruir, no enlevo de uma noite, o sabor do sexo de ler.

Começamos por acompanhar Bilitis e encontramos o seu retrato no poema XXXVIII

BILITIS

Uma mulher veste-se de lã branca. Outra

veste-se de seda e ouro. Uma outra cobre-se

de flores, de folhas verdes e de cachos d’uva.


Eu só sei viver nua. Meu amante, toma-me como sou:

sem roupas, jóias ou sandálias. Eis a tua Bilitis toda,

desmunida e só.


Meus cabelos são negros de seu negro, e meus lábios

carmins de seu carmim. Meus caracóis flutuam

à volta de mim, livres e redondos como penas.


Toma-me tal como minha mãe me fez, numa noite

de amor longínqua. E se te agradar como sou,

não te esqueças de mo dizer.



Na criança e adolescente que lemos crescer desde o inicio, encontramos mais tarde a presença do desejo naquele poema XLIV  A NOITE

…

... Aurora que despontas, ó nefasta claridade, já estás aí?

Em que covil eternamente nocturno, em que prado subterrâneo,

nos poderemos amar sem fim e perder, enfim,

a memória de que existe lá fora?


Também aqui amar é … perder a memória de que existe lá fora.

Três destes poemas foram musicados por Debussy e são uma obra-prima do reportório clássico. No entanto raramente se ouvem em concerto, o que não é difícil de perceber.

Imagine-se a austeridade de um piano de cauda num palco despojado, uma senhora vestida de gala em pé frente ao piano perante uma plateia as mais das vezes snob e empertigada, a certa altura cantar … entrares em mim como o meu sonho.

Não é qualquer cantora que se atreve, conhecido que é o contexto do desejo manifestado. Daí que quem gosta destas canções fique remetido ao disco onde, diga-se, as interpretação também não abundam.

Levado pela leitura dos poemas fui-me às prateleiras dos discos à procura das canções, sempre uma pequeníssima parte dos programas gravados. Sabia que a minha adorada Cathy Berberian tinha a coragem de incluir nos seus recitais, a maior parte das vezes, estas canções, e na verdade encontrei-as num recital de 1975 e noutro de 1980. Ambos quase sem alterações interpretativas a menos da voz um pouco gasta em 1980. Em pouco mais de 8 minutos são emoção pura concentrada, de resto como tudo o que esta fabulosa voz cantava.

Musa da Beat Genetration e da Pop Art nova-iorquina de finais dos anos 60, foi campeã das vanguardas musicais da época, tanto na musica nova como na musica antiga que então se redescobria com novas e “autenticas” práticas interpretativas, e onde deu voz às heroinas de Monteverdi, então quase desconhecidas e hoje tão familiares.

Ouvi-lhe a voz pela primeira vez na rádio a cantar uma Sequenza de Berio, com quem foi casada, suponho, e que lhe foi dedicada. Tenho hoje ainda presente a estupefacção da minha reacção ao passar ao lado do rádio, ouvir, e ficar parado, de pé, enquanto durou. Regressei aos seus discos agora com o encanto maravilhado de outrora.

Mas voltemos a Bilitis.

Os acontecimentos sucedem-se à medida que avançamos no livro  Pouco depois do desejo manifestado acima, temos um encontro de conselhos no poema L:


OS CONSELHOS

Então Syllikmas entrou e, vendo-nos tão à vontade,

sentou-se num banco. Sentou Glótis num dos seus joelhos,

e Kisé, no outro. Disse:


“Chega aqui, pequena.” Mas eu, se longe estava, longe fiquei.

Ela insistiu: “tens medo de nós? Aproxima-te:

estas duas adoram-te. Ensinar-te-ão o que ignoras.

o mel das caricias de uma mulher.


O homem é violento e preguiçoso.

Não é coisa que ignores, certamente. Odeia-o.

Tem o peito achatado, a pele áspera, os cabelos rapados,

os braços peludos. As mulheres, pelo contrário,

são belas dos pés à cabeça.


Só as mulheres sabem amar. Fica connosco,

Bilitis, não te vás embora. E, se tiveres uma alma intensa,

verás, como num espelho, tua beleza projectada

no corpo das que te amarem”.


A aprendizagem da vida pelo sexo prossegue até ao Último epitáfio (poema CLVIII), eu suspendo aqui o passeio.

P.S. Os poemas postos em musica por Debussy foram os nºs XXX, XXXI e XLVI.

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AMAR OU ODIAR – Poesias de Fausto Guedes Teixeira

27 Sábado Mar 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada, Poetas e Poemas

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Fausto Guedes Teixeira, João Gaspar Simões

AMAR OU ODIAR

Amar ou odiar: ou tudo ou nada!

O meio termo é que não pode ser

A alma tem d’estar sobressaltada

P’ra o nosso barro se sentir viver.

 

Não é uma cruz a que não for pesada,

Metade dum prazer não é um prazer;

E quem quiser a alma sossegada

Fuja do mundo e deixe-se morrer.

 

Vive-se tanto mais quanto se sente;

Todo o valor está no que sofremos…

Que nenhum homem seja indiferente!

 

Amemos muito, como odiamos já:

A verdade está sempre nos extremos,

Porque é no sentimento que ela está.

 

Recusando as nuances do compromisso neste soneto da paixão como absoluto da vida, o poeta afirma mesmo – O meio termo é que não pode ser .

Fulgor de quem a vive, cego a valores e conveniências, a paixão é devastadora nas suas consequências logo que a vida impõe o cinzento dos compromissos.

Esta é uma poesia incompatível com o nosso tempo. Tempo onde o frémito da paixão está ausente e apenas um fugidio bem estar afectivo é o valor a perseguir.

 

Poeta do amor, não deste ou daquele amor, desta ou daquela mulher, mas do sentimento amoroso em si, poeta de um amor que a si próprio se ama, como o descreve a certa altura João Gaspar Simões num pequeno estudo que lhe dedica na sua “Perspectiva Histórica da Poesia Portuguesa”.

E diz mais, “Fausto Guedes Teixeira é o poeta que depois de 1900 mantém as melhores tradições [da] lira sentimental, gemente a toda a hora entre nós…”.

A propósito da forma na poesia de Fausto Guedes Teixeira refere mais à frente “ Persuadido de que o sentimento vale mais que a arte, os seus versos, moles e frouxos nas composições longas de varios metros – … – ganham rigor na intensidade do soneto.”

Ainda segundo João Gaspar Simões, foi Fausto Guedes Teixeira “quem recriou esse modelo métrico onde o sentimento entra, em doses maciças, mas pautado ao mesmo tempo pelo rigor da forma que obriga a quem se abeira do soneto.”.

 

Vejamos esta mestria no manuseio do soneto em dois estereótipos de mulher:

 

ESBOÇO

Negro o cabelo, a fronte iluminada,

O nariz curvo, a boca pequenina,

Nos olhos escuríssimos cravada

Uma estrela no fundo da retina.

 

Nas faces uma rosa desmaiada

E outra rosa nos lábios purpurina,

Seus pequeninos pés os duma fada

E o seu corpo um corpinho de menina.

 

Todos os traços cheios de expressão,

Nas mãos um fogo estranho que lhas beija,

Porque eu lhe puz nas mãos o coração.

 

Eis o esboço rápido daquela

Que, sempre que na vida alguém a veja,

Nunca mais vê ninguém senão a ela!

 

Aqui desenha-se um universal, motivo de paixão, ao afirmar: Que, sempre que na vida alguém a veja, / Nunca mais vê ninguém senão a ela!.

 

A seguir, no próximo soneto, PARA TODO SEMPRE, dá-nos o poeta a explicação do que acontece “sempre que na vida a mulher sente / Que se enganou e aceita outra paixão,”

 

Quando se chega a ver nitidamente

O erro duma primeira ligação,

É muito natural que toda a gente

Se dê um dia a outro coração.

 

Mas sempre que na vida a mulher sente

Que se enganou e aceita outra paixão,

Então, ou a conserva eternamente

Ou ela pensa que não tem perdão.

 

E é por esse motivo que, ao segundo

Amor, ela se prende como cega,

Sem com mais nada se importar no mundo.

 

É que a mulher, feliz ou desgraçada,

Não se perde na hora em que se entrega,

Mas na hora em que for abandonada.

 

Depois deste coloquial soneto, onde o sempre, tal como no soneto anterior, garante o absoluto da ideia afirmada, não podia deixar de ilustrar como o sexo, sempre por detrás de tanta paixão, se mostra timidamente na poesia de Fausto Guedes Teixeira, “Tomando a forma duma labareda.”:

FOGO DO CÉU

O que mais amo nesta criatura

E que apaixonadamente me traz

Não é a sua grande formosura,

Mas a paixão de que a julguei capaz.

 

Com tanta duração como ternura

E tão fiel como o supus tenaz,

Dar-me-ia esse amor toda a ventura

Em que hoje creio e não achei p’ra trás.

 

Quando consigo por acaso vê-la

Vendo os seus braços, lembro o seu abraço.

Vendo-lhe a boca, sonho os beijos dela.

 

E, enquanto a vida só prazeres segreda,

Seu lindo corpo some-se no espaço

Tomando a forma duma labareda.

 

Noticia bibliográfica

Os sonetos transcritos, com ortografia modernizada, foram retirados de Sonêtos d’Amôr, de Fausto Guedes Teixeira, publicados em 1ª edição, em 1922,  por EDIÇÕES LUSITANIA .

Novas Perspectivas da Poesia Portuguesa (Século XX) de João Gaspar Simões foi publicado em 1ªedição em 1976 por Brasília Editora, nas Obras Completas do Autor.

 

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Um poema de Dom Manuel de Portugal

18 Quinta-feira Mar 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada, Poesia Antiga

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Camões, Dom Manuel Portugal

A perfeição, a graça, o suave geito,

A primavera cheia de frescura

Que sempre em vós florece, a quem Ventura

E a Razão entregaram este peito;

 

Aquelle cristalino e puro aspeito

Que em si comprende toda a fermosura;

O resplendor dos olhos, e a brandura

De que Amor a ninguem quis ter respeito

 

Se isto, que em vós se vê, ver desejaes

Como digno de ser visto somente,

Por mais que vós de amor vos isentaes

 

Traduzido o vereis tam fielmente

No meio d’este peito onde estaes

Que, vendo-vos, sintaes o que elle sente.

 

Contemporâneo de Camões, a quem sobreviveu mais de 20 anos, é curta a obra que de Dom Manuel de Portugal (c. 1516 – 1606) se conhece.

Neste retrato de mulher, a delicadeza e o quase pudor da descrição comove pela perfeição, pela graça e pelo suave geito, tal como o poeta define a mulher a quem o dedica.

É um segredo da poesia portuguesa de meados de quinhentos, esta suavidade de linguagem em que as palavras transmitem todo o resplendor do que os olhos vêem associando delicadeza de imagens e profundidade de sentimento.

Na transcrição do poema conservei a ortografia adoptada por Carolina Michaelis de Vasconcellos na sua escolha das “Cem Melhores Poesias (Líricas) da Lingua Portuguesa”, onde o conheci.

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Piadoxos + 1 poema depois do Dia da Mulher

10 Quarta-feira Mar 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada, Erótica

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André Brun, Judith Teixeira

Contemporanea, publicada nos anos 20 do século XX, foi uma revista com um compromisso entre continuidade e inovação no contexto dos valores do tempo. Aí publicou Almada Negreiros em separata do seu nº7,  em Janeiro de 1923, o poema fundador do Modernismo Português, “A Scena do Odio”.

No seu conjunto, os 9 números publicados sem grandes hiatos entre Maio de 1922 e Março de 1923, contêm um repositório da imagem da mulher naqueles anos vinte, entre o mais conservador convencionalismo e alguns registos de escandalosa carnalidade.

Entre um e outro extremo, retiro do nº7 de Contemporanea estas máximas, de alguma forma espelho mental de uma época, assinadas por André Brun:

A superioridade do velho Deus sobre os homens – ou, pelo menos, a sua absoluta serenidade – provem de que tem sabido conservar-se solteiro. Os simples deuses cairam porque eram, como nós, uns femieiros.

As coisas deste mundo estão mal organizadas. Para que a vida fosse realmente interessante os homens deviam nascer aos trinta anos e as mulheres morrer aos vinte e cinco.

Há olhos velhacos de mulher, que levam o tempo a prometer o que sabem muito bem que o resto do corpo não está em condições de cumprir.

Diferente na perspectiva e coexistindo na mesma revista, aqui vai  um poema da poetisa maldita Judith Teixeira publicado desta vez no número de Natal de 1922:

O Meu Chinez

Nos olhos de sêda

traçados em viez

tem um ar tão sensual

o meu Chinez…


Vive sobre uma almofada

De setim bordada,

Pintado a côres.

Ás vezes

numa ansia inquieta

que eu não mitigo,

e que me domina

num sonho de poeta

ou de heroina,

fujo levando

o meu Chinez comigo!


E lá vamos!

Nem eu sei

para que alcovas orientais,

em paizes distantes,

realisar

as horas sensuaes,

as horas delirantes

com que eu sonhei…

…………………………….

Eu e o meu Chinez

temos fugido tanta, tanta vez!


Nota: conservei a ortografia da edição original na revista Contemporanea

À época, a afirmação poética do desejo sensual por parte de uma mulher fez escândalo e tem garantido à autora o silencio editorial até hoje. Podem procurar-se com lupa, e não se encontram, edições das obras dela.

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A prostituição na poesia (3) – BE MY LOVE

30 Sábado Jan 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada, Crónicas

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João Sampayo

Não te adoro porque não existes.

Ah!… Se eu pudesse amar-te, adorar-te.

Se eu pudesse ter-te nos meus braços,

abraçar-te, beijar-te, embriagadoramente!…


BE MY LOVE!

diz a musica que ressoa nos meus ouvidos.

Dentro de mim.

Nos meus dedos, nos meus cabelos.

Que faz vibrar todo o meu corpo.

Que não cala.

Que me absorve.

Que me dilui.


BE MY LOVE!


Ah! Como fazes vibrar toda a minha alma!

Como despertas em mim um sentimento banido, recalcado.

Como me incutes amor, sem eu estar apaixonado!…


Be my love e fica sempre ao pé de mim.

Nunca me abandones.

Nada mais tenho do que beijos para te dar…


Meu amor, como não te tenho, porque não existes,

sê a minha musica.

Be my love!

Nunca me abandones!…  Ou então parte

definitivamente.

Be my love uma vez e sempre!


Nós não somos deste mundo, os dois.

Transcendemos há muito o Transcendente.


Odeio-te pelo amor que te tenho.

Não te adoro porque não existes.


Be my love! Para ficarmos tristes

de ser felizes.

………………………………………………………………………………………………………………………………………………..


Une o teu corpo ao meu.

Sim!… TU!


Oferece-me a felicidade roxa de um momento que se compra como umas meias de seda artificial.

Supõe que me amas.

Esquece o teu lucro material.

Be my love. Apaga a luz.

…………………………………………………………………………………………………………………………………….


BE MY LOVE!…

……………………………………………………………………………………………………………………………………


Toma o teu dinheiro.

Obrigado pelo amor que me deste.

Obrigado por essa hora divinamente torpe,

em que te vendeste.

Be my love outra noite… Outra vez!

E perdoa!…


Amo-te porque não posso amar-te.

Mas não te odeio por desejar-te.

Não fiques triste!…

Aquela que eu verdadeiramente amo,

não existe.


Amo o ar livre, o sol, a lua, as estrelas,

os cais desertos,

as silhuetas e o fumo dos vapores ao longe.

Amo a dor das despedidas, os ultimos adeuses,

As lágrimas mal contidas.


O meu amor é isto e aquilo que eu não digo, mas sinto.

Que senti desfalecer dentro de mim quando ouvi cantar:


BE MY LOVE!


Quando descobri que adorava ainda aquela que eu verdadeiramente amo,

mas que não existe.

Não fiques triste!…


SÊ O MEU AMOR SINTÉTICO!


Be my love outra noite… Outra vez!

Amor sintético chama-lhe o poeta.


É na verdade um grito de amor na impossibilidade de ter a quem se ama, negando-lhe a existência repetidamente ao longo do poema: aquela que eu verdadeiramente amo não existe.

Na impossibilidade do amor correspondido, a carne não cala o desejo e procura o corpo disponível:

Une o teu corpo ao meu / Oferece-me a felicidade roxa de um momento que se compra como umas meias de seda artificial. /  Supõe que me amas

Mas lá vem, inevitável, a culpa de comprar o amor, com um insulto na forma de obrigado:  Obrigado por essa hora divinamente torpe, /  em que te vendeste.

É tramado isto do sexo a dinheiro.

Nos anos 50, quando o poema foi composto, o comércio do sexo, revestia para os homens, contornos que hoje temos dificuldade em imaginar.

Mais à frente no poema, temos a revelação de que o poeta continua a amar alguém e afoga no amor sintético a impaciência que o corpo não cala:

“O meu amor é isto e aquilo que eu não digo, mas sinto. / Quando descobri que adorava ainda aquela que eu verdadeiramente amo”.


Belíssimo poema da desolação afectiva, de um autor de quem nada sei. Histórias e dicionários de literatura passam em silêncio sobre o seu nome.

Assina João Sampayo, e publicou este livro  POEMAS SEM ÍNDICE em 1954, provavelmente em edição de autor, identificando o editor como João Fantasma.

Esta foi uma daquelas deslumbrantes descobertas de alfarrabista.

O livro, concebido como uma unidade, divide-se em 7 + 1 partes. Cada parte abre com um desenho, original suponho. Todos os desenhos vem assinados, e alguns por nomes maiores das artes plásticas portuguesas.

A abrir o livro este poema:

No princípio não era Nada porque nada

não tem princípio

Nada não tem fim

Nem nada se criou


No sétimo dia Deus descansou

e começou

por perder tempo

e seguem-se as diferentes partes:

ERA UMA VEZ  – abre com desenho de Pedro Felix Correia

AMOR SINTÉTICO  – abre com desenho de Diogo Lino Pimentel

NEO-SEBASTIANISMO – abre com desenho de José Escada

ETERNO TEMA – abre com desenho de Manuel Cargaleiro

INTERVALO MUSICAL – abre com desenho de José M. Torre do Valle

ÚLTIMA CARTA – abre com desenho de Sebastião Guimarães

INTERRUPÇÃO INOPORTUNA – abre com desenho de Manuel d’Abreu Lima

POST-PANNE – abre com desenho de António Areal


À parte a surpresa maravilhada dos poemas, o livro traz ainda um poema manuscrito como dedicatória.

Não fora os poemas, pela data de edição do livro, se encontrarem sujeitos a copyright, dá-los-ia aqui em fac-simile na totalidade.

Se por um daqueles imponderáveis, que acontecem, algum leitor tiver noticias sobre o autor, aqui fica o pedido de que as transmita.

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A prostituição na poesia (2) – Ardentes filhas do prazer, dizei-me!

29 Sexta-feira Jan 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada

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Antero de Quental, Camões

METEMPSICOSE

Ardentes filhas do prazer, dizei-me!

Vossos sonhos quais são, depois da orgia?

Acaso nunca a imagem fugidia

Do que foste em vós se agita e freme?


Noutra vida e outra esfera, aonde geme

Outro vento, e se acende um outro dia,

Que corpo tínheis? Que matéria fria

Vossa alma incendiou, com fogo estreme?


Vós fostes, nas florestas, bravas feras,

Arrastando, leoas ou panteras,

De dentadas de amor um corpo exangue…


Mordei pois esta carne palpitante,

Feras feitas de gaze flutuante…

Lobas! Leoas! Sim, bebei meu sangue!

Sem que o comércio venal seja explicitamente referido, há um amor despido de sentimento neste soneto de Antero de Quental (1842-1891) que permite supor as  Ardentes filhas do prazer como as damas de aluguer de Camões, aqui vistas como devoradoras fêmeas selvagens, lobas ou leoas, bravas feras arrastando… de dentadas de amor um corpo exangue, ainda que vestidas com o requinte da gaze flutuante de alcova.

O poeta recusa-lhes origem humana, daí chamar ao soneto METEMPSICOSE, transmigração da alma de um corpo para outro.

E o nosso autor pergunta Que corpo tinheis? depois de já se ter interrogado: Noutra vida, noutra esfera, que matéria fria vossa alma incendiou, com fogo estreme?

Deixadas as perguntas, ao homem que o poeta é, apenas o desejo e a orgia importa, e grita:

Mordei esta carne palpitante, bebei meu sangue!

Acalmada a carne, surge o intelecto e a reflexão, e com eles o poema e a interrogação a abrir: Ardentes filhas do prazer, dizei-me! Vossos sonhos quais são.

Não direi que estamos perante a velha história do cliente inexperiente que, depois de satisfeito, se interessa pela vida da prostituta enquanto pessoa, num rebate sincero de simpatia humana. Direi antes que estamos perante a perplexidade eterna da razão face à força da carne para fazer valer os seus direitos.

Força essa transmitida no poema por vocábulos como feras, dentadas, exangue, sangue, num resultado poético global em que a precisão da forma se alia à concisão do soneto, sem paralelo na poesia portuguesa.


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A prostituição na poesia (1)

28 Quinta-feira Jan 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada

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Afonso Lopes Vieira, Camões

Damas de aluguer lhes chamou Camões numa carta que, entre outras coisas, dava conta do ambiente de baixa boémia na Lisboa de meados do séc.XVI.

Baixa boémia, a expressão não é minha mas de Hernâni Cidade, quando comenta parte da carta onde se lê:

…

Quanto é ao que toca a estoutras damas de aluguer, há muito que escrever delas. Alguns dirão que, como quer que nestas não há aí mais que pagar e andar, não pode haver engano. Neste jogo digo que é ao contrário, porque vereis estar um rosto que é a castidade de Lucrécia luxuriosa, uma tez de alabastro, uns olhos de mordifuge, um nariz de manteiga crua, uma boca de pucarinho de Estremoz; mas o pueri, latet… (*)

Muito haveria que conversar sobre esta e as outras cartas do poeta, mas, por agora, ela é apenas o pretexto directo de uma poesia de Afonso Lopes Vieira:

Damas de Aluguer

Damas de aluguer

são remédio santo

para o que ama tanto

a quem o não quere.

Deixe o seu cuidado

a pobre alma terna,

ame na taberna

do Malcozinhado!


Ao sol que aí faz

rebrilhem seus nomes:

a Chiquita Gomes

mais a Antónia Brás.

Damas de má nota,

que a Glória vos queira:

Maria Caldeira,

Beatriz da Mota.


Forte espadachim

das vielas de Alfama,

com essa má fama

mais te admiro em mim.

Parecem amargos

os fados beninos,

mas versos divinos

não querem os cargos.


Nem no paço estrelas,

nem em Ceuta as mouras

Como estas senhoras

lhe parecem belas.

Ah! Se amado fosse!

Mas assim só quere

ninfas de água doce,

damas de aluguer.

O amor à venda que atravessa sociedades urbanas histórica e geograficamente, não podia ser indiferente à poesia.


E na poesia portuguesa, desde tempos tão recuados como as primeiras cantigas de escárnio e maldizer, até bem entrado o séc. XX, o sexo a contado se faz presente.

Da prostituta ao cliente, a poesia capta modos de ver e de sentir num leque diversificado em que o homem se vê a si na impotência do amor.

Desse percurso imaginado iremos deixando alguns picos de notável realização poética.

Notícia bibliográfica.

O poema Damas de Aluguer de Afonso Lopes Vieira (1878-1946) foi publicado em 1940 no livro Onde a terra se acaba [e o mar começa. Todo o poema é uma referência directa ao conteúdo da carta de Camões e vem inserido num grupo de poesias “NO SIGNO DE CAMÕES” constituindo-se como uma homenagem singular ao poeta.

O extracto da carta de Camões (152? – 1580) e nota, pertence à Carta III na forma publicada por Hernâni Cidade na edição das Obras Completas de Luís de Camões editadas pela Livraria Sá da Costa em 1946.

(*)pueri, latet… querendo significar que, sob tão formosas aparências, se oculta algo de perigoso.


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A mulher grávida — poema de Jaime Cortesão

13 Quarta-feira Jan 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada, Convite à fotografia

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carlos mendonça lopes, Jaime Cortesão

“Pesa um silencio d’alto sobre o mundo” e o poeta submisso ao milagre da vida, ergue-nos esta mulher símbolo, sem forma, sem beleza outra que ser a maravilha da origem do mundo

A mulher grávida

Eu sou a mulher pejada.

Minha boca apetecida,

Com outra boca colada,

Deu beijos para dar Vida.

 

Em mim é santo o Desejo,

É santo por ser fecundo:

Puz toda a alma num beijo,

E fui a origem do mundo.

 

Olhai: caminho por entre

Todo o povo sem receio,

Pois trago um filho no ventre

E uma fonte em cada seio.

 

Quem sentir vida tam alta

Não se furte, não a esconda;

Vêde-a … em meu ventre se exalta,

Sobe toda numa onda.

 

Um filho todas as vezes,

Que é de mãe enternecida,

Trá-lo o ventre nove meses

E o coração toda a vida.

 

Que imenso poder eu tenho

– Dar vida por ser o amor;

Não há poeta tamanho,

Nem génio mais criador!

 

E por meu ventre sagrado

Vou falar: escutai bem.

Fala o verbo revelado

No meu instinto de mãe.

 

Eu vejo para além da vista,

Ouço pra além dos ouvidos:

Oh! Que terra nunca vista,

Que heróis jamais concebidos!

 

Ouço em mim vozes estranhas,

A minha Alma deita luz …

Trago nas minhas entranhas

Outro menino Jesus.

 

Meu Filho amostra-me a face,

Faze-te Aurora nascida,

Embora a luz me queimasse,

Inda que eu perdesse a Vida.

 

Sou o Céu da Madrugada,

A minha carne anda em brilho;

Sinto-me ébria de Alvorada

Rompe o Sol: nasce o meu filho!

O poema é de Jaime Cortesão (1884 – 1960) e foi publicado em 1914 no livro Glória Humilde.

A poesia de Jaime Cortesão ressuma uma sensualidade embrulhada por vezes numa aura mística ligando o sexo ao transcendente da condição humana.

Em Glória Humilde há um esforço de aproximação e ligação à natureza, onde se procura dar a ver o carácter sagrado dos gestos essenciais da vida. Mas é sobretudo no livro Divina Voluptuosidade fazendo supor ao leitor a eternidade no paraíso como uma espécie de orgasmo perpétuo, que chegamos ao carácter sagrado do sexo, de alguma forma aflorado neste canto à gravidez enquanto origem do mundo.

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