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A perfeição, a graça, o suave geito,
A primavera cheia de frescura
Que sempre em vós florece, a quem Ventura
E a Razão entregaram este peito;
Aquelle cristalino e puro aspeito
Que em si comprende toda a fermosura;
O resplendor dos olhos, e a brandura
De que Amor a ninguem quis ter respeito
Se isto, que em vós se vê, ver desejaes
Como digno de ser visto somente,
Por mais que vós de amor vos isentaes
Traduzido o vereis tam fielmente
No meio d’este peito onde estaes
Que, vendo-vos, sintaes o que elle sente.
Contemporâneo de Camões, a quem sobreviveu mais de 20 anos, é curta a obra que de Dom Manuel de Portugal (c. 1516 – 1606) se conhece.
Neste retrato de mulher, a delicadeza e o quase pudor da descrição comove pela perfeição, pela graça e pelo suave geito, tal como o poeta define a mulher a quem o dedica.
É um segredo da poesia portuguesa de meados de quinhentos, esta suavidade de linguagem em que as palavras transmitem todo o resplendor do que os olhos vêem associando delicadeza de imagens e profundidade de sentimento.
Na transcrição do poema conservei a ortografia adoptada por Carolina Michaelis de Vasconcellos na sua escolha das “Cem Melhores Poesias (Líricas) da Lingua Portuguesa”, onde o conheci.