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Outono enfermiço (doente) de Guillaume Apollinaire

17 Quarta-feira Out 2012

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Guillaume Apollinaire, Maria gabriela Llansol

 

Os livros têm destes acasos...
O Outono mostrou-se hoje em Lisboa, quando já vai avançado no calendário. Para entreter a chuva que caía tirando-me a vontade de sair, procurei um policial como remédio.
Nem todas as traduções de policiais são legíveis, algumas há que precisamos largar à segunda página, e por isso vasculhei por um qualquer título em tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, laboriosa tradutora a quem devo largas horas de prazer de leitura em português, graças a traduções escorreitas e tanto quanto possível, fieis ao original. Calhou encontrar um livro com epígrafe do Wozzeck (Alban Berg), coisa assaz rara, que me espevitou a curiosidade.
Termina o livro com um poema de Guillaume Apollinaire (1880-1918), Automne malade, perfeitamente adequado ao dia e por isso o transcrevo numa tradução da poetisa Maria Gabriela Llansol (1931-2008).

Outono mortiço e adorado
Morrerás quando o furacão soprar nos rosais
Quando nos vergéis
Tiver nevado

Pobre outono
Morres em brancura e em riqueza
De neve e de frutos maduros
No fundo do céu
Planam gaviões
Sobre os nixes ingénuos e anões de cabelos verdes
Que nunca amaram

Nas orlas de lá longe
Os veados bramiram

Oh! estação não sabes quanto gosto dos teus rumores
Os frutos caindo sem serem apanhados
O vento e a floresta que choram folha a folha
Todas as suas lágrimas no outono

As folhas
Que pisam
Um comboio
Que passa
A vida
Que se vai

Perante esta tradução vale a pena conhecer o original, e para os leitores que dominem o francês, aqui fica:

Automne malade

Automne malade et adoré
Tu mourras quand l’ouragan soufflera dans les roseraies
Quand il aura neigé
Dans les vergers

Pauvre automne
Meurs en blancheur et en richesse
De neige et de fruits mûrs
Au fond du ciel
Des épreviers planent
Sur les nixes nicettes au cheveux verts et naines
Qui n’ont jamais aimé

Aux lisières lointaines
Les cerfs ont bramé

Et que j’aime ô saison que j’aime tes rumeurs
Les fruits tombant sans qu’on les cueille
Le vent et la forêt qui pleurent
Toutes leurs larmes en automne feuile à feuille

Les feuilles
Qu’on foule
Un train
Qui roule
La vie
S’écoule

O poema de Llansol é quase um novo poema, e as subis alterações acabam por criar em português uma magia nova que o francês talvez nem tenha. Apenas um exemplo:

Aux lisières lointaines  /  Nas orlas de lá longe

A tradução de Fernanda Pinto Rodrigues no policial (Tsing-Boum de Nicolas Freeling) é fragmentada, pois limita-se a traduzir o que do poema o romance contém. No entanto, como é tão mais fiel em português, aqui a arquivo.

Para o exemplo citado atrás, traduz Fernanda Pinto Rodrigues:

Aux lisières lointaines  / Nos bosques longínquos

o que mostra eloquentemente a diferença entre traduzir e escrever poesia em tradução, parece-me.

Vejamos então a tradução próxima do literal:

Outono doente e adorado
Morrerás quando a borrasca soprar nos roseirais
Quando tiver nevado
Nos pomares

Pobre Outono
Morres em brancura e opulência
De neve e frutos maduros…
Alto no céu
Pairam gaviões
…

Nos bosques longínquos
Os cervos bramaram…

Como eu amo, ó estação, como amo os teus rumores
Os frutos a cair sem serem colhidos
O vento e a floresta a chorar
Todas as lágrimas no Outono, folha a folha
…

Noticia bibliográfica

A tradução de Maria Gabriela Llansol e transcrição do original do poema encontram-se em MAIS NOVEMBRO QUE SETEMBRO, edição bilingue de poemas de Guillaume Apollinaire publicado por Relógio d’Água, Lisboa 2001

A tradução de Fernanda Pinto Rodrigues encontra-se em Herança de um Inferno, nº289 da colecção Vampiro, Livros do Brasil, Lisboa, s/d.

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A Primavera segundo Rilke

18 Quarta-feira Abr 2012

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Maria gabriela Llansol, Rainer Maria Rilke

Para esta Primavera que tarda, resolvi-me à transcrição de um belo poema de Rainer Maria Rilke (1875-1926), escrito em francês e traduzido por Maria Gabriela Llansol.

PRIMAVERA

I

Ó seiva das ramagens

de todas as árvores, ergue-se

a tua melodia,

acompanhando o canto

da nossa voz demasiado breve.

 

A diversidade das figuras

do teu antiquissimo abandono é tal

que só, durante umas breves medidas,

ó fecunda natureza,

te conseguimos acompanhar.

 

Quando a nossa voz se calar,

outras virão…

Mas, neste momento, que hei-de eu fazer,

para te fazer chegar o meu imenso

coração que te completa?

 

II

Tudo se prepara para mostrar

a alegria que esplende;

a terra, e tudo o mais, a postos

para nos deslumbrar. Brevemente.

 

Estamos no melhor lugar

para tudo olhar e entender;

teremos mesmo que dizer “basta” –

e fazer recuar o encantamento.

 

Se, ao menos, estivéssemos no seu âmago envolvente!

O excelente lugar, que é o nosso,

está ligeiramente demasiado exposto

a esse jogo tão comovente.é um facto.

 

III

A seiva sobe nos capilares

e, sem prevenir, mostra aos velhos

o ano íngreme que não hão-de escalar

e que, dentro deles, iça as velas para a partida.

 

O corpo (magoado por este rompante

da natureza bruta, que desconhece

que essas artérias, onde ela ainda ferve,

suportam mal um capitão impaciente)

 

nega-se a tão inesperada aventura;

e enquanto para sobreviver se contrai,

desconfiado, o corpo facilita à terra dura

o seu biscate de morte.

 

IV

É a seiva que dá cabo

dos velhos e dos hesitantes

quando de súbito, flutua nas ruas

um nada malsão que corrói a atmosfera.

 

Todos esses que já não têm força

para erguer no céu as asas

são convidados ao divórcio

que os confunde com o pó da terra.

 

É a doçura que os abre

com a sua suprema ponta afiada,

e, aos que ainda resistem, um afago sobrevém

para os deitar ao nada.

 

V

Para que serviria a doçura

se não fosse capaz,

terna e inefável,

de nos causar pânico?

 

Está tão para além

de qualquer violencia

que, quando se solta,

ninguém lhe apara o golpe.

 

VI

No inverno, a morte homicida

entra pelas casas adentro,

à procura da irmã, à procura do pai,

para os enfeitar de violino.

 

Mas quando a terra se agita

sob a enxada da Primavera,

é plas ruas que ela anda,

a dizer “olá” a quem passa.

 

VII

É da costela de Adão

que Eva foi tirada;

mas, quando a sua vida se acaba,

para onde vai ela, moribunda?

 

Adão será a sua tumba?

Será preciso, quando está cansada,

arranjar um lugar, só para ela,

num homem impermeável?

Profunda reflexão sobre a brevidade da vida em contraste com a imperturbável perenidade da natureza,

I

…

C’est pendant quelques mesures

seulement que nous suivons

les multiples figures

de ton long abandon,

ô abondante nature,

 

Quand il faudra nous taire,

d’autres continueront…

Mais à présent comment faire

pour te rendre mon

grand coeur complémentaire?

é também da morte que nos fala, sobretudo nas três quadras de III, e ainda nesta belíssima forma de referir a visita da morte: leur joue du violon.

VI

En hiver, la morte meurtrière

entre dans les maisions;

elle cherche la soeu, le père,

et leur joue du violon.

Temos ainda em IV e V uma ambivalência na doçura que salva para a vida, ou conduz à morte:

sont invités au divorce  / qui à la terre les mêle.

Termina o poema com a enigmática interrogação do destino do homem e da mulher:

C‘est de la côte d’Adam

qu’on a retiré Ève;

mais quand sa vie s’achève,

oú va-t-elle, mourant?

 

Adam serait-il son tombeau?

Faut-il, lorsqu’elle se lasse,

lui ménager une place

dans un homme bien clos?

Passando com a maior leveza do trivial ao transcendente, a leitura da poesia de Rilke introduz-nos no mistério da palavra, estimulando no leitor a busca da multiplicidade de sentidos envolvidos no dizer poético.

Nota

O poema encontra-se no livro FRUTOS E APONTAMENTOS, tradução livre por Maria Gabriela Llansol, dos poemas de Rainer Maria Rilke escritos em francês.

É uma edição Relógio d’Água, 1996.

Optei por acompanhar os curtos comentários ao poema com o original francês para que, pelo menos os leitores que dominam a língua, tenham a percepção das, por vezes controversas, opções da tradutora.

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As canções de Bilitis

24 Sexta-feira Set 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada

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Maria gabriela Llansol, Pierre Louys

Continuo com a biblioteca em grande parte encaixotada, o que cria as maiores dificuldades em alimentar esta conversa que nos entretém.

Regressado de férias, uma rotura na tubagem de água quente obrigou-me a empacotar à pressa os livros.

Passadas as obras e seus percalços, rearrumar os livros é tarefa de remontar bicicleta depois de desmanchada, sobram sempre peças, ou seja, sobram livros, ou o espaço encolheu.

Empurrados que estavam em várias camadas, tantas vezes arrumados por tamanhos para preencher qualquer espaço vazio, agora, ao retirá-los das caixas deu-me a veleidade de os dispor com critério e acessíveis. Consequência: a menos de metade das caixas esvaziadas tenho as estantes cheias e olho com impotência para as pilhas das que continuam fechadas cada vez que uma dúvida ou a verificação de um detalhe relacionado com o que queria escrever me faz ir à procura de um livro e deparo com aquele branco em colunas do chão ao tecto. A coisa não tem fim fácil à vista, e para alimentar o meu gozo de escrever para o blog e satisfazer a curiosidade dos visitantes, estreito o leque de ideias ao tamanho da informação acessível.

Hoje bem gostaria de envolver As Canções de Bilitis sobre que tenciono debruçar-me, com considerações a propósito de outras obras eróticas de Pierre Louys publicadas em português, mas não me posso fiar na memória para questões factuais, e os livros encontram-se prisioneiros das caixas brancas. Seria uma edição francesa ilustrada de Afrodite e uma recente tradução portuguesa da obra, seria o Manual de Civilidade para Meninas ilustrado de forma saborosa e original por Pedro Proença, seriam dois outros textos eróticos publicados pela Teorema há um ror de anos, de que não me recordo do título em português e eventualmente algum outro que agora à memória não me ocorre.

Temos, pois, que Les Chansons de Bilitis (1894) foram agora publicadas na integra pela Relógio D’Água em edição bilingue com tradução de Maria Gabriela Llansol, e o peregrino título de O Sexo de Ler de Bilitis.

Qual lésbica que timidamente se desnuda, no prefácio a tradutora pretende ensinar-nos a ler o que vem a seguir. No entanto parece ser dela que nos fala e de como o sexo a perturba “mas houve sempre outras – um rosto de que apenas se vê um olhar a olhar-nos no rectrovisor da sua beleza, dedos que seguram uma alça deslizante e que, a deslizar, desnudaria um seio firme de garça inocente, o estádio final das formas opulentas, outrora tão frágeis que nos vergavam ao seu desejo…” nesta deliberadamente hermética prefação com que faz acompanhar a sua excelente tradução.

Apresentados lado a lado o poema original à esquerda e a respectiva tradução à direita, podemos acompanhar e saborear as soluções encontradas e fruir, no enlevo de uma noite, o sabor do sexo de ler.

Começamos por acompanhar Bilitis e encontramos o seu retrato no poema XXXVIII

BILITIS

Uma mulher veste-se de lã branca. Outra

veste-se de seda e ouro. Uma outra cobre-se

de flores, de folhas verdes e de cachos d’uva.


Eu só sei viver nua. Meu amante, toma-me como sou:

sem roupas, jóias ou sandálias. Eis a tua Bilitis toda,

desmunida e só.


Meus cabelos são negros de seu negro, e meus lábios

carmins de seu carmim. Meus caracóis flutuam

à volta de mim, livres e redondos como penas.


Toma-me tal como minha mãe me fez, numa noite

de amor longínqua. E se te agradar como sou,

não te esqueças de mo dizer.



Na criança e adolescente que lemos crescer desde o inicio, encontramos mais tarde a presença do desejo naquele poema XLIV  A NOITE

…

... Aurora que despontas, ó nefasta claridade, já estás aí?

Em que covil eternamente nocturno, em que prado subterrâneo,

nos poderemos amar sem fim e perder, enfim,

a memória de que existe lá fora?


Também aqui amar é … perder a memória de que existe lá fora.

Três destes poemas foram musicados por Debussy e são uma obra-prima do reportório clássico. No entanto raramente se ouvem em concerto, o que não é difícil de perceber.

Imagine-se a austeridade de um piano de cauda num palco despojado, uma senhora vestida de gala em pé frente ao piano perante uma plateia as mais das vezes snob e empertigada, a certa altura cantar … entrares em mim como o meu sonho.

Não é qualquer cantora que se atreve, conhecido que é o contexto do desejo manifestado. Daí que quem gosta destas canções fique remetido ao disco onde, diga-se, as interpretação também não abundam.

Levado pela leitura dos poemas fui-me às prateleiras dos discos à procura das canções, sempre uma pequeníssima parte dos programas gravados. Sabia que a minha adorada Cathy Berberian tinha a coragem de incluir nos seus recitais, a maior parte das vezes, estas canções, e na verdade encontrei-as num recital de 1975 e noutro de 1980. Ambos quase sem alterações interpretativas a menos da voz um pouco gasta em 1980. Em pouco mais de 8 minutos são emoção pura concentrada, de resto como tudo o que esta fabulosa voz cantava.

Musa da Beat Genetration e da Pop Art nova-iorquina de finais dos anos 60, foi campeã das vanguardas musicais da época, tanto na musica nova como na musica antiga que então se redescobria com novas e “autenticas” práticas interpretativas, e onde deu voz às heroinas de Monteverdi, então quase desconhecidas e hoje tão familiares.

Ouvi-lhe a voz pela primeira vez na rádio a cantar uma Sequenza de Berio, com quem foi casada, suponho, e que lhe foi dedicada. Tenho hoje ainda presente a estupefacção da minha reacção ao passar ao lado do rádio, ouvir, e ficar parado, de pé, enquanto durou. Regressei aos seus discos agora com o encanto maravilhado de outrora.

Mas voltemos a Bilitis.

Os acontecimentos sucedem-se à medida que avançamos no livro  Pouco depois do desejo manifestado acima, temos um encontro de conselhos no poema L:


OS CONSELHOS

Então Syllikmas entrou e, vendo-nos tão à vontade,

sentou-se num banco. Sentou Glótis num dos seus joelhos,

e Kisé, no outro. Disse:


“Chega aqui, pequena.” Mas eu, se longe estava, longe fiquei.

Ela insistiu: “tens medo de nós? Aproxima-te:

estas duas adoram-te. Ensinar-te-ão o que ignoras.

o mel das caricias de uma mulher.


O homem é violento e preguiçoso.

Não é coisa que ignores, certamente. Odeia-o.

Tem o peito achatado, a pele áspera, os cabelos rapados,

os braços peludos. As mulheres, pelo contrário,

são belas dos pés à cabeça.


Só as mulheres sabem amar. Fica connosco,

Bilitis, não te vás embora. E, se tiveres uma alma intensa,

verás, como num espelho, tua beleza projectada

no corpo das que te amarem”.


A aprendizagem da vida pelo sexo prossegue até ao Último epitáfio (poema CLVIII), eu suspendo aqui o passeio.

P.S. Os poemas postos em musica por Debussy foram os nºs XXX, XXXI e XLVI.

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