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Tag Archives: Guillaume Apollinaire

A vaselina, um epigrama de Apollinaire

25 Domingo Ago 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Francesa

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Guillaume Apollinaire

Surpreendi-me um destes dias com um anúncio de televisão a publicitar um lubrificante íntimo dando voz ao que a experiência mostra e tantas vezes é causa de insucesso: a conveniência ocasional de lubrificação quando do acto sexual, e a sua necessidade obvia a partir de certa idade. 

Lubrificantes e o rodar dos tempos levam-me a um epigrama de Apollinaire (1880-1918), A vaselina, que hoje transcrevo em versão de José Paulo Paes.

Retrata o poema uma situação de solicitude frequente de farmacêutico para cliente. O cliente no poema tentou prevenir-se e evitar a eventualidade do recurso à margarina, socorro dos protagonistas no filme O Último Tango em Paris, como talvez algum leitor relembre.

O diálogo captado no poema transporta-me a memória para uma experiência sobre o embaraço farmacêutico perante compras associadas à actividade sexual.

Os tempos nem sempre foram de tanta franqueza pública no que a estas matérias respeita, e se a venda de preservativos está espalhada por todo o lado, na minha juventude era exclusiva de farmácias. E a sua compra motivo de embaraço por vezes. Tendo sentido desconforto com uns preservativos certa vez comprados, fui à farmácia procurar o que me pudesse servir melhor. Chegada a minha vez, fui atendido pela farmacêutica, senhora de alguma idade. Eu, um jovem, e não exactamente embaraçado, perguntei que outros preservativos havia, pois os últimos que ali comprara não me serviam. Corou, pigarreou, abriu uma gaveta, fechou, voltou costas e foi para o interior da farmácia. Voltou o empregado e solicito perguntou-me qual era o problema. Expliquei-lhe com detalhe, Procurou outro fabricante e vendeu-me. Não fiquei muito melhor servido, mas, aparentemente, era o que havia. Felizmente mais tarde a oferta variou e há algum tempo, deparei com uma promoção no supermercado de um tipo que me é especialmente confortável. Peguei nalgumas embalagens e, chegado à caixa, a funcionária, jovem desembaraçada e prazenteira, ao ver as embalagens virou-se para mim e perguntou:

— Onde é a festa? Também posso ir?

— Está desde já convidada, respondi-lhe.

E com o relato deste desembaraço de hoje regresso à farmácia. Desta vez à do poema, com a solicitude do farmacêutico e a impaciência do cliente.

 

A Vaselina

 

Praça da Ópera: por uma farmácia a dentro

Entra um senhor bem-posto feito um pé-de-vento:

“ Estou com pressa”, diz. “Eu quero vaselina.”

Gentil, o boticário indaga o cliente

             Impaciente

          A que uso se destina

          O graxo ingrediente:

“Se for para o rosto, é melhor levar fina…

              Qual?

               Que tal

                     Este artigo

           Que o senhor, sem perigo,

                 Pode usar no rosto?

Eu por mim recomendo sempre a boricada.”

E o cliente, a bufar: “Mas que papagaiada!

Pouco me importa qual, pois é para enrabar!”

 

 

Poema original

 

La vaseline

 

Chez un pharmacien, place de l’Opéra,

Un monsieur fort bien mis en coup de vent entra:

“Vite, dit-il, donnez-moi de la vaseline!”

Le potard, empressé, demande à ce client

           Impatient

        A quel us il destine

        Le gras ingrédient:

“Est-ce pour le visage? Il en faut de la fine…

          En voici

       De ci

       Pure

    Que sur votre figure

  Sans danger vous pouvez l’étaler…

J’en ai de boriquée… et je la recommande…”

Le client, trépignant, répond: “Belle demande!

Je m’en fous bougrement, car c’est pour enculer!”

 

in Poesia Erótica em tradução, Selecção, tradução, introdução e notas de José Paulo Paes, Companhia das Letras, São Paulo, 1993.

 

 

Abre o artigo a imagem de um velho anúncio à vaselina. A cada leitor deixo a associação entre a metalinguagem no anúncio, o texto do artigo, e o assunto do poema.

 

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Poemas sobre gatos — Appolinaire e Szymborska

02 Terça-feira Abr 2019

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Guillaume Apollinaire, Wislawa Szymborska

Não tenho animais de estimação e espanta-me sempre um pouco verificar as transferências afectivas que as pessoas fazem para os seus bichos. É um universo emocional que me é estranho e aceito sem julgar. De entre estes animais domésticos são gatos o que mais surge na poesia, sobretudo dando conta do seu comportamento voluntarioso e independente. As relações de afecto com os seus donos, se para os cães são comuns, com os gatos manifestam-se de forma talvez mais desprendida.

São disso testemunho indirecto dois poemas que a seguir transcrevo. De Guillaume Apollinaire (1880-1918), O Gato, do qual se lerão duas versões; depois, de Wislawa Szymborska (1923-2013), Gato em apartamento vazio. Dão conta os poemas de atmosferas de domesticidade onde o gato se integra. Revelam o convívio com o animal de estimação que traduz um sereno entendimento da sua presença no quotidiano humano.

Em Apollinaire lemos um quadro de desejo doméstico com mulher, gato, livros, e amigos:

 

O Gato

Na minha casa desejo ter
Uma mulher que imponha a sua razão
Um gato passeando por entre os livros
E porque sem eles não posso viver
Amigos seja qual for a estação

in Assinar a Pele — antologia de poesia contemporânea sobre gatos
(organização de João Luís Barreto Guimarães)

 

Poema original

Le chat

Je souhaite dans ma maison :
Une femme ayant sa raison,
Un chat passant parmi les livres,
Des amis en toute saison
Sans lesquels je ne peux pas vivre

in Le Bestiaire ou Cortège d’Orphée

 

e agora uma versão mais perto da letra do original:

O Gato

Desejo ter em minha casa:
Uma mulher no seu juízo,
Um gato passeando-se entre livros,
Amigos para o que der e vier
Porque sem eles não sei viver.

Tradução de Maria Gabriela Llansol,
in Mais Novembro que Setembro, Relógio d’Água Editores, Lisboa, 2001.

 

No poema de Wislawa Szymborska, Gato em apartamento vazio, conta-se a perplexidade da perda, no universo do gato, quando a morte altera as rotinas que dão o sentido dos dias:

 

Gato em apartamento vazio

Morrer — isso não se faz ao gato.
Pois que há-de um gato fazer
num apartamento vazio.
Ir arranhando as paredes.
Roçar-se por entre os móveis.
Por aqui nada mudou
mas está mais que mudado.
As coisas estão nos sítios,
mas os sítios outro são.
E nem se acende a luz pela noitinha.

Ouvem-se passos na escada,
todavia, não os tais.
A mão que põe no pratinho o peixe
também não é a que antes punha.

Algo aqui não acontece
às horas que acontecia.
Há algo aqui que não corre
como devia correr.
Alguém aqui esteve, esteve,
e agora teima em não estar.

Vasculhados todos os armários.
Percorridas todas as prateleiras.
Uma vez verificado o chão sob a alcatifa.
Contra todas as proibições até,
espalhados os papéis.
Que é que fica ainda por fazer.
Dormir e esperar.

Tradução de Júlio Sousa Gomes
in Paisagem com grão de areia, Relógio d’Água Editores, Lisboa, 1998.

Exemplar ilustração de como tudo muda com a morte quando parece nada ter mudado olhando a imobilidade das coisas.

O gato da fotografia surpreendi-o certa tarde, junto ao mar, a olhar para mim enquanto fotografava. Aos especialistas deixo a interpretação desse olhar.

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Outono enfermiço (doente) de Guillaume Apollinaire

17 Quarta-feira Out 2012

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Guillaume Apollinaire, Maria gabriela Llansol

 

Os livros têm destes acasos...
O Outono mostrou-se hoje em Lisboa, quando já vai avançado no calendário. Para entreter a chuva que caía tirando-me a vontade de sair, procurei um policial como remédio.
Nem todas as traduções de policiais são legíveis, algumas há que precisamos largar à segunda página, e por isso vasculhei por um qualquer título em tradução de Fernanda Pinto Rodrigues, laboriosa tradutora a quem devo largas horas de prazer de leitura em português, graças a traduções escorreitas e tanto quanto possível, fieis ao original. Calhou encontrar um livro com epígrafe do Wozzeck (Alban Berg), coisa assaz rara, que me espevitou a curiosidade.
Termina o livro com um poema de Guillaume Apollinaire (1880-1918), Automne malade, perfeitamente adequado ao dia e por isso o transcrevo numa tradução da poetisa Maria Gabriela Llansol (1931-2008).

Outono mortiço e adorado
Morrerás quando o furacão soprar nos rosais
Quando nos vergéis
Tiver nevado

Pobre outono
Morres em brancura e em riqueza
De neve e de frutos maduros
No fundo do céu
Planam gaviões
Sobre os nixes ingénuos e anões de cabelos verdes
Que nunca amaram

Nas orlas de lá longe
Os veados bramiram

Oh! estação não sabes quanto gosto dos teus rumores
Os frutos caindo sem serem apanhados
O vento e a floresta que choram folha a folha
Todas as suas lágrimas no outono

As folhas
Que pisam
Um comboio
Que passa
A vida
Que se vai

Perante esta tradução vale a pena conhecer o original, e para os leitores que dominem o francês, aqui fica:

Automne malade

Automne malade et adoré
Tu mourras quand l’ouragan soufflera dans les roseraies
Quand il aura neigé
Dans les vergers

Pauvre automne
Meurs en blancheur et en richesse
De neige et de fruits mûrs
Au fond du ciel
Des épreviers planent
Sur les nixes nicettes au cheveux verts et naines
Qui n’ont jamais aimé

Aux lisières lointaines
Les cerfs ont bramé

Et que j’aime ô saison que j’aime tes rumeurs
Les fruits tombant sans qu’on les cueille
Le vent et la forêt qui pleurent
Toutes leurs larmes en automne feuile à feuille

Les feuilles
Qu’on foule
Un train
Qui roule
La vie
S’écoule

O poema de Llansol é quase um novo poema, e as subis alterações acabam por criar em português uma magia nova que o francês talvez nem tenha. Apenas um exemplo:

Aux lisières lointaines  /  Nas orlas de lá longe

A tradução de Fernanda Pinto Rodrigues no policial (Tsing-Boum de Nicolas Freeling) é fragmentada, pois limita-se a traduzir o que do poema o romance contém. No entanto, como é tão mais fiel em português, aqui a arquivo.

Para o exemplo citado atrás, traduz Fernanda Pinto Rodrigues:

Aux lisières lointaines  / Nos bosques longínquos

o que mostra eloquentemente a diferença entre traduzir e escrever poesia em tradução, parece-me.

Vejamos então a tradução próxima do literal:

Outono doente e adorado
Morrerás quando a borrasca soprar nos roseirais
Quando tiver nevado
Nos pomares

Pobre Outono
Morres em brancura e opulência
De neve e frutos maduros…
Alto no céu
Pairam gaviões
…

Nos bosques longínquos
Os cervos bramaram…

Como eu amo, ó estação, como amo os teus rumores
Os frutos a cair sem serem colhidos
O vento e a floresta a chorar
Todas as lágrimas no Outono, folha a folha
…

Noticia bibliográfica

A tradução de Maria Gabriela Llansol e transcrição do original do poema encontram-se em MAIS NOVEMBRO QUE SETEMBRO, edição bilingue de poemas de Guillaume Apollinaire publicado por Relógio d’Água, Lisboa 2001

A tradução de Fernanda Pinto Rodrigues encontra-se em Herança de um Inferno, nº289 da colecção Vampiro, Livros do Brasil, Lisboa, s/d.

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