• Autor
  • O Blog

vicio da poesia

Tag Archives: Rainer Maria Rilke

Dia de Outono — O poema de Rainer Maria Rilke

16 Domingo Dez 2018

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Rainer Maria Rilke

Rainer Maria Rilke (1875-1926) dá-nos no poema Herbsttag, Dia de Outono, o pretexto para a reflexão sobre o caminho do crepúsculo, não o do ciclo das estações com a sua esperança de eterno retorno, mas o da vida, fazendo meditar no doce/amargo da plenitude vivida e da solidão do fim. Longa a vida, apenas o é quando surge o cansaço dela:

Senhor: é tempo. Foi muito grande o verão.
Nos relógios de sol estira as tuas sombras,
deixa que pelo prado os ventos vão.
…

E mesmo assim, ainda é tempo para o desejo de gozar dos frutos apetecidos:
…
Manda aos últimos frutos a espessura,
dá-lhes do sul ainda mais dois dias,
força a plenitude neles, vê se envias
ao vinho forte a última doçura.
…

Apenas a solidão dá pretexto ao desalento:
…
Quem não tem casa agora, já não constrói nenhuma,
quem agora está só, vai ficar só, sombrio,
perder o sono, ler, escrever cartas a fio,
e a um ir e vir inquieto nas áleas se acostuma,
vagueando enquanto as folhas lá vão num rodopio.

Transcrevo a seguir a admirável versão portuguesa do poema por Vasco Graça Moura que acima citei em fragmentos. Completo-a com duas outras versões: uma por Paulo Quintela, outra por Maria João Costa Pereira trazida da sua tradução de O Livro das Imagens, a que o poema pertence. No final incluo o poema original.

Dia de Outono

Senhor: é tempo. Foi muito grande o verão.
Nos relógios de sol estira as tuas sombras,
deixa que pelo prado os ventos vão.

Manda aos últimos frutos a espessura,
dá-lhes do sul ainda mais dois dias,
força a plenitude neles, vê se envias
ao vinho forte a última doçura.

Quem não tem casa agora, já não constrói nenhuma,
quem agora está só, vai ficar só, sombrio,
perder o sono, ler, escrever cartas a fio,
e a um ir e vir inquieto nas áleas se acostuma,
vagueando enquanto as folhas lá vão num rodopio.

Tradução de Vasco Graça Moura
in Rainer Maria Rilke, Elegias de Duíno, Os Sonetos a Orfeu, Bertrand Editora, Lisboa, 2007.

Dia de Outono

Senhor: é tempo. O Verão foi muito longo.
Lança a tua sombra sobre os relógios de sol
e solta os ventos sobre as campinas.
Manda que os últimos frutos se arredondem;
dá-lhes inda dois dias mais meridionais,
leva-os à perfeição e faze entrar
a última doçura no vinho pesado.

Quem agora não tem casa, já não vai construí-la.
Quem agora está só, longo tempo o será.
Fará vigílias, e lerá, escreverá longas cartas
e vagueará, de cá para lá, nas alamedas,
agitado, quando o vento arrasta as folhas.

Tradução de Paulo Quintela,
in Rainer Maria Rilke, Poemas, As Elegias de Duíno, Sonetos a Orfeu, Porto, 2001.

Dia de Outono

Senhor: é tempo. O Verão foi muito longo.
Lança a tua sombra sobre os relógios de sol
e solta os ventos sobre os campos.

Ordena aos últimos frutos que amadureçam;
dá-lhes ainda dois dias meridionais,
apressa-os para a plenitude e verte
a última doçura no vinho pesado.

Quem agora não tem casa, já não vai construí-la.
Quem agora está só, assim ficará por muito tempo,
velará, lerá, escreverá longas cartas
e vagueará inquieto pelas alamedas acima e abaixo,
quando caírem as folhas.

Tradução de Maria João Costa Pereira,
in Rainer Maria Rilke, O Livro das Imagens, Relógio d’Água, Lisboa, 2005.

Poema original

Herbsttag

Herr: es ist Zeit. Der Sommer war sehr gross.
Leg deinen Schatten auf die Sonnenuhren,
und auf den Fluren lass die Winde los.
 
Befiehl den letzten Früchten voll zu sein;
gib ihnen noch zwei südlichere Tage,
dränge sie zur Vollendung hin und jage
die letzte Süsse in den schweren Wein.
 
Wer jetzt kein Haus hat, baut sich keines mehr.
Wer jetzt allein ist, wird es lange bleiben,
wird wachen, lesen, lange Briefe schreiben
und wird in den Alleen hin und her
unruhig wandern, wenn die Blätter treiben.

Abre o artigo a imagem de uma minha pintura digital de 2004.
Carlos Mendonça Lopes

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Rainer Maria Rilke — Assim a pintaram…

03 Quarta-feira Maio 2017

Posted by viciodapoesia in Crónicas

≈ 2 comentários

Etiquetas

Pietro Cavallini, Rainer Maria Rilke

Deslumbrado por este mosaico representando a Virgem Maria, sentindo o mistério de seu enigmático sorriso, digo com Rainer Maria Rilke (1875-1926): Assim a pintaram; sobretudo alguém, / que do sol a saudade trazia.

Na economia do seu geométrico desenho se plasma o mistério de alguém que tendo sido humano se acredita como divino.

Aproximando uma verosimilhança realista ao humano, dando a ver um igual que é diferente, é a essência do ser no seu poder de comunicar a serena paz da fé para além do incomensurável sofrimento que a imagem nos transmite.

 

 

Assim a pintaram; sobretudo alguém,
que do sol a saudade trazia.
Nele de todos os enigmas mais pura amadurecia,
mas do sofrimento cada vez mais se fez refém:
toda a sua vida foi como alguém que lágrimas vertia,
a quem o choro às mãos parar ia.

Ele é o mais belo véu do seu penar,
que se ajusta a seus lábios de cores magoadas,
e sobre eles quase em sorriso se vem a transformar…
e pela luz de sete velas por Anjos levadas
o seu segredo não se deixa desvendar.

 

 

in O Livro de Horas, tradução e apresentação de Maria Teresa Dias Furtado, Assírio & Alvim, Lisboa, 2009.

 

 

A imagem que abre o artigo mostra o detalhe de um mosaico na igreja de Santa Maria in Trastevere, em Roma, construída no século. XII. Os mosaicos são posteriores, (1296-1300) e atribuído o seu desenho a Pietro Cavallini.

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Que fazes tu, poeta? Diz! — Eu canto. Poema de Rainer Maria Rilke

04 Sexta-feira Set 2015

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Jorge de Sena, Rainer Maria Rilke

Miniatura persa 38 1600-10Que fazes tu, poeta? Diz! — Eu canto.

Mas o mortal e monstruoso espanto

Como o suportas? — Canto.

 

Vivo num quotidiano de conforto sem luxos, entregue sempre que possível aos prazeres do espírito. Olho o que me rodeia na intimidade, e revejo os vestígios que guardam a memória do que foi uma vida.

É neste ambiente que surgem as imagens diárias da tragédia das multidões que chegam, quando chegam, às portas do paraíso que não as quer receber.

Gente que aparentemente perdeu, ou deixou para trás, tudo o que ao longo da vida gostou, possuiu, e com a roupa que traz no corpo, a sós, ou com os filhos nos braços, fugiu na barca do paraíso(?), que apenas por misericórdia não se transforma na barca do inferno ao fazer a viagem que os trará às portas deste universo sonhado, onde, com sorte, encontrarão um muro de arame farpado e uma ajuda de sobrevivência.

De que vida é preciso querer fugir para que, não importem os perigos do caminho, mesmo eventualmente a morte, a fuga seja melhor? Não sabemos! Nem as notícias nos dizem. Apenas ouvimos falar de números: tu ficas com tantos, eu não quero nenhuns, eu só aceito loiros (é uma força de expressão), e por aí fora.

Na terra de onde partiram, que se passa? Quem é responsável? Como espera o mundo que o êxodo acabe: quando não restar lá ninguém vivo?

Perguntas a que não sei responder nem aos próceres do mundo parecem preocupar. Entretanto,  os vivos que chegam, com o que trazem na cabeça e a marca indelével de uma experiência terrível, são, com as mortes, tão só a macabra estatística que todos os dias nos relatam. Até quando?

A epígrafe com que abro o artigo é o início de um poema de Rainer Maria Rilke (1875-1926) que a seguir transcrevo em tradução de Jorge de Sena.

Poema de confronto entre a vida e a poesia, deixa por resolver o que todos os dias sentimos como irresolúvel: onde cabe na vida a poesia?

“O SAGE, DICHTER…”

 

Que fazes tu, poeta? Diz! — Eu canto.

Mas o mortal e monstruoso espanto

Como o suportas? — Canto.

E o que nome não tem, tu podes tanto

Que o possas nomear, poeta? — Canto.

De onde te vem o direito ao Vero, enquanto

Usas de máscaras, roupagens? — Canto.

E o que é violento e o que é silente encanto,

Astros e temporais, como te sabem? — Canto.

 

in Poesia do Século XX, Antologia, prefácio e notas de Jorge de Sena, Fora do Texto, Coimbra, 1994.

 

Poema original

 

O sage, Dichter, was du tust?

— Ich rühme.

 

Aber das Tödliche und Ungetüme,

wie hältst du’s aus, wie nimmst du’s hin?

— Ich rühme.

 

Aber das Namenlose, Anonyme,

wie rufst du’s, Dichter, dennoch an?

— Ich rühme.

 

Woher dein Recht, in jeglichem Kostüme,

in jeder Maske wahr zu sein?

— Ich rühme.

 

Und daß das Stille und das Ungestüme

wie Stern und Sturm dich kennen?

— weil ich rühme.

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Momentos de Paixão — alguns poemas de Rainer Maria Rilke

13 Quinta-feira Jun 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poetas e Poemas

≈ 2 comentários

Etiquetas

Picasso, Rainer Maria Rilke

Man and Nude Woman - 1967-3A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, tal como o puro olhar ou a pura sensação com que um fruto se derrete na língua — é uma grande e infindável experiência que nos é proporcionada, um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria.
Das cartas a um jovem poeta, 16 de Julho de 1903.

Abro com esta citação de Rainer Maria Rilke (1875-1926), fresca e verdadeira nos seus 110 anos, que nos diz tão só:

A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, … um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria.

Demora a humanidade a interiorizar esta verdade, enrolada em tabus e interditos, e apenas os artistas, na sua superior e antecipada compreensão do mundo, a vão transmitindo.

Untitled-56

Venho hoje com alguns belos poemas de Rilke onde o esplendor desta sabedoria se mostra e a volúpia lida com o absoluto da paixão.

Como eu te chamei! Apelos que ninguém ouvia
e que se dulcificaram em mim.
Agora, degrau a degrau penetro em ti
e o meu sémen sobe, de infantil alegria.
Ó montanha primeva do prazer!
Já sobe à tua íntima crista arfante,
já se aproxima. Entrega-te e sente
como te afundas se ele em cima acenar.

Untitled-27a

Não conheces torres, tu que feneces.
Mas vais descobrir uma agora
no fabuloso espaço que aflora
em ti. Fecha, como numa prece,
o rosto. Foste tu a levantá-la
sem dares por olhares e acenos de mão.
De súbito, é a plena perfeição,
e eu, homem feliz, posso habitá-la.
Ah, lá dentro é como um abraço!
Leva-me à cúpula com os teus afagos:
a ver se em tuas noites mansas lanço
com o ímpeto que põe ventres em fogo
mais sentimentos do que eu próprio alcanço.

Untitled-1a

Oh, não me eleves!
Quem sabe se me ergo.
Levanta apenas ao de leve o rosto
Para que, chovendo eu,
Quase te pareçam ser lágrimas tuas.

Se te assolar a minha tempestade,
coloca-te, direita, frente ao meu vento;
fecha as pálpebras ao meu sopro,
fica cega
desse simples ver-me.

Untitled-42a

Penso desnecessário clarificar no prosaico do vocabulário coloquial a intensa volúpia que escorre desta linguagem poética falando do esplendor do acto amoroso em variada fruição,

Termino com este precioso registo do sortilégio erótico que a escrita pode ter:

Ao escrever-te, saltou seiva
da máscula flor
que à minha humanidade
parece fértil e enigmática.

Sentirás tu, ao leres-me,
distante terna, a doçura
que no feminil cálice
espontânea corre?

Acompanham o artigo imagens da obra erótica da última fase de Picasso. Termino esta espécie de música com Mulher tocando bandolim, pintura de Picasso de 1909, dos primórdios do cubismo e grosso modo contemporânea destes poemas.

Picasso - Mulher tocando bandolim 1909Noticia bibliográfica

O fragmento da carta e os poemas foram transcritos do livro Momentos de Paixão, bela edição de Relógio D’Água Editores, com desenhos de Rodin, poesia e prosa de Rilke, em traduções de João Barrento, José Miranda Justo e Isabel Castro e Silva, Lisboa, 2004.

 

 

 

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Sobre a solidão – dois poemas de Rainer Maria Rilke

08 Quarta-feira Maio 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

≈ 1 Comentário

Etiquetas

Manet, Rainer Maria Rilke

Manet 05Quando o corpo exulta, vale a pena lembrar quão precária e difícil é essa harmonia de entendimento entre dois seres.

Manet 04O quotidiano é para a maioria da humanidade adulta, um deserto de intimidade de afectos, a espaços preenchido com o fulgor do encontro. No que resta, sucedem-se vazios afectivos onde a solidão de que nos falam estes poemas de Rainer Maria Rilke (1875-1926), se instala, tanto no sonho do solitário no primeiro poema, como nos corpos que nada encontraram do segundo.

PARA RECITAR ANTES DE ADORMECER

Eu queria cantar para dentro de alguém,
sentar-me junto de alguém e estar aí.
Eu queria embalar-te e cantar-te mansamente
e acompanhar-te ao despertares e ao adormeceres.
Queria ser o único na casa
a saber: a noite estava fria.
E queria escutar dentro e fora
de ti, do mundo, da floresta.
Os relógios chamam-se anunciando as horas
e vê-se o fundo o tempo.
E em baixo ainda passa um estranho
e acirra um cão desconhecido.
Depois regressa o silêncio. Os meus olhos,
muito abertos, pousaram em ti;
e prendem-te docemente e libertam-te
quando algo se move na escuridão.

Manet 03

SOLIDÃO

A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.

Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:

então, a solidão vai com os rios…

Manet 02

Os poemas constam de O Livro das Imagens, e transcrevi traduções de Maria João Costa Pereira, em publicação de Relógio d’Água Editores, Lisboa, 2005.

Acompanham o artigo pinturas de Edouard Manet (1832-1883).

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

A Primavera segundo Rilke

18 Quarta-feira Abr 2012

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Maria gabriela Llansol, Rainer Maria Rilke

Para esta Primavera que tarda, resolvi-me à transcrição de um belo poema de Rainer Maria Rilke (1875-1926), escrito em francês e traduzido por Maria Gabriela Llansol.

PRIMAVERA

I

Ó seiva das ramagens

de todas as árvores, ergue-se

a tua melodia,

acompanhando o canto

da nossa voz demasiado breve.

 

A diversidade das figuras

do teu antiquissimo abandono é tal

que só, durante umas breves medidas,

ó fecunda natureza,

te conseguimos acompanhar.

 

Quando a nossa voz se calar,

outras virão…

Mas, neste momento, que hei-de eu fazer,

para te fazer chegar o meu imenso

coração que te completa?

 

II

Tudo se prepara para mostrar

a alegria que esplende;

a terra, e tudo o mais, a postos

para nos deslumbrar. Brevemente.

 

Estamos no melhor lugar

para tudo olhar e entender;

teremos mesmo que dizer “basta” –

e fazer recuar o encantamento.

 

Se, ao menos, estivéssemos no seu âmago envolvente!

O excelente lugar, que é o nosso,

está ligeiramente demasiado exposto

a esse jogo tão comovente.é um facto.

 

III

A seiva sobe nos capilares

e, sem prevenir, mostra aos velhos

o ano íngreme que não hão-de escalar

e que, dentro deles, iça as velas para a partida.

 

O corpo (magoado por este rompante

da natureza bruta, que desconhece

que essas artérias, onde ela ainda ferve,

suportam mal um capitão impaciente)

 

nega-se a tão inesperada aventura;

e enquanto para sobreviver se contrai,

desconfiado, o corpo facilita à terra dura

o seu biscate de morte.

 

IV

É a seiva que dá cabo

dos velhos e dos hesitantes

quando de súbito, flutua nas ruas

um nada malsão que corrói a atmosfera.

 

Todos esses que já não têm força

para erguer no céu as asas

são convidados ao divórcio

que os confunde com o pó da terra.

 

É a doçura que os abre

com a sua suprema ponta afiada,

e, aos que ainda resistem, um afago sobrevém

para os deitar ao nada.

 

V

Para que serviria a doçura

se não fosse capaz,

terna e inefável,

de nos causar pânico?

 

Está tão para além

de qualquer violencia

que, quando se solta,

ninguém lhe apara o golpe.

 

VI

No inverno, a morte homicida

entra pelas casas adentro,

à procura da irmã, à procura do pai,

para os enfeitar de violino.

 

Mas quando a terra se agita

sob a enxada da Primavera,

é plas ruas que ela anda,

a dizer “olá” a quem passa.

 

VII

É da costela de Adão

que Eva foi tirada;

mas, quando a sua vida se acaba,

para onde vai ela, moribunda?

 

Adão será a sua tumba?

Será preciso, quando está cansada,

arranjar um lugar, só para ela,

num homem impermeável?

Profunda reflexão sobre a brevidade da vida em contraste com a imperturbável perenidade da natureza,

I

…

C’est pendant quelques mesures

seulement que nous suivons

les multiples figures

de ton long abandon,

ô abondante nature,

 

Quand il faudra nous taire,

d’autres continueront…

Mais à présent comment faire

pour te rendre mon

grand coeur complémentaire?

é também da morte que nos fala, sobretudo nas três quadras de III, e ainda nesta belíssima forma de referir a visita da morte: leur joue du violon.

VI

En hiver, la morte meurtrière

entre dans les maisions;

elle cherche la soeu, le père,

et leur joue du violon.

Temos ainda em IV e V uma ambivalência na doçura que salva para a vida, ou conduz à morte:

sont invités au divorce  / qui à la terre les mêle.

Termina o poema com a enigmática interrogação do destino do homem e da mulher:

C‘est de la côte d’Adam

qu’on a retiré Ève;

mais quand sa vie s’achève,

oú va-t-elle, mourant?

 

Adam serait-il son tombeau?

Faut-il, lorsqu’elle se lasse,

lui ménager une place

dans un homme bien clos?

Passando com a maior leveza do trivial ao transcendente, a leitura da poesia de Rilke introduz-nos no mistério da palavra, estimulando no leitor a busca da multiplicidade de sentidos envolvidos no dizer poético.

Nota

O poema encontra-se no livro FRUTOS E APONTAMENTOS, tradução livre por Maria Gabriela Llansol, dos poemas de Rainer Maria Rilke escritos em francês.

É uma edição Relógio d’Água, 1996.

Optei por acompanhar os curtos comentários ao poema com o original francês para que, pelo menos os leitores que dominam a língua, tenham a percepção das, por vezes controversas, opções da tradutora.

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Visitas ao Blog

  • 2.059.323 hits

Introduza o seu endereço de email para seguir este blog. Receberá notificação de novos artigos por email.

Junte-se a 873 outros subscritores

Página inicial

  • Ir para a Página Inicial

Posts + populares

  • A valsa — poema de Casimiro de Abreu
  • Fernando Pessoa - Carta da Corcunda para o Serralheiro lida por Maria do Céu Guerra
  • Vozes dos Animais - poema de Pedro Diniz

Artigos Recentes

  • Sonetos atribuíveis ao Infante D. Luís
  • Oh doce noite! Oh cama venturosa!— Anónimo espanhol do siglo de oro
  • Um poema de Salvador Espriu

Arquivos

Categorias

Create a free website or blog at WordPress.com.

  • Seguir A seguir
    • vicio da poesia
    • Junte-se a 873 outros seguidores
    • Already have a WordPress.com account? Log in now.
    • vicio da poesia
    • Personalizar
    • Seguir A seguir
    • Registar
    • Iniciar sessão
    • Denunciar este conteúdo
    • Ver Site no Leitor
    • Manage subscriptions
    • Minimizar esta barra
 

A carregar comentários...
 

    %d bloggers gostam disto: