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A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, tal como o puro olhar ou a pura sensação com que um fruto se derrete na língua — é uma grande e infindável experiência que nos é proporcionada, um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria.
Das cartas a um jovem poeta, 16 de Julho de 1903.
Abro com esta citação de Rainer Maria Rilke (1875-1926), fresca e verdadeira nos seus 110 anos, que nos diz tão só:
A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, … um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria.
Demora a humanidade a interiorizar esta verdade, enrolada em tabus e interditos, e apenas os artistas, na sua superior e antecipada compreensão do mundo, a vão transmitindo.
Venho hoje com alguns belos poemas de Rilke onde o esplendor desta sabedoria se mostra e a volúpia lida com o absoluto da paixão.
Como eu te chamei! Apelos que ninguém ouvia
e que se dulcificaram em mim.
Agora, degrau a degrau penetro em ti
e o meu sémen sobe, de infantil alegria.
Ó montanha primeva do prazer!
Já sobe à tua íntima crista arfante,
já se aproxima. Entrega-te e sente
como te afundas se ele em cima acenar.
Não conheces torres, tu que feneces.
Mas vais descobrir uma agora
no fabuloso espaço que aflora
em ti. Fecha, como numa prece,
o rosto. Foste tu a levantá-la
sem dares por olhares e acenos de mão.
De súbito, é a plena perfeição,
e eu, homem feliz, posso habitá-la.
Ah, lá dentro é como um abraço!
Leva-me à cúpula com os teus afagos:
a ver se em tuas noites mansas lanço
com o ímpeto que põe ventres em fogo
mais sentimentos do que eu próprio alcanço.
Oh, não me eleves!
Quem sabe se me ergo.
Levanta apenas ao de leve o rosto
Para que, chovendo eu,
Quase te pareçam ser lágrimas tuas.
Se te assolar a minha tempestade,
coloca-te, direita, frente ao meu vento;
fecha as pálpebras ao meu sopro,
fica cega
desse simples ver-me.
Penso desnecessário clarificar no prosaico do vocabulário coloquial a intensa volúpia que escorre desta linguagem poética falando do esplendor do acto amoroso em variada fruição,
Termino com este precioso registo do sortilégio erótico que a escrita pode ter:
Ao escrever-te, saltou seiva
da máscula flor
que à minha humanidade
parece fértil e enigmática.
Sentirás tu, ao leres-me,
distante terna, a doçura
que no feminil cálice
espontânea corre?
Acompanham o artigo imagens da obra erótica da última fase de Picasso. Termino esta espécie de música com Mulher tocando bandolim, pintura de Picasso de 1909, dos primórdios do cubismo e grosso modo contemporânea destes poemas.
O fragmento da carta e os poemas foram transcritos do livro Momentos de Paixão, bela edição de Relógio D’Água Editores, com desenhos de Rodin, poesia e prosa de Rilke, em traduções de João Barrento, José Miranda Justo e Isabel Castro e Silva, Lisboa, 2004.
gratidão
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gosto mto. obrigado por este post.
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