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Category Archives: Erótica

David Mourão-Ferreira — Música de cama X

07 Quinta-feira Dez 2017

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poetas e Poemas

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Étienne-Maurice Falconet, David Mourão-Ferreira

A poesia sobre o amor, se é desabafo de desgosto, grito de dor, ou desespero de ausência, também é registo do instante que se faz eternidade no gozo supremo da sua felicidade, ou como escreve David Mourão-Ferreira (1927-1996):

… de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu

A estas práticas do amor tem a humanidade entregado engenho e saber, recusando tantas vezes moralidades e interditos de questionável finalidade. E depois da experiência, ou paralela a ela, temos a arte e a poesia a levar-nos a imaginação pelos caminhos que o prazer desbrava.

Não é de hoje, mas de sempre, esse registo literário e artístico do prazer experimentado. Há uns anos, a propósito do acto de amor hoje descrito por  David Mourão-Ferreira, transcrevi num artigo, [A propósito de cavalo de Heitor com Ovídio e Apuleio] como na antiguidade a encontramos referida. Cavalo de Heitor lhe chamavam. Hoje um poema de David Mourão-Ferreira recorda as delícias de tal prática:

 

 X

Sobre mim cavalgas
cingindo-me os flancos
Colhes à passagem
a luz do instante

De dentes cerrados
ondulas   avanças
retesas os braços
comprimes as ancas

Depois para a frente
inclinas-te olhando
o que entre dois ventres
ocorre entretanto

e o próprio galope
em que vais lançada
Que lua te empolga
Que sol te embriaga

Lua e sol tu és
enquanto cavalgas
amazona e égua
de espora cravada

no centro do corpo
Centauresa alada
com os seios soltos
como feitos de água

Queria bebê-los
quando mais te dobras
Os cabelos   esses
sorvê-los agora

Mas de cada vez
que o rosto aproximas
já é outra a sede
que me queima a língua

A de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu

in David Mourão-Ferreira, Música de Cama, antologia erótica com um livro inédito, Editorial Presença, Lisboa, 1994.

Abre o artigo a imagem de uma escultura de Étienne-Maurice Falconet (1716-91).

Representa Cúpido. Pede silêncio para não perturbarmos os amantes entregues ao sublime prazer de Eros.

 

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A Arte de Amar e os livros num poema de Afonso X, o Sábio

15 Sexta-feira Abr 2016

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poesia Antiga

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Afonso X, o Sábio

Hercules e Djanira 500pxTrago hoje um poema profano do rei Afonso X o Sábio (1221-1284), celebrado autor das Cantigas de Santa Maria.

No poema somos ilustrados sobre os sucessos na arte de foder obtidos pelo deão de Cadiz, cargo eclesiástico, através do relato ao rei por um seu servidor.

Começa assim:

Ao deão de Cadiz eu achei / livros que lhe levavam a Benzer, / e ao que os trazia,  por eles perguntei: / – Senhor, me respondeu, / com estes livros que vós vedes, dois, / e com os outros que ele tem de seu, / fode por eles quanto foder quer.

Vemos pois, que se tratava de uma prática abençoada, a leitura de tais livros, e não o opróbrio a que mais tarde foram sujeitos, leitores e livros. Tal saber, quando adquiro, proporcionava poderes extraordinários, como para o final o poema refere: esconjurar o demónio e libertar mulheres abrasadas pelo fogo de S. Marçal.

Esta aprendizagem de manual, não é, portanto, dos nossos dias, e é de bom conselho a todos os adolescentes antes de se iniciarem nestas práticas, estudar as suas possibilidades e quadro de valores.

Aparentemente o nosso deão seria leitor compulsivo apanhado nas malhas do prazer da leitura como o poema também refere:

e ele dá-lhe tal gozo de os ler /que nunca noite nem dia outro faz;

Do relato do seu servidor saberemos que pela leitura o deão terá atingido alturas de mestre, não tanto Don Juan que parte à conquista, mas uma espécie de prato de mel onde as moscas caem, se não, leia-se:

e sabe da arte do foder tão bem / que com os seus livros d’artes, que ele tem, / fode ele as mouras, cada que lhe apraz.

Pelo que fica dito, o homem não seria guerreiro atrás de troféu de guerra, no tempo em que o vizinho reino de Granada ainda era domínio árabe, antes vencia a guerra com a sua arma biológica, e as voluptuosas odaliscas do imaginário ocidental correriam a banhar-se no prazer de tanta ciência.

Consoante os valores morais em cada época, assim as criações artísticas dando conta da sexualidade humana foram vestidas com capas alegóricas ou metafóricas que permitiam mostrá-la sem recorrer a instrumentos de linguagem visual ou escrita interditos. Os exemplos poéticos  abundam até aos nossos dias.

Quando estes critérios não foram respeitados, tais criações foram empurradas para um índex que pretendia torná-las invisíveis aos olhos comuns e arrumados com acesso restrito no que foi chamado de inferno nalgumas bibliotecas. De passagem refiro um saboroso catálogo da BNF, L’Enfer de la Bibliothèque, que dá conta das preciosidades encerradas no Inferno da Bibliothèque Nationale de France, a cujo acervo também pertence a imagem não censurada que abre o artigo.

O poema do sábio rei anda perdido pelas edições eruditas das Cantigas de Escárnio e Maldizer, colhidas nos Cancioneiros da Ajuda, da Biblioteca Nacional e da Biblioteca Vaticana.

Transcrevo uma minha modernização do poema em português actual, de onde provêm as citações, e duas leituras dos manuscritos em galaico-português.

Poema  [transcrição modernizada]

 

Ao deão de Cadiz eu achei

livros que lhe levavam a Benzer,

e ao que os trazia, por eles perguntei:

– Senhor, me respondeu,

com estes livros que vós vedes, dois,

e com os outros que ele tem de seu,

fode por eles quanto foder quer.

 

E ainda vos hei-de eu mais dizer:

embora na Lei muito seja necessário ler

por quanto eu da sua fazenda sei,

com os livros que tem, não há mulher

a que não faça que semelhem grous

os corvos, e as enguias babous,

por força de foder, se ele quiser.

 

Cá não há mais, na arte do foder,

do que nos livros que com ele tem;

e ele dá-lhe tal gozo de os ler

que nunca noite nem dia outro faz;

e sabe da arte do foder tão bem

que com os seus livros d’artes, que ele tem,

fode ele as mouras, cada que lhe apraz.

 

E mais vos contarei de seu saber

que com os livros que ele tem [i] faz:

manda-os ante si todos trazer,

e pois que fode por eles assaz,

se mulher acha que o demo tem,

assim a fode per arte e per sem,

que saca dela o demo malvaz.

 

E com tudo isto, ainda mais faz

com os livros que tem, por boa fé:

se acha mulher que tenha o mal

deste fogo que de Sam Marçal é,

assim [a] vai por foder encantar

que, fodendo, lhe faz bem semelhar

que é geada ou neve e nada mais.

 

Poema  [transcrição on-line Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-)]

 

Ao daiam de Cález eu achei

livros que lhe levavam de Berger,

e o que os tragia preguntei

por eles, e respondeu-m’el: – Senher,

com estes livros que vós vedes, dous,

e con’os outros que el tem dos sous,

fod’el per eles quanto foder quer.

 

E ainda vos end’eu mais direi:

macar [e]na Lei muit’haj[a mester]

leer, por quant’eu sa fazenda sei,

con’os livros que tem, nom há molher

a que nom faça que semelhem grous

os corvos e as anguias babous,

per força de foder, se x’el quiser.

 

Ca nom há mais, na arte do foder,

do que [e]nos livros que el tem jaz;

e el há tal sabor de os leer

que nunca noite nem dia al faz;

e sabe d’arte do foder tam bem

que con’os seus livros d’artes, que el tem,

fod’el as mouras, cada que lhi praz.

 

E mais vos contarei de seu saber

que cõn’os livros que el tem [i] faz:

manda-os ante si todos trager,

e pois que fode per eles assaz,

se molher acha que o demo tem,

assi a fode per arte e per sem,

que saca dela o demo malvaz.

 

E com tod’esto, ainda faz al

con’os livros que tem, per bõa fé:

se acha molher que haja [o] mal

deste fogo que de Sam Marçal é,

assi [a] vai per foder encantar

que, fodendo, lhi faz bem semelhar

que é geada ou nev’e nom al.

 

Poema  [transcrição impressa de Lopes, Graça Videira em Cantigas de Escárnio e Maldizer dos Trovadores e Jograis Galego-Portugueses]

 

Ao daiam de Cález eu achei

livros que lhe levavam d’aloguer,

e o que os tragia preguntei

por eles, e respondeu-m’el: – Senher,

com estes livros que vós vedes, dous,

e cõn’os outros que el tem dos sous,

fod’el per eles quanto foder quer.

 

E ainda vos end’eu mais direi:

macar no lei[to] muita[s el houver],

por quanto eu [de] sa fazenda sei,

cõn’os livros que tem, nom há molher

a que nom faça que semelhem grous

os corvos e as anguias babous,

per força de foder, se x’el quiser.

 

Ca nom há mais, na arte do foder,

do que [e]n’os livros que el tem jaz;

e el há tal sabor de os leer

que nunca noite nem dia al faz;

e sabe d’arte do foder tam bem

que cõn’os seus livros d’artes, que el tem,

fod’el as mouras, cada que lhi praz.

 

E mais vos contarei de seu saber

que cõn’os livros que el[e] tem faz:

manda-os ante si todos trager,

e pois que fode per eles assaz,

se molher acha que o demo tem,

assi a fode per arte e per sem,

que saca dela o demo malvaz.

 

E com tod’esto, ainda faz al

con’os livros que tem, per bõa fé:

se acha molher que haja [o] mal

deste fogo que de Sam Marçal é,

assi [a] vai per foder encantar

que, fodendo, lhi faz bem semelhar

que é geada ou nev’e nom al.

 

Notas sobre a modernização e bibliografia

 

Berger [v.2], palavra de transcrição controversa, adoptei a leitura de José Pedro Machado assumindo que se pode tratar da palavra Benger, com significado de Benzer.

[v. 3 e 4] Inverti a ordem das palavras sem alteração de significado para assegurar a rima com o verso 6.

Traduzi macar e mester [v. 9] com o significado atribuído por Carolina Michaëlis de Vasconcelos no Glossário do Cancioneiro da Ajuda publicado na Revista Lusitana XXIII [A] e reproduzido como anexo na edição fac-símile do Cancioneiro da Ajuda feita pela INCM EM 1990.

Este verso 9 de leitura muito imprecisa conduz a transcrições de significado díspar. Veja-se a transcrição de Graça Videira Lopes na edição impressa do poema, que nos acréscimos entre [] dá do verso esta leitura: marcar no lei[to] muita [s el houver]. — ainda que no leito muitas ele houver.

[A] é inequívoca ao dar para lei o sentido de religião monoteísta, daí a minha opção de modernização.

Mantive fazenda [v. 10] com o significado de situação, negócio [A].

sabor – o mesmo que gozo, prazer, [A].

Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. [Consulta em (indicar data da consulta)] Disponível em: <http://cantigas.fcsh.unl.pt>.

Cantigas de Escárnio e Maldizer dos Trovadores e Jograis Galego-Portugueses, edição de Graça Videira Lopes, Editorial Estampa, Lisboa 2002.

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Um êxtase espiritual de São João da Cruz

20 Sexta-feira Mar 2015

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poesia Antiga

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Ary Scheffer, Benvenuto Cellini, São João da Cruz

CELLINI, Benvenuto - cruxifixo do Escorial marmore 550pxA forma erotizada de expressar o sentimento religioso na poesia de São João da Cruz (1542-1591) faz da sua leitura uma experiência única. O contraste entre o amor divino, imaterial por natureza, e a sua expressão física relatada nos poemas, são o combustível para a singularidade da emoção à sua leitura.

 

Transcrevo o êxtase que no poema Noite Escura o santo homem relata. Nele, fala-nos a alma do encontro com o seu Amado, guiada até ele apenas pela luz que no seu coração ardia.

É do mais sublime que em poesia erótica existe no mundo.

 

Noite Escura

 

Canções da alma que rejubila

por ter chegado ao alto estado da perfeição,

que é a união com Deus,

pelo caminho da negação espiritual

 

Em uma noite escura,

com ânsias, em amores inflamada,

oh ditosa ventura!,

saí sem ser notada,

estando minha casa sossegada.

 

Às escuras, segura,

pela secreta escada, disfarçada,

oh ditosa ventura!,

às escuras e emboscada,

estando minha casa sossegada.

 

Nessa noite ditosa,

secretamente, que ninguém me via,

de nada curiosa,

sem outra luz nem guia

senão a que no coração me ardia.

 

Só esta me guiava

mais segura que a luz do meio-dia,

aonde me esperava

quem eu já bem sabia,

em parte onde ninguém aparecia.

 

Oh noite, que guiaste!

Oh noite, amável mais que a alvorada!

Oh noite que juntaste

Amado com amada,

amada em seu Amado transformada!

 

Em meu peito florido,

que inteiro só para ele se guardava,

ficou adormecido,

e eu o afagava,

e o leque de cedros brisa dava.

 

A viração da ameia,

enquanto eu seus cabelos espargia,

com sua mão que enleia

o meu colo feria,

e meus sentidos todos suspendia.

 

Fiquei e olvidei-me,

O rosto reclinei sobre o Amado;

cessou tudo, e deixei-me,

deixando o meu cuidado

por entre as açucenas olvidado.

 Scheffer, Ary - Os fantasmas de Paulo e Francesca aparecem a dante e Virgilio 1835 Wallace Collection

Tradução de José Bento

Transcrito S. João da Cruz, Poesias Completas, Assírio & Alvim, Lisboa.

 

Acrescento a tradução de Jorge de Sena

 

Noite Escura

 

Em uma Noite escura,

com ânsias em amores inflamada,

ó ditosa ventura!

saí sem ser notada,

estando minha casa sossegada.

 

A ocultas, e segura,

pela secreta escada, disfarçada,

ó ditosa ventura!,

a ocultas, embuçada,

estando minha casa sossegada.

 

Em uma Noite ditosa,

tão em segredo que ninguém me via,

nem eu nenhuma cousa,

sem outra luz e guia

senão aquela que em meu seio ardia.

 

Só ela me guiava

mais certa do que a luz do meio-dia,

aonde me esperava

quem eu mui bem sabia,

em parte onde ninguém aparecia.

 

Ó Noite que guiaste!,

ó Noite amável mais que a alvorada!,

ó Noite que juntaste

Amado com amada,

amada nesse Amado transformada!

 

No meu peito florido,

que inteiro para ele se guardava,

quedou adormecido

do prazer que eu lhe dava,

e a brisa no alto cedro suspirava.

 

Da torre a brisa amena,

quando eu a seus cabelos revolvia,

com fina mão serena

a meu colo feria,

e todos meus sentidos suspendia.

 

Quedei-me e me olvidei,

e o rosto inclinei sobre o do Amado:

tudo cessou, me dei,

deixando meu cuidado

por entre as açucenas olvidado.

 

Transcrito de Poesia de 26 Séculos, Fora do Texto, Coimbra, 1993.

 

Termino com a transcrição do original do poema.

 

Noche Oscura

Canciones de el alma que se goza

de habber llegado al alto estado de la perfección,

que es la unión con Dios,

por el camino de la negación espiritual

 

En una noche obscura,

con ansias, en amores inflamada,

¡oh dichosa ventura!,

salí sin ser notada,

estando ya mi casa sosegada.

 

Ascuras y segura,

por la secreta escala disfrazada,

¡oh dichosa ventura!,

a oscuras y en celada,

estando ya mi casa sosegada.

 

En la noche dichosa,

en secreto, que nadie me veía,

ni yo miraba cosa,

sin otra luz y guía

sino la que en el corazón ardía.

 

Aquesta me guiaba

más cierto que la luz del mediodía,

adonde me esperaba

quien yo bien me sabía,

en parte donde nadie parecía.

 

¡Oh noche, que guiaste!

¡Oh noche, amable más que el alborada!

¡Oh noche que juntaste

Amado con amada,

amada en el Amado transformada!

 

En mi pecho florido,

que entero para él solo se guardaba,

allí quedó dormido,

y yo le regalaba,

y el ventalle de cedros aire daba.

 

El aire del almena,

cuando yo sus cabellos esparcía,

con su mano serena

en mi cuello hería

y todos mis sentidos suspendía.

 

Quedéme y olvidéme,

el rostro recliné sobre el Amado,

cesó todo, y dexéme,

dexando mi cuidado

entre las azucenas olvidado.

 

Abre o artigo a imagem do chamado Cristo do Escorial esculpido por Benvenuto Cellini (1500-1571) para o acompanhar no seu próprio enterro. A escultura em mármore de Carrara, e de tamanho natural, mede 1,84m, mostra-se actualmente na Basílica do Escorial, nos arredores de Madrid. Acontece que, supostamente para evitar o escândalo dos fiéis, se encontra envolta na bacia, por uma tela.

 CELLINI, Benvenuto - cruxifixo do Escorial com tela 300px

Comprado pelos Medici, foi posteriormente oferecido a Filipe II de Espanha, e por este guardado no Mosteiro do Escorial.

 

A imagem da pintura dá conta de uma visão de Paolo e Francesca vivendo no inferno pelo pecado da luxúria, e encontrados por Dante na sua passagem. A pintura, de Ary Scheffer (1795-1858), feita em 1835, pertence à Wallace Collection de Londres.

 

Num tempo em que culpa e castigo ocorrem dentro de outros paradigmas, a sobreposição da mente ao corpo é algo com que todos os dias temos que nos haver.

Sendo estas obras testemunhos históricos de uma relação entre o erótico e o sagrado, e com uma história mítica que lhes subjaz, hoje, no nosso confronto com elas, somos questionados sobre as certezas acerca de quanto corpo e espírito são realidades autónomas no ser humano: entre fazer e pensar que distância há a percorrer? — (emocional, social e afectivamente?).

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Os erros de Eros com E.M. de Melo e Castro

08 Sábado Nov 2014

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poetas e Poemas

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E.M. de MELO e Castro, Picasso

Picasso desenho de colecção particularOs erros de Eros no percurso amoroso de cada um nunca foram pretexto para parar a pesquisa, e das técnicas de engate ao longo dos tempos se fez eco a poesia.

Exprimir o sexo tem sido invenção de alguns poemas aqui deixados. Desde a longínqua Idade Média com as Cantigas d’Amigo, às vezes ganhando uma forma híbrida a resvalar para o Escárnio e Mal-dizer, aos transportes suicidários da poesia romântica, passámos por um vasto corpus poético onde avulta o soneto de inspiração petrarquista com expoentes em português entre o chamado soneto maneirista. Despedindo-se a poesia, no século XX, do romantismo, as vanguardas ganharam o gosto do corpo na sua enunciação explicita.

Numa visita a um expoente das vanguardas poéticas desde os anos 50, é à poesia de E.M. de Melo e Castro (n. 1932) que hoje convido.

A escolha poética entre a sua poesia decorre de uma ideia de síntese acrescentando nova perspectiva às questões de língua antes afloradas, qual seja:


e de repente a língua se liberta

do peso que teve.

água corre na água.

o corpo livre

e abrem-se os sentidos

no orgasmo da luz

ver e não ver

ouvir e não ouvir

tocar e não tocar

cheirar e não cheirar

sabor e não sabor

tudo é saber

da mesma forma o peso

do não peso

o dar do receber

a posse do poder

como se de repente

as mãos o peito

os pés as pernas

fossem sexos unidos

ou os sextos sentidos

somados divididos

no momento de vir.

Abertos os sentidos no orgasmo da luz,  percorreremos questões de língua e outras num arco temporal até à Idade Média e geográfico até ao Japão.

Comecemos por esta síntese da fala do sexo:

FALA

falar do falo

é uma fácil falácia


do príapo é mais própria

a prosápia


quanto ao caralho

não é pau de carvalho


mas engrossa a piça

o chouriço enchoiriça

e a piça incha e estica


mas o tesão

não se compra nem se vende


a cona destes versos

é que o fode!

Refere o poeta, cheio de razão que … o tesão / não se compra nem se vende, sabe quem sente e o poeta num gesto secular ecoa nesta  CANTIGA DE COR-TESÃO


CANTIGA DE COR-TESÃO

Quanto mais amo

minha amo

mais mama

mamo


– é assim é que é


Quanto mais como

tua cama

mais cono

como


– é assim é que é


Quanto mais cavo

no teu cu

mais cravo

sou


– é assim é que é


Quanto mais é assim

mais me venho

a mim


-é assim é que é


e o pé?


Os argumentos indutores de tesão condensa E.M. de Melo e Castro num rasgo de inspiração japonesa neste Haiku Erótico:

Haiku Erótico – 1994

mamilos ilhas

do mar elástico

flores

na pele do peito

.

negro loiro

o perfume volume

clitóris

da face do êxtase

.

vento oscilando

cúpula no mastro

glande

rubra de neve

.

na pele do deserto

areia movediça

cetim

de dedos cactus

.

fundo e claro

o obscuro fluxo

canto

do olho aberto

.

figura esguia

peixe na água

lava

por fenda fina

.

a saliva sabe

do sol o toque

beijo

eixo na boca

.

voo no ritmo

das asas duplas

cópula

única é a ave

.

volume ocupando

o espaço da mão

flecha

redonda logo

.

olhos abertos

na cor da noite

voláteis

cristais de luz

.

na onda anda

um outro lugar

vulva

volume vago

.

o ambiguo dizer

pedra de toque

pénis

no calor dos olhos

.

caricia outra

leve fluir

língua

o toque ácido

.

total orgasmo

nulo de nada

luz

sobre a iluminação

Aberto que está o caminho para o  total orgasmo / nulo de nada / luz / sobre a iluminação, eventualmente conduzido pelo  vento oscilando / cúpula no mastro até a glande / rubra de neve convidar ao repouso, aqui fica, quando tal acontecer, a sugestão de leitura com um soneto maneirista do autor, imitação de um género tão ao gosto do blog.


LEITURA

é lendo que eu aprendo o que já sei

é vendo que eu entendo o que me rói

é tendo que eu vendo o que me dei

é na merda do nada que o cu dói


como não quer a coisa quero a coisa

o coiso quer a coisa quer a casa

em que penetre o coiso como poisa

no peixe a água e a ave bate a asa


e como como o cono como a cona

e quando como a cona como a cama

de pé de costas ou no bico da mama


mas é vindo que eu vou até ficar

ouvindo e vendo e lendo o mar:

como é belo o que me dás de cu pró ar!


Notícia bibliográfica:

Os poemas transcritos foram retirados do livro Sim… Sim! Poemas Eróticos, de E.M. de Melo e Castro publicado por VEGA EDITORA em 2000.

O título do artigo foi também emprestado pelo autor, pois OS ERROS DE EROS, foi além de título de poema no mesmo livro, o título pensado pelo autor para o livro de poesia erótica que veio a chamar-se CARA LH AMAS e foi publicado em 1975.

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Beija-me, minha alma, doce espelho e guia

26 Domingo Out 2014

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poesia Antiga

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Preencho o blog como se de um jardim aberto ao mundo se tratasse. E hoje vou colher, para  aqui plantar, no jardim de poesia erótica do Siglo de Oro.

Publicou José Bento em 1997, na Assírio & Alvim, com o título Jardim de Poesias Eróticas do Siglo de Oro, uma escolha pessoal de 51 poesias retiradas dos 144 poemas reunidos em Poesía erótica del siglo de Oro.

Dá o poeta e tradutor, na Nota Introdutória, as razões da escolha de que cito: Não tem este meu jardim outro objectivo que não seja recrear-me, ao ler e traduzir estes versos, e procurar recrear outros que porventura os apreciem, estando por mim excluído qualquer intuito erudito, de que não sou capaz.

Subscrevo integralmente o propósito no que ao conteúdo do blog se refere, agradeço penhorado ao poeta ter-nos dado o prazer de todo o seu labor de tradutor, tantas vezes genial, e entre as poesias que maior gozo me deram neste livro escolho a que traz na edição o nº 45

Beija-me, minha alma, doce espelho e guia,

beija-me, acaba, dá-me este contento,

e cada beijo teu engendre um cento,

sem que cesse jamais esta porfia.

 

Beija-me cem mil vezes cada dia,

pra que, chocando alento com alento,

saiam deste int’rior contentamento

doce suavidade e harmonia.

 

Ai, boca, venturoso o que te toca!

Ai, lábios, ditoso é o que vos beija!

Acaba, vida, dá-me este contento,

 

dá-me já tal gosto com tua boca.

Beija-me, vida: tudo em mim lateja.

Aperta, morde, chupa, mas com tento.

Dispenso-me de clarificar o que beija a boca pois a chave de ouro que conclui o soneto é perfeitamente elucidativa.

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Uma Ode ao orgasmo simultâneo escrita no século XVIII por José Anastácio da Cunha

18 Sábado Out 2014

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poesia Antiga

≈ 1 Comentário

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José Anastácio da Cunha

Vladimir BAKANOV-ROSSINE (1888-1942)Não é aqui o lugar para discutir as actuais teorias de sexólogos sobre a irrelevância da simultaneidade de orgasmo para o prazer do sexo, de que nos fala o poema de hoje. Trata-se antes de dar a conhecer uma expressão poética desse prazer, velha de cerca de 250 anos.

Ode

Já quasi até morria

C’os olhos nos da amada.

E ela que se sentia

Não menos abrasada:

– “Ai, caro Atfes! – dizia –

Não morras inda, espera

Que eu contigo morrer também quisera”

A ansia com que acabava

A vida, Atfes, refreia,

E, enquanto a dilatava,

Morte maior o anseia.

Os olhos não tirava

Dos do ídolo querido,

Nos quais bebia o Néctar diluído.


Quando a gentil Pastora,

Sentindo já chegada

Do doce gôsto a hora,

Com a vista perturbada

Disse, tremendo: – “Agora

Morre, que eu morro, amor”

– “E eu – disse ele – contigo”

Viram-se desta sorte

Os dois finos amantes

Mortos ambos de um tal corte;

E os golpes penetrantes

Desta casta de morte

Tanto lhe agradaram,

Que para mais morrer recuscitaram.

Este poema de José Anastácio da Cunha (1744 – 1787), O Lente Penitenciado, na certeira expressão de Aquilino foi publicado pela 1ª vez por Hernâni Cidade na edição da obra poética do autor, em 1930. Encontrava-se inédito no manuscrito nº 678 da Biblioteca Municipal do Porto. Talvez valha a pena referir, apenas, como este poema deita por terra a ideia feita da passividade da mulher durante o sexo, tão divulgada até tempos bem perto de nós.

Afinal, quantas vezes não foi ouvida:

Ai, …(ponha aqui o nome quem quiser) …!

Não morras inda, espera

com a variante hoje do verbo vir em vez do verbo morrer.

Brevemente haverá mais pois,

Desta casta de morte / Tanto lhe agradaram, / Que para mais morrer recuscitaram.

A pintura de Vladimir BAKANOV-ROSSINE (1888-1942) que abre o artigo dá certamente conta do arco-íris  do prazer relatado no poema.


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Prazer e idade em Ovídio para uma pintura de L.-J.- F. Lagrenée

17 Terça-feira Dez 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poesia Antiga

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Louis-Jean-François Lagrenée, Ovídio

NM 840Poucas vezes a pintura cristalizou em gesto a ternura, o desejo, o encanto do outro, o amor, como L.J. F. Lagrenée (1724-1805) neste par amoroso adolescente. Este enlevo só foge com a idade se o deixarmos. A rotina, a certeza do outro dando por adquirido um patamar de paixão, são inimigas constantes da continuidade de uma relação no tempo. Se factores externos, que muitas vezes não controlamos, contribuem para o fim de uma ligação amorosa, componentes há que estão ao alcance de ambos: é seguir os concelhos de Ovídio que, no fragmento de Arte de Amar a seguir transcrito, mostra já saber da existência do ponto G, expectativa e angústia do seu fruir nos nossos dias.

Livro II, versos 717-728

Acredita no que te digo: não deve apressar-se o prazer de Vénus,

mas sim, discretamente, fazer por retardá-lo e demorá-lo.

Quando descobrires o ponto onde a mulher se excita ao ser tocada,

não seja o pudor a impedir-te de o tocar;

verás os seus olhos a brilhar de fogo cintilante,

como tantas vezes o sol reflete a luz na superfície da água;

far-se-ão ouvir queixumes, far-se-á ouvir um encantador sussurro

e doces gemidos e palavras apropriadas ao prazer.

Mas não deixes para trás a tua parceira, desfraldando mais largas velas,

nem seja mais rápido o ritmo dela que o teu;

avançai para a meta ao mesmo tempo; então, será pleno o prazer,

quando par a par, jazerem, vencidos, a mulher e o homem.

Aqui está a provável origem do mito da indispensabilidade do orgasmo simultâneo para um prazer pleno, coisa que numa tarde de amor se revela bem secundária, quando o ir e vir nos permite permanecer no que sexólogo chamam estado de  plateaux ou parecido.

NM 840

Mas continuemos que há mais conselhos, desta vez sobre carpe diem, gozar o dia que passa. Consta do Livro III, agora dedicado às mulheres, neste precioso Arte de Amar, e transcrevo os versos 59-66.

Tende desde já na lembrança que a velhice há-de chegar;

e não deixeis, por isso, esvair-se tempo algum na ociosidade;

enquanto vos for consentido e conservardes, ainda, a idade da Primavera,

gozai; vão-se os anos, do mesmo modo que a água corrente;

nem a onda que passou voltará de novo a ser chamada,

nem a hora que passou logra tornar atrás.

Há que aproveitar a idade. Com passo rápido se escapa a idade,

e não é tão boa a que vem depois, quão boa foi a que veio antes.

Felizmente no tempo que nos é dado viver a Primavera é longeva, mas a certa altura vai dando sinais de querer partir.

Transcrevi da tradução de Carlos Ascenso André, Arte de Amar, Livros Cotovia, Lisboa, 2006.

A pintura de Louis-Jean-François Lagrenée pertence à colecção do Museu Nacional da Suécia, e aqui a deixo na totalidade.

NM 840

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As três Graças – escultura de Canova e um poema de Rufino

14 Segunda-feira Out 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poesia Antiga

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Canova, Rufino

António Canova - As três graças 1Há semanas trouxe ao blog a história do Julgamento de Páris. Hoje, a pretexto da bela escultura de António Canova (1757-1822) figurando As Três Graças, venho com um poema de Rufino.

As Três Graças (Gratiae em latim), de seus nomes Eufrosina Talia e Aglaia, são divindades da Beleza e têm como propósito espalhar a alegria na natureza e no coração de homens e deuses (ainda bem que existem, senão, que seria do mundo?).

Habitualmente representadas como três donzelas agarradas umas às outras, duas olham-se entre si e a do meio olha na direcção contrária. A fonte de todo este conhecimento que vos deixo é o precioso Dicionário da Mitologia Grega e Romana de Pierre Grimal. Às graças voltarei, inevitavelmente, tantas sãos as obras de arte que inspiraram.

Por enquanto convido-vos a participar do acontecimento relatado por Rufino.

Rufino, poeta grego contemporâneo de Marcial, como hoje é geralmente aceite, viu-se a certa altura colocado em embaraço semelhante ao de Páris no julgamento da beleza feminina, e da situação deixou-nos a história que segue:

Três beldades me escolheram para julgar-lhes as nádegas,

a mim mostradas no esplendor da nudez.

As de uma, florescendo em alvura veludosa, estavam

marcadas ambas por covinhas graciosas;

a nívea carne das de outra, a de pernas abertas, tinha

rubor mais forte que a púrpura da rosa;

as da terceira, calmaria sulcada de ondas mudas,

palpitavam suaves ao seu próprio impulso.

Se o juiz das deusas, Páris, tivesse visto estas nádegas,

Não quereria saber de mais nenhuma.

Tradução de José Paulo Paes

Acrescento uma outra tradução do mesmo poema, longe, no entanto, do belo efeito poético da anterior. Ressalvo que, se nesta segunda tradução se referem coxas em vez de nádegas, o meu desconhecimento do grego antigo não me permite saber de que parte do corpo constava o julgamento. Posso no entanto referir que José Luís Calvo Martinez, na tradução em castelhano do mesmo poema nos diz a abrir: “Del culo de tres muchachas yo fui juez. …“

Vamos então à tradução do poeta Albano Martins

Fui juiz num concurso de coxas de três mulheres. Foram elas

que me escolheram, me mostraram a nudez esplendorosa

dos seus corpos. Marcada de pregas arredondadas,

a branca doçura das coxas de uma floria.

A carne Nevada da outra, de pernas afastadas, tinha uma cor

sanguínea, mais vermelha que uma rosa purpura.

A terceira mostrava-se serena como um mar tranquilo,

com a pele delicada apenas sacudida por estremecimentos involuntários.

Se o árbitro das deusas Tivesse contemplado estas coxas,

não teria querido olhar as primeiras.

Noticia bibliográfica

Este poema consta dos epigramas amorosos incluídos no volume V da Antologia Palatina, à qual jà me referi noutros artigos, e nela possui o número 35.

Traduções de José Paulo Paes em Poesia Erótica em tradução, ed. Companhia das Letras, 1990 e de Albano Martins em do mundo grego outro sol, ed. Asa Editores II , Porto, 2002.

 

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Goethe em Itália — um poema

12 Segunda-feira Ago 2013

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poesia Antiga

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Goethe, Tischbein

Tischbein_Johann_Heinrich_Wilhelm-Goethe_in_the_Roman_CampagnaNa excitação de nova viagem Itália releio Goethe (1749-1832). Se a Viagem a Itália é um prazer, a poesia que ela inspirou é um apetite. É dessas suas Elegias Romanas, que passam por poesia erótica, que vos trago a VI, traduzida por Manuel Malzbender, pois Paulo Quintela, nas suas apreciadas traduções de Goethe passou-lhe por cima: traduziu a V e VII. Da sua leitura talvez se perceba porquê. Aí fica.

Feliz me sinto agora, inspirado em solo clássico.
Com voz mais alta e sedutora me falam passado e presente.
Sigo o conselho dos Antigos, folheio as suas obras
Com mão solitária, todos os dia, com renovado prazer.
Mas durante a noite prefiro ter as mãos em outros lados,
E se eu só aprender metade, terei o dobro do prazer.
E não aprendo eu quando contemplo as deliciosas formas
Do peito, quando a mão desliza pelas ancas?
Só então entendo verdadeiramente o mármore, penso e comparo,
Vejo com olhos sensitivos, sinto com mãos videntes,
E quando a amada me rouba algumas horas do dia,
Dá-me as horas da noite em compensação.
Não nos beijamos apenas, também temos conversas sérias,
E quando dorme a minha querida, ao seu lado penso em muitas coisas,
Muitas vezes também compus versos nos seus braços
E as suas costas, dedilhando contei eu
Suavemente o hexâmetro, e quando a bela dormita
O seu sopro incendeia profundamente o meu peito.
Então o amor acende a lâmpada e recorda os tempos
Em que prestou o mesmo favor ao seu Triunvirato(1)

Gosto sobretudo de quando o amor acende a lâmpada!

(1) Diz o tradutor que se trata dos três poetas romanos com vasta obra erótica: Catulo, Tíbulo e Propércio.

A eles iremos um destes dias, mas talvez apenas em espanhol se não conseguir tradução portuguesa que me satisfaça.

Na pintura de abertura Tischbein (Johann Heinrich Wilhelm Tischbein (1751-1828) ) mostra supostamente Goethe em Itália e, na pose especiosa, criou a imagem que ao poeta ficou irremediavelmente associada.

O poema foi publicado em Goethe, Erótica Romana, Cavalo de Ferro Editores, Lisboa 2005.

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Os trabalhos de Eros na poesia de Tomás Segovia

20 Sábado Jul 2013

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poetas e Poemas

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Tomás Segovia

Waldeck 1A poesia erótica em castelhano é um jardim onde, depois de entrar, não apetece sair.

Hoje venho com a poesia erótica de Tomás Segovia (1927-2011), poeta espanhol de nascimento e mexicano por adopção, que mereceu a atenção de tradução de dois poetas maiores de Portugal: David Mourão-Ferreira e António Ramos Rosa.

Senhor de uma poderosa linguagem poética onde as imagens escorrem desejo e prazer, usou frequentemente formas clássicas de expressão, com o soneto em destaque pela mestria do seu desenvolvimento e musicalidade.

Escolhi para hoje o canto poético do êxtase sexual onde apenas o desejo conta — … quando jazes toda nua, quando / ávida as pernas abres palpitando, … e se entro / com a língua nas entranhas que me estendes, / posso beijar teu coração por dentro. —.
Deixo para outro dia Os beijos em tradução de António Ramos Rosa e entrego-vos ao “… coração felpudo que me incita, ” com o soneto traduzido por David Mourão-Ferreira.

Entre as tépidas coxas te palpita
um negro coração febril, fendido,
de remoto e sonâmbulo latido
que entre escuras raízes se suscita:

um coração felpudo que me incita,
mais que outro cordial e estremecido,
a entrar como na casa em que resido
até tocar o grito que te habita.

E quando jazes toda nua, quando
ávida as pernas abres palpitando,
e até ao fundo, em frente a mim, te fendes,

um coração podes abrir, e se entro
com a língua nas entranhas que me estendes,
posso beijar teu coração por dentro.

Passemos agora ao poema na língua de origem e apreciai a beleza da tradução.

Entre los tibios muslos te palpita

un negro corazón febril y hendido

de remoto y sonámbulo latido

que entre oscuras raíces se suscita;



un corazón velludo que me invita,

más que el otro cordial y estremecido,

a entrar como en mi casa o en mi nido
l
hasta tocar el grito que te habita.



Cuando yaces desnuda toda, cuando

te abres de piernas ávida y temblando

y hasta tu fondo frente a mí te hiendes,



un corazón puedes abrir, y si entro

con la lengua en la entrada que me tiendes,

puedo besar tu corazón por dentro.

Termino com dois outros sonetos onde o prazer sem tabus se conta. Transcrevo tão só os originais pois de traduções em português não sei.

*
Un momento estoy solo: tú allá abajo

te ajetreas en torno de mi cosa,

delicada y voraz, dulce y fogosa,

embebida en tu trémulo trabajo.



Toda fervor y beso y agasajo

toda salivas suaves y jugosa

calentura carnal, abres la rosa

de los vientos de vértigo en que viajo.



Mas la brecha entre el goce y la demencia,

a medida que apuras la cadencia,

intolerablemente me disloca,

y

al fin me rompe, y soy ya puro embate,

y un yo sin mí ya tuyo a ciegas late

gestándose la noche de tu boca.

**

Otra vez en tu fondo empezó eso…

Abre sus ojos ciegos el gemido,

se agita en ti, exigente y sumergido,

emprende su agonía sin regreso.



Yo te siento luchar bajo mi peso

contra un dios gutural y sordo, y mido

la hondura en que tu cuerpo sacudido

se convulsiona ajeno hasta en su hueso.



Me derrumbo cruzando tu derrumbe,

torrente en un torrente y agonía

de otra agonía; y doblemente loco,



me derramo en un golfo que sucumbe,

y entregando a otra pérdida la mía,

el fondo humano en las tinieblas toco.

Noticia bibliográfica

Os sonetos constam do livro Poesia (1943-1997), edição F.C.E., Madrid, 1998.

A tradução de David Mourão-Ferreira encontra-se em Vozes da Poesia Europeia III, Colóquio Letras nº165, ed FCG, Lisboa.

 

 

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