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Picasso desenho de colecção particularOs erros de Eros no percurso amoroso de cada um nunca foram pretexto para parar a pesquisa, e das técnicas de engate ao longo dos tempos se fez eco a poesia.

Exprimir o sexo tem sido invenção de alguns poemas aqui deixados. Desde a longínqua Idade Média com as Cantigas d’Amigo, às vezes ganhando uma forma híbrida a resvalar para o Escárnio e Mal-dizer, aos transportes suicidários da poesia romântica, passámos por um vasto corpus poético onde avulta o soneto de inspiração petrarquista com expoentes em português entre o chamado soneto maneirista. Despedindo-se a poesia, no século XX, do romantismo, as vanguardas ganharam o gosto do corpo na sua enunciação explicita.

Numa visita a um expoente das vanguardas poéticas desde os anos 50, é à poesia de E.M. de Melo e Castro (n. 1932) que hoje convido.

A escolha poética entre a sua poesia decorre de uma ideia de síntese acrescentando nova perspectiva às questões de língua antes afloradas, qual seja:


e de repente a língua se liberta

do peso que teve.

água corre na água.

o corpo livre

e abrem-se os sentidos

no orgasmo da luz

ver e não ver

ouvir e não ouvir

tocar e não tocar

cheirar e não cheirar

sabor e não sabor

tudo é saber

da mesma forma o peso

do não peso

o dar do receber

a posse do poder

como se de repente

as mãos o peito

os pés as pernas

fossem sexos unidos

ou os sextos sentidos

somados divididos

no momento de vir.

Abertos os sentidos no orgasmo da luz,  percorreremos questões de língua e outras num arco temporal até à Idade Média e geográfico até ao Japão.

Comecemos por esta síntese da fala do sexo:

FALA

falar do falo

é uma fácil falácia


do príapo é mais própria

a prosápia


quanto ao caralho

não é pau de carvalho


mas engrossa a piça

o chouriço enchoiriça

e a piça incha e estica


mas o tesão

não se compra nem se vende


a cona destes versos

é que o fode!

Refere o poeta, cheio de razão que … o tesão / não se compra nem se vende, sabe quem sente e o poeta num gesto secular ecoa nesta  CANTIGA DE COR-TESÃO


CANTIGA DE COR-TESÃO

Quanto mais amo

minha amo

mais mama

mamo


– é assim é que é


Quanto mais como

tua cama

mais cono

como


– é assim é que é


Quanto mais cavo

no teu cu

mais cravo

sou


– é assim é que é


Quanto mais é assim

mais me venho

a mim


-é assim é que é


e o pé?


Os argumentos indutores de tesão condensa E.M. de Melo e Castro num rasgo de inspiração japonesa neste Haiku Erótico:

Haiku Erótico – 1994

mamilos ilhas

do mar elástico

flores

na pele do peito

.

negro loiro

o perfume volume

clitóris

da face do êxtase

.

vento oscilando

cúpula no mastro

glande

rubra de neve

.

na pele do deserto

areia movediça

cetim

de dedos cactus

.

fundo e claro

o obscuro fluxo

canto

do olho aberto

.

figura esguia

peixe na água

lava

por fenda fina

.

a saliva sabe

do sol o toque

beijo

eixo na boca

.

voo no ritmo

das asas duplas

cópula

única é a ave

.

volume ocupando

o espaço da mão

flecha

redonda logo

.

olhos abertos

na cor da noite

voláteis

cristais de luz

.

na onda anda

um outro lugar

vulva

volume vago

.

o ambiguo dizer

pedra de toque

pénis

no calor dos olhos

.

caricia outra

leve fluir

língua

o toque ácido

.

total orgasmo

nulo de nada

luz

sobre a iluminação

Aberto que está o caminho para o  total orgasmo / nulo de nada / luz / sobre a iluminação, eventualmente conduzido pelo  vento oscilando / cúpula no mastro até a glande / rubra de neve convidar ao repouso, aqui fica, quando tal acontecer, a sugestão de leitura com um soneto maneirista do autor, imitação de um género tão ao gosto do blog.


LEITURA

é lendo que eu aprendo o que já sei

é vendo que eu entendo o que me rói

é tendo que eu vendo o que me dei

é na merda do nada que o cu dói


como não quer a coisa quero a coisa

o coiso quer a coisa quer a casa

em que penetre o coiso como poisa

no peixe a água e a ave bate a asa


e como como o cono como a cona

e quando como a cona como a cama

de pé de costas ou no bico da mama


mas é vindo que eu vou até ficar

ouvindo e vendo e lendo o mar:

como é belo o que me dás de cu pró ar!


Notícia bibliográfica:

Os poemas transcritos foram retirados do livro Sim… Sim! Poemas Eróticos, de E.M. de Melo e Castro publicado por VEGA EDITORA em 2000.

O título do artigo foi também emprestado pelo autor, pois OS ERROS DE EROS, foi além de título de poema no mesmo livro, o título pensado pelo autor para o livro de poesia erótica que veio a chamar-se CARA LH AMAS e foi publicado em 1975.