Etiquetas
Há pouco mais de 100 anos Bulhão Pato escrevia no prefácio ao seu “Livro do Monte” esta coisa espantosa para o homem de hoje – A árvore, passados para nós os cinquenta, substitui a mulher. O que vale é que antes tinha escrito: Quando a alma não envelhece, a sensibilidade é porventura mais viva em anos provectos, com o que provavelmente virei a concordar.
Este prefácio em apresentação daquele conjunto de poemas à natureza continua, ilustrando o que a companhia de uma árvore permite a um solitário a quem os desejos do corpo abandonaram aos cinquenta anos.
Nos nossos dias, nem bem passados os sessenta o homem se sente assim. A juventude ainda não é eterna mas prolongou-se muito.
Graças aos nossos políticos são jovens os agricultores até aos 40 anos como quer que se sintam, mesmo que mais cedo que o nosso poeta prefiram a árvore à mulher. E são jovens também, mas já só até aos 35 anos, os membros dos partidos, e por aí fora.
Efectivamente, além da graça destas classificações politicas, somos todos mais novos quando chegamos à idade em que os nossos pais, para não falar dos avós, já se consideravam na curva descendente da vida.
Na vertigem do dia-a-dia poucos percebemos a profundidade dessas alterações e não sei bem se todos desfrutam desta aumentada juventude que a sociedade moderna nos trouxe.
É lendo os autores antigos em cartas ou memórias de algum tipo, que esta maravilhosa realidade se me faz presente, quando constato em gente muito mais nova que eu, achaques, preocupações e atitudes mentais mais adequadas ao final da vida que à idade física que possuem.
Trago como exemplo um soneto de João Xavier de Matos (???? – 1789) escrito provavelmente em meados do sec. XVIII onde o poeta, com trinta e cinco – Já lá vão sete lustros, que este monte / Berço me foi: – se sente com a vida perto do fim – Vai-se apagando a luz, secando a fonte – e despede-se com uma súplica – Paixões, desejos, ide-vos embora; / Favor, que me fareis por poucos dias.
Pensar eu que alguém se sentiu a caminho do fim da vida aos trinta e cinco anos, e era esse o padrão comum, ainda que a longevidade existisse, leva-me a gostar cada vez mais do tempo que me foi dado viver.
É aproveitar e desfrutar quanto possível. Há apenas que ter a cabeça a rodar na linha certa.
E agora o soneto:
Já lá vão sete lustros, que este monte
Berço me foi: Já da vital jornada
Mais de meia carreira está passada;
E cedo iremos ver outro horizonte:
A mão já treme, já se enruga a fronte,
Já branqueja a cabeça, e com a pesada
Considração da vida mal gastada,
Vai-se apagando a luz, secando a fonte.
Pouco nos resta, que passar já agora;
E para as derradeiras agonias
De tantos anos, aproveite hum’hora.
Esperanças, temores, vãs porfias,
Paixões, desejos, ide-vos embora;
Favor, que me fareis por poucos dias.
O propósito era falar da poesia de Bulhão Pato, e afinal saiu este razoado. Bulhão Pato e a sua obra têm que ficar para outro dia.
E Xavier de Matos também vai ter que esperar.
Por agora boa noite.