Etiquetas
A poesia erótica em castelhano é um jardim onde, depois de entrar, não apetece sair.
Hoje venho com a poesia erótica de Tomás Segovia (1927-2011), poeta espanhol de nascimento e mexicano por adopção, que mereceu a atenção de tradução de dois poetas maiores de Portugal: David Mourão-Ferreira e António Ramos Rosa.
Senhor de uma poderosa linguagem poética onde as imagens escorrem desejo e prazer, usou frequentemente formas clássicas de expressão, com o soneto em destaque pela mestria do seu desenvolvimento e musicalidade.
Escolhi para hoje o canto poético do êxtase sexual onde apenas o desejo conta — … quando jazes toda nua, quando / ávida as pernas abres palpitando, … e se entro / com a língua nas entranhas que me estendes, / posso beijar teu coração por dentro. —.
Deixo para outro dia Os beijos em tradução de António Ramos Rosa e entrego-vos ao “… coração felpudo que me incita, ” com o soneto traduzido por David Mourão-Ferreira.
Entre as tépidas coxas te palpita
um negro coração febril, fendido,
de remoto e sonâmbulo latido
que entre escuras raízes se suscita:
um coração felpudo que me incita,
mais que outro cordial e estremecido,
a entrar como na casa em que resido
até tocar o grito que te habita.
E quando jazes toda nua, quando
ávida as pernas abres palpitando,
e até ao fundo, em frente a mim, te fendes,
um coração podes abrir, e se entro
com a língua nas entranhas que me estendes,
posso beijar teu coração por dentro.
Passemos agora ao poema na língua de origem e apreciai a beleza da tradução.
Entre los tibios muslos te palpita
un negro corazón febril y hendido
de remoto y sonámbulo latido
que entre oscuras raíces se suscita;
un corazón velludo que me invita,
más que el otro cordial y estremecido,
a entrar como en mi casa o en mi nido
l
hasta tocar el grito que te habita.
Cuando yaces desnuda toda, cuando
te abres de piernas ávida y temblando
y hasta tu fondo frente a mí te hiendes,
un corazón puedes abrir, y si entro
con la lengua en la entrada que me tiendes,
puedo besar tu corazón por dentro.
Termino com dois outros sonetos onde o prazer sem tabus se conta. Transcrevo tão só os originais pois de traduções em português não sei.
*
Un momento estoy solo: tú allá abajo
te ajetreas en torno de mi cosa,
delicada y voraz, dulce y fogosa,
embebida en tu trémulo trabajo.
Toda fervor y beso y agasajo
toda salivas suaves y jugosa
calentura carnal, abres la rosa
de los vientos de vértigo en que viajo.
Mas la brecha entre el goce y la demencia,
a medida que apuras la cadencia,
intolerablemente me disloca,
y
al fin me rompe, y soy ya puro embate,
y un yo sin mí ya tuyo a ciegas late
gestándose la noche de tu boca.
**
Otra vez en tu fondo empezó eso…
Abre sus ojos ciegos el gemido,
se agita en ti, exigente y sumergido,
emprende su agonía sin regreso.
Yo te siento luchar bajo mi peso
contra un dios gutural y sordo, y mido
la hondura en que tu cuerpo sacudido
se convulsiona ajeno hasta en su hueso.
Me derrumbo cruzando tu derrumbe,
torrente en un torrente y agonía
de otra agonía; y doblemente loco,
me derramo en un golfo que sucumbe,
y entregando a otra pérdida la mía,
el fondo humano en las tinieblas toco.
Noticia bibliográfica
Os sonetos constam do livro Poesia (1943-1997), edição F.C.E., Madrid, 1998.
A tradução de David Mourão-Ferreira encontra-se em Vozes da Poesia Europeia III, Colóquio Letras nº165, ed FCG, Lisboa.
Obrigado!
GostarGostar
Muito lindo! Puro, sensual e não vulgar.
GostarGostar