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Não é aqui o lugar para discutir as actuais teorias de sexólogos sobre a irrelevância da simultaneidade de orgasmo para o prazer do sexo, de que nos fala o poema de hoje. Trata-se antes de dar a conhecer uma expressão poética desse prazer, velha de cerca de 250 anos.
Ode
Já quasi até morria
C’os olhos nos da amada.
E ela que se sentia
Não menos abrasada:
– “Ai, caro Atfes! – dizia –
Não morras inda, espera
Que eu contigo morrer também quisera”
A ansia com que acabava
A vida, Atfes, refreia,
E, enquanto a dilatava,
Morte maior o anseia.
Os olhos não tirava
Dos do ídolo querido,
Nos quais bebia o Néctar diluído.
Quando a gentil Pastora,
Sentindo já chegada
Do doce gôsto a hora,
Com a vista perturbada
Disse, tremendo: – “Agora
Morre, que eu morro, amor”
– “E eu – disse ele – contigo”
Viram-se desta sorte
Os dois finos amantes
Mortos ambos de um tal corte;
E os golpes penetrantes
Desta casta de morte
Tanto lhe agradaram,
Que para mais morrer recuscitaram.
Este poema de José Anastácio da Cunha (1744 – 1787), O Lente Penitenciado, na certeira expressão de Aquilino foi publicado pela 1ª vez por Hernâni Cidade na edição da obra poética do autor, em 1930. Encontrava-se inédito no manuscrito nº 678 da Biblioteca Municipal do Porto. Talvez valha a pena referir, apenas, como este poema deita por terra a ideia feita da passividade da mulher durante o sexo, tão divulgada até tempos bem perto de nós.
Afinal, quantas vezes não foi ouvida:
Ai, …(ponha aqui o nome quem quiser) …!
Não morras inda, espera
com a variante hoje do verbo vir em vez do verbo morrer.
Brevemente haverá mais pois,
Desta casta de morte / Tanto lhe agradaram, / Que para mais morrer recuscitaram.
A pintura de Vladimir BAKANOV-ROSSINE (1888-1942) que abre o artigo dá certamente conta do arco-íris do prazer relatado no poema.
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