A poesia sobre o amor, se é desabafo de desgosto, grito de dor, ou desespero de ausência, também é registo do instante que se faz eternidade no gozo supremo da sua felicidade, ou como escreve David Mourão-Ferreira (1927-1996):
… de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu
A estas práticas do amor tem a humanidade entregado engenho e saber, recusando tantas vezes moralidades e interditos de questionável finalidade. E depois da experiência, ou paralela a ela, temos a arte e a poesia a levar-nos a imaginação pelos caminhos que o prazer desbrava.
Não é de hoje, mas de sempre, esse registo literário e artístico do prazer experimentado. Há uns anos, a propósito do acto de amor hoje descrito por David Mourão-Ferreira, transcrevi num artigo, [A propósito de cavalo de Heitor com Ovídio e Apuleio] como na antiguidade a encontramos referida. Cavalo de Heitor lhe chamavam. Hoje um poema de David Mourão-Ferreira recorda as delícias de tal prática:
X
Sobre mim cavalgas
cingindo-me os flancos
Colhes à passagem
a luz do instante
De dentes cerrados
ondulas avanças
retesas os braços
comprimes as ancas
Depois para a frente
inclinas-te olhando
o que entre dois ventres
ocorre entretanto
e o próprio galope
em que vais lançada
Que lua te empolga
Que sol te embriaga
Lua e sol tu és
enquanto cavalgas
amazona e égua
de espora cravada
no centro do corpo
Centauresa alada
com os seios soltos
como feitos de água
Queria bebê-los
quando mais te dobras
Os cabelos esses
sorvê-los agora
Mas de cada vez
que o rosto aproximas
já é outra a sede
que me queima a língua
A de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu
in David Mourão-Ferreira, Música de Cama, antologia erótica com um livro inédito, Editorial Presença, Lisboa, 1994.
Abre o artigo a imagem de uma escultura de Étienne-Maurice Falconet (1716-91).
Representa Cúpido. Pede silêncio para não perturbarmos os amantes entregues ao sublime prazer de Eros.
Obrigada por este belo pedaço poético, de David Mourão-Ferreira….
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Obrigado pelo encorajador comentário. Até breve
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