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NM 840Poucas vezes a pintura cristalizou em gesto a ternura, o desejo, o encanto do outro, o amor, como L.J. F. Lagrenée (1724-1805) neste par amoroso adolescente. Este enlevo só foge com a idade se o deixarmos. A rotina, a certeza do outro dando por adquirido um patamar de paixão, são inimigas constantes da continuidade de uma relação no tempo. Se factores externos, que muitas vezes não controlamos, contribuem para o fim de uma ligação amorosa, componentes há que estão ao alcance de ambos: é seguir os concelhos de Ovídio que, no fragmento de Arte de Amar a seguir transcrito, mostra já saber da existência do ponto G, expectativa e angústia do seu fruir nos nossos dias.

Livro II, versos 717-728

Acredita no que te digo: não deve apressar-se o prazer de Vénus,

mas sim, discretamente, fazer por retardá-lo e demorá-lo.

Quando descobrires o ponto onde a mulher se excita ao ser tocada,

não seja o pudor a impedir-te de o tocar;

verás os seus olhos a brilhar de fogo cintilante,

como tantas vezes o sol reflete a luz na superfície da água;

far-se-ão ouvir queixumes, far-se-á ouvir um encantador sussurro

e doces gemidos e palavras apropriadas ao prazer.

Mas não deixes para trás a tua parceira, desfraldando mais largas velas,

nem seja mais rápido o ritmo dela que o teu;

avançai para a meta ao mesmo tempo; então, será pleno o prazer,

quando par a par, jazerem, vencidos, a mulher e o homem.

Aqui está a provável origem do mito da indispensabilidade do orgasmo simultâneo para um prazer pleno, coisa que numa tarde de amor se revela bem secundária, quando o ir e vir nos permite permanecer no que sexólogo chamam estado de  plateaux ou parecido.

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Mas continuemos que há mais conselhos, desta vez sobre carpe diem, gozar o dia que passa. Consta do Livro III, agora dedicado às mulheres, neste precioso Arte de Amar, e transcrevo os versos 59-66.

Tende desde já na lembrança que a velhice há-de chegar;

e não deixeis, por isso, esvair-se tempo algum na ociosidade;

enquanto vos for consentido e conservardes, ainda, a idade da Primavera,

gozai; vão-se os anos, do mesmo modo que a água corrente;

nem a onda que passou voltará de novo a ser chamada,

nem a hora que passou logra tornar atrás.

Há que aproveitar a idade. Com passo rápido se escapa a idade,

e não é tão boa a que vem depois, quão boa foi a que veio antes.

Felizmente no tempo que nos é dado viver a Primavera é longeva, mas a certa altura vai dando sinais de querer partir.

Transcrevi da tradução de Carlos Ascenso André, Arte de Amar, Livros Cotovia, Lisboa, 2006.

A pintura de Louis-Jean-François Lagrenée pertence à colecção do Museu Nacional da Suécia, e aqui a deixo na totalidade.

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