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Quando o corpo exulta, vale a pena lembrar quão precária e difícil é essa harmonia de entendimento entre dois seres.
O quotidiano é para a maioria da humanidade adulta, um deserto de intimidade de afectos, a espaços preenchido com o fulgor do encontro. No que resta, sucedem-se vazios afectivos onde a solidão de que nos falam estes poemas de Rainer Maria Rilke (1875-1926), se instala, tanto no sonho do solitário no primeiro poema, como nos corpos que nada encontraram do segundo.
PARA RECITAR ANTES DE ADORMECER
Eu queria cantar para dentro de alguém,
sentar-me junto de alguém e estar aí.
Eu queria embalar-te e cantar-te mansamente
e acompanhar-te ao despertares e ao adormeceres.
Queria ser o único na casa
a saber: a noite estava fria.
E queria escutar dentro e fora
de ti, do mundo, da floresta.
Os relógios chamam-se anunciando as horas
e vê-se o fundo o tempo.
E em baixo ainda passa um estranho
e acirra um cão desconhecido.
Depois regressa o silêncio. Os meus olhos,
muito abertos, pousaram em ti;
e prendem-te docemente e libertam-te
quando algo se move na escuridão.
SOLIDÃO
A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Cai como chuva nas horas ambíguas,
quando todas as vielas se voltam para a manhã
e quando os corpos, que nada encontraram,
desiludidos e tristes se separam;
e quando aqueles que se odeiam
têm de dormir juntos na mesma cama:
então, a solidão vai com os rios…
Os poemas constam de O Livro das Imagens, e transcrevi traduções de Maria João Costa Pereira, em publicação de Relógio d’Água Editores, Lisboa, 2005.
Acompanham o artigo pinturas de Edouard Manet (1832-1883).
Adorei ambos os poemas que postaste. Embora conheci Rainer Maria Rilke há pouco tempo, não pude deixar de me encantar com sua obra pungentemente lírica. De fato, ele enxerga fundo na alma dos homens.
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