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Começo por clarificar o assunto subjacente ao título do artigo: as poesias que hoje transcrevo e qualifico como obscenas referem-se a práticas sexuais recorrendo a um vocabulário procaz, ou seja, um vocabulário que choca, ou talvez ofenda, apenas isso. Estão assim os leitores que prossigam avisados.
Comparada com outras literaturas, a produção poética antiga de conteúdo obsceno conhecida em português com um mínimo de qualidade formal, é escassa. Hoje, dessa escassez trago três exemplos.
Começo com uma espécie de manifesto por João Penha (1838-1919) sobre o primado da cópula em detrimento de outras práticas sexuais, poema até há pouco inédito.
Escrito no que chamaria uma espécie de soneto curto, pois na métrica é uma redondilha menor, no desenvolvimento do assunto respeita a regra do soneto com apresentação do assunto, desenvolvimento, e conclusão ou chave de ouro. Isto em quatorze versos, dois quartetos e dois tercetos, com rima abab abba aba bab. Ei-lo:
*
A foda, a luxuria,
No doce orifício
Que terna lamúria,
Que brando exercício!
A mão, que penúria!
O cú para o vicio
Cono ficticio
De Venus espúria.
Ao leito morena,
Requebros agora
A noite é pequena.
Meu Deus, que demora,
Ó filha tem pena
Da porra que chora.
João Penha, 1879
Agora um soneto, diria canónico na forma: verso decassilábico, desenvolvimento do assunto dentro do esquema que referi acima, e a mesma sequência de rima. O assunto que hoje, em tempos de adolescência retardada, seria matéria de polícia, não espantaria o século XIX pela idade da protagonista.
Soneto
Linda pequena de quatorze estios,
mas já crescida em corpo e maroteira,
co’a nivea mão de jaspe tão veleira*
dez caralhos por noite põe vazios.
Com que garbo ela embala os mais esguios!
Como ela afia os grossos prazenteira!
Ó!… Não há quem a branca pingadeira
veloz tire com modos mais macios!
Um dia arremeteu-a tal furor
ao sopesar um membro de pau-santo,
que disse, erguendo as saias com ardor
e mostrando da porra o doce encanto:
— Mete-mo todo aqui, meu lindo amor
que é pra quando eu casar não custar tanto.
*rápida
Anónimo séc. XIX
À linearidade sexual acima descrita, acrescento um soneto de complexa leitura sexo-comportamental, certamente merecedora de divã psicanalítico.
Notável na originalidade da escrita e factura formal, apenas na sonoridade da língua hoje, a rima entre o primeiro e o quarto verso pode surgir menos consonante do que devia. Não sabemos se tal seria o caso à data da composição do poema.
Soneto
Dum frade franciscano aos sacros pés,
Dizia de confesso a meia voz
Um tal pintor de nome; e o frade a sós
Saboreava o conto do freguês:
— A Vénus que pintei é duma vez,
É digna dum fodão tal como vós!…
Que imensa pentelheira!,… Aqui pra nós,
eu já me ponho nela há mais de um mês.
— Mas…; valha-me S. Pedro, mais S. Brás!
(Rosna o frade coçando no nariz),
A porra não lhe doi? Isso não faz…
— Nada!…frei Julião, (o artista diz).
Não, que eu tenho cuidado em pôr atrás
o rechonchudo cu dum aprendiz.
Anónimo séc. XIX
Por hoje chega de escândalo para os leitores mais sensíveis ou austeros e selectivos sobre que deve tratar a poesia.
Abre o artigo a imagem de uma escultura de Constantin Brancusi (1876-1957), Princess X de 1915. Pretende-se que, apesar da forma fálica, a escultura evoca Marie Murat Bonaparte, o seu pescoço curvado e a cabeça, que constantemente olhava num espelho que transportava. Ironias que ajudam a sublinhar a variedade poética do artigo.