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Tag Archives: João Penha

Obscenidades poéticas oitocentistas

31 Sexta-feira Jul 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa sec XIX

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Brancusi, João Penha

Começo por clarificar o assunto subjacente ao título do artigo: as poesias que hoje transcrevo e qualifico como obscenas referem-se a práticas sexuais recorrendo a um vocabulário procaz, ou seja, um vocabulário que choca, ou talvez ofenda, apenas isso. Estão assim os leitores que prossigam avisados.

Comparada com outras literaturas, a produção poética antiga de conteúdo obsceno conhecida em português com um mínimo de qualidade formal, é escassa. Hoje, dessa escassez trago três exemplos.

Começo com uma espécie de manifesto por João Penha (1838-1919) sobre o primado da cópula em detrimento de outras práticas sexuais, poema até há pouco inédito. 

Escrito no que chamaria uma espécie de soneto curto, pois na métrica é uma redondilha menor, no desenvolvimento do assunto respeita a regra do soneto com apresentação do assunto, desenvolvimento, e conclusão ou chave de ouro. Isto em quatorze versos, dois quartetos e dois tercetos, com rima abab abba aba bab. Ei-lo:

*

A foda, a luxuria, 

No doce orifício 

Que terna lamúria, 

Que brando exercício! 

 

A mão, que penúria! 

O cú para o vicio 

Cono ficticio 

De Venus espúria. 

 

Ao leito morena, 

Requebros agora 

A noite é pequena. 

 

Meu Deus, que demora, 

Ó filha tem pena 

Da porra que chora. 

João Penha, 1879

 

Agora um soneto, diria canónico na forma: verso decassilábico, desenvolvimento do assunto dentro do esquema que referi acima, e a mesma sequência de rima. O assunto que hoje, em tempos de adolescência retardada, seria matéria de polícia, não espantaria o século XIX pela idade da protagonista.

 

Soneto

Linda pequena de quatorze estios, 

mas já crescida em corpo e maroteira,

co’a nivea mão de jaspe tão veleira*

dez caralhos por noite põe vazios.

 

Com que garbo ela embala os mais esguios!

Como ela afia os grossos prazenteira!

Ó!… Não há quem a branca pingadeira 

veloz tire com modos mais macios!

 

Um dia arremeteu-a tal furor 

ao sopesar um membro de pau-santo, 

que disse, erguendo as saias com ardor

 

e mostrando da porra o doce encanto:

— Mete-mo todo aqui, meu lindo amor

que é pra quando eu casar não custar tanto.

*rápida

Anónimo séc. XIX

 

À linearidade sexual acima descrita, acrescento um soneto de complexa leitura sexo-comportamental, certamente merecedora de divã psicanalítico.

Notável na originalidade da escrita e factura formal, apenas na sonoridade da língua hoje, a rima entre o primeiro e o quarto verso pode surgir menos consonante do que devia. Não sabemos se tal seria o caso à data da composição do poema.

 

Soneto

Dum frade franciscano aos sacros pés, 

Dizia de confesso a meia voz 

Um tal pintor de nome; e o frade a sós 

Saboreava o conto do freguês:

 

— A Vénus que pintei é duma vez,

É digna dum fodão tal como vós!…

Que imensa pentelheira!,… Aqui pra nós,

eu já me ponho nela há mais de um mês. 

 

— Mas…; valha-me S. Pedro, mais S. Brás!

(Rosna o frade coçando no nariz),

A porra não lhe doi? Isso não faz…

 

— Nada!…frei Julião, (o artista diz).

Não, que eu tenho cuidado em pôr atrás

o rechonchudo cu dum aprendiz.

Anónimo séc. XIX

 

Por hoje chega de escândalo para os leitores mais sensíveis ou austeros e selectivos sobre que deve tratar a poesia.

Abre o artigo a imagem de uma escultura de Constantin Brancusi (1876-1957), Princess X de 1915. Pretende-se que, apesar da forma fálica, a escultura evoca Marie Murat Bonaparte, o seu pescoço curvado e a cabeça, que constantemente olhava num espelho que transportava. Ironias que ajudam a sublinhar a variedade poética do artigo.

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A prostituição na poesia (4) – 3 poemas no final século XIX

24 Terça-feira Maio 2011

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada

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Fontoura Xavier, Gonçalves Crespo, João Penha

A chegada do naturalismo à poesia na década de 70 do século XIX trouxe a prostituição como assunto poético. São muitos os poemas, de qualidade variada, a abordar o assunto. Mas são dois poetas naturais do Brasil, de entre o que conheço, quem, com enorme elegância trata a matéria em poesia.  São eles  Fontoura Xavier (1856-1922) no soneto Estudo Anatómico, à época publicado numa revista no Brasil e tornado famoso, e Gonçalves Crespo (1846-1883) com o poema Dulce.

Fontoura Xavier (1856-1922)


Estudo anatómico

Entrei no anfiteatro da ciência,

Atraído por mera fantasia,

E aprouve-me estudar anatomia,

Por dar um novo pasto à inteligência.

 

Discorria com toda a sapiência

O lente numa mesa onde jazia

Uma imóvel matéria, humida e fria,

A que outrora animara humana essência.

 

Fôra uma meretriz; o rosto belo

Pude timido olhá-lo com respeito

Por entre as negras ondas de cabelo.

 

A convite do lente, contrafeito,

Rasguei-a com a ponta do escalpelo

E não vi coração dentro do peito!

1876

Rima ABBA ABBA CDC DCD


Gonçalves Crespo (1846-1883)

Dulce

(Imitação)

Vi-a um dia na rua. Flutuante

Ao desdem lhe caía a loura trança;

Como a luz dum farol, essa criança

Levou-me atraz de si… triste bacante!

 

Era o seu nome Dulce. O povo rude

Apontava-a mofando, quando a via.

Docemente sorrindo, ela dizia:

“Tu sabes que te amei, santa virtude!”

 

Um dia a quis beijar; fugiu-me triste:

Dulce me chamam, disse, que amargura!

Este corpo que vês, é sanie impura,

Nem mais amargo fel  no mundo existe.

 

“Que torva história a minha! É breve, atende:

Por minha mãe, que a fome alucinava,

Lançada fui no abismo! Então amava…

Hoje sou Dulce, a lama que se vende…”

É verdade que João Penha (1839-1919)  no soneto Entre mundanas  não fica em desfavor no aplomb com que desenvolve a história e, por outro lado, mostra também ele, a mesma mestria na versificação.

João Penha (1839-1919)


Entre mundanas

– Filha das tristes ervas, nus os pés,

Andrajosa, mas bela de semblante,

Seduziu-me um devasso, um falso amante.

E nada tinha que perder aos dez.

 

Fui atriz e cantora de cafés,

Mas mudava, indecisa, a cada instante.

Depois, fui o que sou: mundana ovante,

Com trem montado, alto estadão, librés.

 

Mas tu que eras um anjo, um serafim!

És pois, de quem te queira! Que piedade!

E por quanto te dás? – por um sequim.

 

-por um sequim em plena mocidade!

De dia e noite uma tarefa assim!

Tu rebaixas a nossa dignidade!

 Rima ABBA ABBA CDC DCD

São três perspectivas afastadas sobre o fenómeno social da prostituição. Temos a indiferença distanciada de João Penha enquanto Fontoura Xavier nos dá a perspectiva do anatomista social imbuído da Alma Nova que parte da sua poesia revela. Por outro lado, Gonçalves Crespo, numa atenção à singularidade do humano, mostra-nos, com a delicadeza que a sua poesia contém, a tragédia associada tantas vezes, no passado como hoje, à prostituição feminina.

Evidentemente, o soneto Metempsicose de Antero de Quental composto na mesma época, é um caso à parte, constituindo na forma, na profundidade da ideia e desenvolvimento do assunto, uma obra-prima absoluta da poesia em lingua portuguesa e já detalhadamente abordado aqui no blog

AQUI

Tanto  a poesia de João Penha como de Gonçalves Crespo já foram alvo da atenção do blog e para esses artigos remeto o leitor.

João Penha   e  Gonçalves Crespo

A poesia de Foutoura Xavier aparece no blog pela primeira vez e talvez surja a  ocasião de a ela voltar.

Noticia bibliográfica

 Estudo anatómico  foi publicado em Opalas com edição definitiva e aumentada 1905

Dulce foi publicado em Miniaturas e nas Obras Completas do poeta na edição de 1897

 Entre mundanas foi publicado em Echos do Passado, 1912

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Uma brincadeira de João Penha

13 Terça-feira Abr 2010

Posted by viciodapoesia in Raros/Curiosos

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João Penha

Depois da longa ausência regresso com uma brincadeira de João Penha .

 

Tradução

Risonho , disse eu a Inês,

Que num sofá se quebranta:

“Dormi mecum!” – “É francês?”

– “É frase da Biblia santa.”

 

– “Vê-me nervosa e confusa:

Eu nada sei, meu amigo:

Não hesite, vá! Traduza”

– Quer? – “Quero… “– Dorme comigo.

 

– “Oh! Que indecência, que horror!

Dizer-me essa cousa, a mim!

O que lhe vale, senhor,

É ter-ma dito em latim.”

 

Poeta hoje quase esquecido, foi imperador e rei de uma boémia que deixou nome e de que Guerra Junqueiro foi pactário. A sua poesia canta  duas coisas – o vinho e as mulheres.

Foi original. No seu tempo reinava o pieguismo, era-se tísico por amor da bela mas ele nunca carpiu o desgosto de viver.

E prático, forte, soberbo, deu-se a proclamar em verso a única terapeutica apropriada – a caneca do espumante e a fatia de salpicão ou a talhada de presunto.

Estas considerações retirei-as da introdução ao livro Canto do Cisne, assinadas por Albino Forjaz de Sampaio e publicado em 1923.

 

Intensamente interessado na vida literária do seu tempo, publicou em Coimbra, entre 1868 e 1873 A Folha, jornal literário de grande influência na época, conjuntamente com Gonçalves Crespo, Guerra Junqueiro, Cândido de Figueiredo, Francisco Gomes de Amorim, Simões Dias e outros.

Foi o volume de versos, Rimas, publicado em 1882, e onde se contêm os sonetos de “Vinho e Fel” que deu ao poeta a aura de que gozou até ao fim da vida.

Ler hoje a poesia e prosa de João Penha é um prazer inesperado, pelos temas, pela fluência do verso na sua rigorosa metrificação, e sobretudo, pelo entusiasmo de viver que deles transborda.

 

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