Etiquetas
Não te adoro porque não existes.
Ah!… Se eu pudesse amar-te, adorar-te.
Se eu pudesse ter-te nos meus braços,
abraçar-te, beijar-te, embriagadoramente!…
BE MY LOVE!
diz a musica que ressoa nos meus ouvidos.
Dentro de mim.
Nos meus dedos, nos meus cabelos.
Que faz vibrar todo o meu corpo.
Que não cala.
Que me absorve.
Que me dilui.
BE MY LOVE!
Ah! Como fazes vibrar toda a minha alma!
Como despertas em mim um sentimento banido, recalcado.
Como me incutes amor, sem eu estar apaixonado!…
Be my love e fica sempre ao pé de mim.
Nunca me abandones.
Nada mais tenho do que beijos para te dar…
Meu amor, como não te tenho, porque não existes,
sê a minha musica.
Be my love!
Nunca me abandones!… Ou então parte
definitivamente.
Be my love uma vez e sempre!
Nós não somos deste mundo, os dois.
Transcendemos há muito o Transcendente.
Odeio-te pelo amor que te tenho.
Não te adoro porque não existes.
Be my love! Para ficarmos tristes
de ser felizes.
………………………………………………………………………………………………………………………………………………..
Une o teu corpo ao meu.
Sim!… TU!
Oferece-me a felicidade roxa de um momento que se compra como umas meias de seda artificial.
Supõe que me amas.
Esquece o teu lucro material.
Be my love. Apaga a luz.
…………………………………………………………………………………………………………………………………….
BE MY LOVE!…
……………………………………………………………………………………………………………………………………
Toma o teu dinheiro.
Obrigado pelo amor que me deste.
Obrigado por essa hora divinamente torpe,
em que te vendeste.
Be my love outra noite… Outra vez!
E perdoa!…
Amo-te porque não posso amar-te.
Mas não te odeio por desejar-te.
Não fiques triste!…
Aquela que eu verdadeiramente amo,
não existe.
Amo o ar livre, o sol, a lua, as estrelas,
os cais desertos,
as silhuetas e o fumo dos vapores ao longe.
Amo a dor das despedidas, os ultimos adeuses,
As lágrimas mal contidas.
O meu amor é isto e aquilo que eu não digo, mas sinto.
Que senti desfalecer dentro de mim quando ouvi cantar:
BE MY LOVE!
Quando descobri que adorava ainda aquela que eu verdadeiramente amo,
mas que não existe.
Não fiques triste!…
SÊ O MEU AMOR SINTÉTICO!
Be my love outra noite… Outra vez!
Amor sintético chama-lhe o poeta.
É na verdade um grito de amor na impossibilidade de ter a quem se ama, negando-lhe a existência repetidamente ao longo do poema: aquela que eu verdadeiramente amo não existe.
Na impossibilidade do amor correspondido, a carne não cala o desejo e procura o corpo disponível:
Une o teu corpo ao meu / Oferece-me a felicidade roxa de um momento que se compra como umas meias de seda artificial. / Supõe que me amas
Mas lá vem, inevitável, a culpa de comprar o amor, com um insulto na forma de obrigado: Obrigado por essa hora divinamente torpe, / em que te vendeste.
É tramado isto do sexo a dinheiro.
Nos anos 50, quando o poema foi composto, o comércio do sexo, revestia para os homens, contornos que hoje temos dificuldade em imaginar.
Mais à frente no poema, temos a revelação de que o poeta continua a amar alguém e afoga no amor sintético a impaciência que o corpo não cala:
“O meu amor é isto e aquilo que eu não digo, mas sinto. / Quando descobri que adorava ainda aquela que eu verdadeiramente amo”.
Belíssimo poema da desolação afectiva, de um autor de quem nada sei. Histórias e dicionários de literatura passam em silêncio sobre o seu nome.
Assina João Sampayo, e publicou este livro POEMAS SEM ÍNDICE em 1954, provavelmente em edição de autor, identificando o editor como João Fantasma.
Esta foi uma daquelas deslumbrantes descobertas de alfarrabista.
O livro, concebido como uma unidade, divide-se em 7 + 1 partes. Cada parte abre com um desenho, original suponho. Todos os desenhos vem assinados, e alguns por nomes maiores das artes plásticas portuguesas.
A abrir o livro este poema:
No princípio não era Nada porque nada
não tem princípio
Nada não tem fim
Nem nada se criou
No sétimo dia Deus descansou
e começou
por perder tempo
e seguem-se as diferentes partes:
ERA UMA VEZ – abre com desenho de Pedro Felix Correia
AMOR SINTÉTICO – abre com desenho de Diogo Lino Pimentel
NEO-SEBASTIANISMO – abre com desenho de José Escada
ETERNO TEMA – abre com desenho de Manuel Cargaleiro
INTERVALO MUSICAL – abre com desenho de José M. Torre do Valle
ÚLTIMA CARTA – abre com desenho de Sebastião Guimarães
INTERRUPÇÃO INOPORTUNA – abre com desenho de Manuel d’Abreu Lima
POST-PANNE – abre com desenho de António Areal
À parte a surpresa maravilhada dos poemas, o livro traz ainda um poema manuscrito como dedicatória.
Não fora os poemas, pela data de edição do livro, se encontrarem sujeitos a copyright, dá-los-ia aqui em fac-simile na totalidade.
Se por um daqueles imponderáveis, que acontecem, algum leitor tiver noticias sobre o autor, aqui fica o pedido de que as transmita.