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Contemporanea, publicada nos anos 20 do século XX, foi uma revista com um compromisso entre continuidade e inovação no contexto dos valores do tempo. Aí publicou Almada Negreiros em separata do seu nº7, em Janeiro de 1923, o poema fundador do Modernismo Português, “A Scena do Odio”.
No seu conjunto, os 9 números publicados sem grandes hiatos entre Maio de 1922 e Março de 1923, contêm um repositório da imagem da mulher naqueles anos vinte, entre o mais conservador convencionalismo e alguns registos de escandalosa carnalidade.
Entre um e outro extremo, retiro do nº7 de Contemporanea estas máximas, de alguma forma espelho mental de uma época, assinadas por André Brun:
A superioridade do velho Deus sobre os homens – ou, pelo menos, a sua absoluta serenidade – provem de que tem sabido conservar-se solteiro. Os simples deuses cairam porque eram, como nós, uns femieiros.
As coisas deste mundo estão mal organizadas. Para que a vida fosse realmente interessante os homens deviam nascer aos trinta anos e as mulheres morrer aos vinte e cinco.
Há olhos velhacos de mulher, que levam o tempo a prometer o que sabem muito bem que o resto do corpo não está em condições de cumprir.
Diferente na perspectiva e coexistindo na mesma revista, aqui vai um poema da poetisa maldita Judith Teixeira publicado desta vez no número de Natal de 1922:
O Meu Chinez
Nos olhos de sêda
traçados em viez
tem um ar tão sensual
o meu Chinez…
Vive sobre uma almofada
De setim bordada,
Pintado a côres.
Ás vezes
numa ansia inquieta
que eu não mitigo,
e que me domina
num sonho de poeta
ou de heroina,
fujo levando
o meu Chinez comigo!
E lá vamos!
Nem eu sei
para que alcovas orientais,
em paizes distantes,
realisar
as horas sensuaes,
as horas delirantes
com que eu sonhei…
…………………………….
Eu e o meu Chinez
temos fugido tanta, tanta vez!
Nota: conservei a ortografia da edição original na revista Contemporanea
À época, a afirmação poética do desejo sensual por parte de uma mulher fez escândalo e tem garantido à autora o silencio editorial até hoje. Podem procurar-se com lupa, e não se encontram, edições das obras dela.