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Solemnia Verba de Antero de Quental

18 Sábado Mar 2017

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Antero de Quental, Paul Klee

Vale a pena o Amor? Viver para ele? Viver por ele?
Responde a tão momentosa questão, Antero de Quental (1842-1891) em dois poemas que mais à frente transcrevo, Os Vencidos e Solemnia Verba.
Não é ao amor sensual que Antero de Quental responde através destes poemas, nem à sua lírica expressão que frequentemente se lê aqui no blog. Os poemas falam antes num conceito abrangente do amor e de como com ele se articula a nossa vida.

 

No poema Os Vencidos, o amor é uma entidade confusa e absoluta que nos habita e conduz à acção. Ao fazer-nos agir chocamos com os valores que nos definem como pessoa e arruína-nos a vida sem apelo.
Dividindo no poema o conceito global de amor por três cavaleiros-andantes, seguimos no seu detalhe os cavaleiros que a ele dedicaram a vida, e por ele foram vencidos. A um venceu-o o amor de uma mulher, envenenando-o pelo “desejo pestilento” quando o seu ideal era um amor etéreo:
…
Irmãos, amei — e fui amado… / Por isso vago incerto e fugitivo, / …

 

aos outros cavaleiros, deixemos antes falar o poema:

 

Responde-lhe o segundo cavaleiro, / Com sorriso de trágica amargura: / “Amei os homens e sonhei ventura, / Pela justiça heróica, ao mundo inteiro /
…
Irmãos, amei os homens e contente / Por eles combati, com mente justa… / Por isso morro à míngua e a areia adusta / bebe agora meu sangue, ingloriamente.”

Diz então o terceiro cavaleiro: / “… / Irmãos, amei a Deus com fé profunda… / Por isso vago sem conforto e incerto, / Arrastando entre as urzes do deserto / Um corpo exangue e uma alma moribunda.”

E os três, unindo a voz num ai supremo, / E deixando pender as mãos cansadas / Sobre as armas inúteis e quebradas, / Num gesto inerte de abandono extremo,
…
Sumiram-se na selva impenetrável, / E no palor da noite silenciosa.

 

 

Lemos no poema uma total condenação do amor e da escolha de viver a vida para ele, pois apenas conduz à desolada morte emocional quem o procura, condenando a um viver nas trevas.

O poeta destruiu este poema que foi mais tarde recuperado por Oliveira Martins e publicado com a sua edição dos Sonetos Completos.

 

 

Alterado no poeta o entendimento do Amor e do seu papel na vida de cada um, escreveu mais tarde a obra-prima absoluta que é o soneto Solemnia Verba.
Agora, o Semeador de sombras e quebrantos! é o nosso coração, e a incapacidade de viver o amor está em nós. O coração é o nosso martírio e o amor o nosso prémio. Fazer o coração acreditar no amor está em nós, e consegue-se:
…
Na escola da tortura repetida,
E no uso do pensar tornado crente,
…

 

Que cada um escolha para si o prémio que procura, no final, valerá a pena. O caminho que o poema aponta é fazer o coração pensar até acreditar no amor. O Amor, essa entidade sublime, permanece, e se com ela na vida nos conseguimos cruzar:
…
Viver não foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.

 

E esta mensagem de esperança é toda ela contrária ao que vimos explanado no poema Os Vencidos. Agora a felicidade pelo amor está ao nosso alcance e o pensar ajuda-nos a lá chegar. Não mais irracionalidade ou condutas ditadas pela paixão.

 

 

SOLEMNIA VERBA

 

Disse ao meu coração: Olha por quantos
Caminhos vãos andámos! Considera
Agora, desta altura fria e austera,
Os ermos que regaram nossos prantos…

Pó e cinzas, onde houver flor e encantos!
E noite, onde foi luz de Primavera!
Olha a teus pés o mundo e desespera,
Semeador de sombras e quebrantos!

Porém o coração, feito valente
Na escola da tortura repetida,
E no uso do pensar tornado crente,

Respondeu: Desta altura vejo o Amor!
Viver não foi em vão, se é isto a vida,
Nem foi de mais o desengano e a dor.

 

 

Transcrevo agora a totalidade do poema Os Vencidos:

 

Os Vencidos

 

Três cavaleiros seguem lentamente
Por uma estrada erma e pedregosa.
Geme o vento na selva rumorosa,
Cai a noite do céu, pesadamente.

Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas,
Têm os corceis poentos e abatidos,
Em desalinho trazem os vestidos,
Das feridas lhes cai o sangue, em gotas.

A derrota, traiçoeira e pavorosa,
As frontes lhes curvou, com mão potente.
No horizonte escuro do poente
Destaca-se uma mancha sanguinosa.

E o primeiro dos três, erguendo os braços,
Diz num soluço: «Amei e fui amado!
Levou-me uma visão, arrebatado,
Como em carro de luz, pelos espaços!

Com largo vôo, penetrei na esfera
Onde vivem as almas que se adoram,
Livre, contente e bom, como os que moram
Entre os astros, na eterna primavera.

Porque irrompe no azul do puro amor
O sopro do desejo pestilente?
Ai do que um dia recebeu de frente
O seu hálito rude e queimador!

A flor rubra e olorosa da paixão
Abre lânguida ao raio matutino,
Mas seu profundo cálix purpurino
Só ressuma veneno e podridão.

Irmãos, amei — amei e fui amado…
Por isso vago incerto e fugitivo,
E corre lentamente um sangue esquivo
Em gotas, de meu peito alanceado.»

Responde-lhe o segundo cavaleiro,
Com sorriso de trágica amargura:
«Amei os homens e sonhei ventura,
Pela justiça heróica, ao mundo inteiro.

Pelo direito, ergui a voz ardente
No meio das revoltas homicidas:
Caminhando entre raças oprimidas,
Fi-las surgir, como um clarim fremente.

Quando há de vir o dia da justiça?
Quando há de vir o dia do resgate?
Traiu-me o gládio em meio do combate
E semeei na areia movediça!

As nações, com sorriso bestial,
Abrem, sem ler, o livro do futuro.
O povo dorme em paz no seu monturo,
Como em leito de púrpura real.

Irmãos, amei os homens e contente
Por eles combati, com mente justa…
Por isso morro à míngua e a areia adusta
Bebe agora meu sangue, ingloriamente.»

Diz então o terceiro cavaleiro:
«Amei a Deus e em Deus pus alma e tudo.
Fiz do seu nome fortaleza e escudo
No combate do mundo traiçoeiro.

Invoquei-o nas horas afrontosas
Em que o mal e o pecado dão assalto.
Procurei-o, com ânsia e sobressalto,
Sondando mil ciências duvidosas.

Que vento de ruína bate os muros
Do templo eterno, o templo sacrossanto?
Rolam, desabam, com fragor e espanto,
Os astros pelo céu, frios e escuros!

Vacila o sol e os santos desesperam…
Tédio ressuma a luz dos dias vãos…
Ai dos que juntam com fervor as mãos!
Ai dos que crêem! ai dos que inda esperam!

Irmãos, amei a Deus, com fé profunda…
Por isso vago sem conforto e incerto,
Arrastando entre as urzes do deserto
Um corpo exangue e uma alma moribunda.»

E os três, unindo a voz num ai supremo,
E deixando pender as mãos cansadas
Sobre as armas inúteis e quebradas,
Num gesto inerte de abandono extremo,

Sumiram-se na sombra duvidosa
Da montanha calada e formidável,
Sumiram-se na selva impenetrável
E no palor da noite silenciosa.

 

 

Poemas transcritos de Antero de Quental, Sonetos Completos publicados por J. P. Oliveira Martins, Lopes & C.ª — Editores, Porto, 1890.
Modernizei a ortografia.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Paul Klee (1879-1940), Marionetas de 1930: quais humanos nas mãos do amor.

 

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Da Grécia Antiga, um Hino Órfico à Noite em versão de Herberto Hélder

01 Sexta-feira Abr 2016

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga, Poetas e Poemas

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Antero de Quental, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Herberto Helder

Paul Klee - Cacodemonic 1916 550pxApenas a Noite, material ou simbólica, nos permite o encontro connosco na verdadeira intimidade do Eu.

Da aproximação do Eu à Noite deram conta os poetas; Fernando Pessoa/Álvaro de Campos com o poema Excertos de Duas Odes: Vem, Noite antiquíssima idêntica,… deu-o de forma genial, tal como genial é a versão de Herberto Hélder para um Hino Órfico à Noite vindo da antiga Grécia: …/ ó Felicidade e Encantamento, Rainha das vigílias, Mãe do sonho, /…, e que a seguir transcrevo.

Este poema, entre outras leituras, torna claro o apelo à harmonia que a noite permite: …/ escuta, ó Indulgente Antiga, a imploração terrena, / e aparece com teu rosto obscuro e lento no meio dos vivos terrores do mundo.

Outras menos encantadas invocações à noite haverá, mas não deixo de referir ainda, e mantendo-me na poesia em português, o genial poema de Antero de Quental, Per Amica Silentia Lunae: Eu amo a noite às horas sossegadas/…, recolhido no volume póstumo, Raios de Extinta Luz.

 

Hino Órfico à Noite

 

Cantarei a criadora dos homens e deuses — cantarei a Noite.

Noite, fonte universal.

Ó forte divindade ardendo com as estrelas, Sol negro,

invadida pela paz e o tranquilo e múltiplo sono,

ó Felicidade e Encantamento, Rainha das vigílias, Mãe do sonho,

e Consoladora, onde as misérias repousam as campânulas de sangue,

ó Embalador, Cavaleira, Luz Negra, Amiga Geral,

ó Incompleta, alternadamente terrestre e celeste,

ó Arredondada no meio das forças tenebrosas,

leve afastando a luz da casa dos mortos e de novo te afastando tu própria.

A terrível Fatalidade é a mãe de todas as coisas,

ó Noite Maravilhosa, Constelação Calma, Ternura Secreta do Tempo,

escuta, ó Indulgente Antiga, a imploração terrena,

e aparece com teu rosto obscuro e lento no meio dos vivos terrores do mundo.

 

Versão de Herberto Hélder

Transcrito de Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Paul Klee (1879-1940).

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A prostituição na poesia (2) – Ardentes filhas do prazer, dizei-me!

29 Sexta-feira Jan 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada

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Antero de Quental, Camões

METEMPSICOSE

Ardentes filhas do prazer, dizei-me!

Vossos sonhos quais são, depois da orgia?

Acaso nunca a imagem fugidia

Do que foste em vós se agita e freme?


Noutra vida e outra esfera, aonde geme

Outro vento, e se acende um outro dia,

Que corpo tínheis? Que matéria fria

Vossa alma incendiou, com fogo estreme?


Vós fostes, nas florestas, bravas feras,

Arrastando, leoas ou panteras,

De dentadas de amor um corpo exangue…


Mordei pois esta carne palpitante,

Feras feitas de gaze flutuante…

Lobas! Leoas! Sim, bebei meu sangue!

Sem que o comércio venal seja explicitamente referido, há um amor despido de sentimento neste soneto de Antero de Quental (1842-1891) que permite supor as  Ardentes filhas do prazer como as damas de aluguer de Camões, aqui vistas como devoradoras fêmeas selvagens, lobas ou leoas, bravas feras arrastando… de dentadas de amor um corpo exangue, ainda que vestidas com o requinte da gaze flutuante de alcova.

O poeta recusa-lhes origem humana, daí chamar ao soneto METEMPSICOSE, transmigração da alma de um corpo para outro.

E o nosso autor pergunta Que corpo tinheis? depois de já se ter interrogado: Noutra vida, noutra esfera, que matéria fria vossa alma incendiou, com fogo estreme?

Deixadas as perguntas, ao homem que o poeta é, apenas o desejo e a orgia importa, e grita:

Mordei esta carne palpitante, bebei meu sangue!

Acalmada a carne, surge o intelecto e a reflexão, e com eles o poema e a interrogação a abrir: Ardentes filhas do prazer, dizei-me! Vossos sonhos quais são.

Não direi que estamos perante a velha história do cliente inexperiente que, depois de satisfeito, se interessa pela vida da prostituta enquanto pessoa, num rebate sincero de simpatia humana. Direi antes que estamos perante a perplexidade eterna da razão face à força da carne para fazer valer os seus direitos.

Força essa transmitida no poema por vocábulos como feras, dentadas, exangue, sangue, num resultado poético global em que a precisão da forma se alia à concisão do soneto, sem paralelo na poesia portuguesa.


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Um soneto de Antero de Quental

11 Segunda-feira Jan 2010

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI

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António Sérgio, Antero de Quental, Fernando Pessoa, João de Deus, Oliveira Martins

Por mais ligados à matéria que nos sintamos, cedo ou tarde a experiência metafísica bate-nos à porta.

É recente em mim a presença de Deus. Não um Deus cosido a qualquer catecismo, mas um Deus explicação do transcendente, como o de Antero de Quental, de quem trago hoje um soneto.

Em Antero de Quental, poeta-filósofo que foi, e mestre maior do soneto em português, a presença de Deus é recorrente.

Dos seus sonetos disse Oliveira Martins no prefácio que acompanhou a edição em livro:

[Hão-de] encontrar um acolhimento amoroso em todas as almas de eleição, e durar enquanto houver corações aflitos, e enquanto se falar a linguagem portuguesa.

Este prefácio, para quem não conheça o perfil de Antero, é na sua justeza e concisão, o lugar onde podemos aproximar-nos do homem e do poeta.

Por outro lado, o estudo de António Sérgio na edição que preparou dos Sonetos, embora estimulante nas suas interpretações, deixa pouco espaço para uma leitura pela via do sentimento.

Para os curiosos da biografia do poeta aqui fica um endereço da rede com uma biografia de confiança

Poeta do transcendente em mim, visão perfeita daquele verso de Fernando Pessoa O que em mim sente stá pensando, de resto coincidente com a caracterização que já Oliveira Martins fazia  de Antero no prefácio aos seus Sonetos

“É um poeta que sente, mas é um raciocínio que pensa. Pensa o que sente; sente o que pensa.”,

os seus sonetos acompanham-nos pela vida logo que os conhecemos.

Enviando por carta a João de Deus o soneto que escolhi, diz-lhe Antero:

E agora aí vai um soneto. Será talvez o primeiro de que gostes por mais alguma coisa que só pela forma.

 

O meu pessimismo tem-se desvanecido com esta vida contemplativa no meio da boa natureza. Reconheci que andar por toda a parte a proclamar, com voz lúgubre, que o mundo é vão, era ainda uma última vaidade… lá vai o soneto –

 

Na mão de Deus, na sua mão direita,

Descansou afinal meu coração.

Do palácio encantado da Ilusão

Desci a passo e passo a escada estreita.

 

Como as flores mortais, com que se enfeita

A ignorãncia infantil, despojo vão,

Depus do Ideal e da Paixão

A forma transitória e imperfeita.

 

Como criança, em lobrega jornada,

Que a mãe leva no colo agasalhada,

E atravessa, sorrindo vagamente,

 

Selvas, mares, areias do deserto…

Dorme o teu sono, coração liberto,

Dorme na mão de Deus eternamente.

 

 

 

É ainda numa carta a João de Deus datada de Vila do Conde que no inicio desse mesmo ano, a 13 de janeiro de 1882, dá conta do estado de espírito que o anima –

“Eu dou-me aqui bem, apesar de viver completamente só. Quando quero falar, vou ao Porto conversar com Oliveira Martins. Se tu ali estivesses também, tinha tudo quanto desejo.

Aqui as praias são amplas e belas, e por elas passeio ou me estendo ao sol, com a voluptuosidade que só conhecem os poetas e os lagartos, adoradores da luz.”

Estes extractos são esclarecedores do ânimo do poeta e a placidez que transparece nas cartas reflecte-se no poema.

Como estamos longe do pessimismo de tanta da sua poesia, numa aceitação da harmonia do mundo qual “criança ... Que a mãe leva no colo… E atravessa sorrindo… Selvas, mares, areias do deserto…”

Fiquemos por agora com este Deus em poesia que nos permite dormir o sono com o coração liberto.

 

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