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Tag Archives: Álvaro de Campos

Da Grécia Antiga, um Hino Órfico à Noite em versão de Herberto Hélder

01 Sexta-feira Abr 2016

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga, Poetas e Poemas

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Antero de Quental, Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Herberto Helder

Paul Klee - Cacodemonic 1916 550pxApenas a Noite, material ou simbólica, nos permite o encontro connosco na verdadeira intimidade do Eu.

Da aproximação do Eu à Noite deram conta os poetas; Fernando Pessoa/Álvaro de Campos com o poema Excertos de Duas Odes: Vem, Noite antiquíssima idêntica,… deu-o de forma genial, tal como genial é a versão de Herberto Hélder para um Hino Órfico à Noite vindo da antiga Grécia: …/ ó Felicidade e Encantamento, Rainha das vigílias, Mãe do sonho, /…, e que a seguir transcrevo.

Este poema, entre outras leituras, torna claro o apelo à harmonia que a noite permite: …/ escuta, ó Indulgente Antiga, a imploração terrena, / e aparece com teu rosto obscuro e lento no meio dos vivos terrores do mundo.

Outras menos encantadas invocações à noite haverá, mas não deixo de referir ainda, e mantendo-me na poesia em português, o genial poema de Antero de Quental, Per Amica Silentia Lunae: Eu amo a noite às horas sossegadas/…, recolhido no volume póstumo, Raios de Extinta Luz.

 

Hino Órfico à Noite

 

Cantarei a criadora dos homens e deuses — cantarei a Noite.

Noite, fonte universal.

Ó forte divindade ardendo com as estrelas, Sol negro,

invadida pela paz e o tranquilo e múltiplo sono,

ó Felicidade e Encantamento, Rainha das vigílias, Mãe do sonho,

e Consoladora, onde as misérias repousam as campânulas de sangue,

ó Embalador, Cavaleira, Luz Negra, Amiga Geral,

ó Incompleta, alternadamente terrestre e celeste,

ó Arredondada no meio das forças tenebrosas,

leve afastando a luz da casa dos mortos e de novo te afastando tu própria.

A terrível Fatalidade é a mãe de todas as coisas,

ó Noite Maravilhosa, Constelação Calma, Ternura Secreta do Tempo,

escuta, ó Indulgente Antiga, a imploração terrena,

e aparece com teu rosto obscuro e lento no meio dos vivos terrores do mundo.

 

Versão de Herberto Hélder

Transcrito de Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Paul Klee (1879-1940).

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Constipações e a receita de Pessoa/Álvaro de Campos

22 Domingo Nov 2015

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa

PronkinNeste Outono de quatro estações, uma grande constipação pode surgir a qualquer de nós, razão para o meu recente prolongado silêncio no blog.

Ao remédio conhecido de mimos e sumo de laranja acrescentei a receita do engenheiro, Álvaro de Campos de seu nome: Preciso de verdade e de aspirina.

A aspirina busquei na farmácia; à verdade, essa vasculhei entre filósofos da minha estima, com Kant e Popper à cabeça. E o que inicialmente foi uma brincadeira com constipação até à metafísica, cresceu bem para lá de qualquer faculdade de julgar, levando-me a febre ao delírio, onde acabei por me perder em conjecturas e refutações, para afinal concluir que é à medida que a vida corre que percebemos como ela é uma busca inacabada.

Aqui chegados, instala-se a dúvida, já nem metódica, mas sistemática, e acabamos por tomar decisões apenas com a certeza do incerto.

Como se compreende, com tamanha barafunda, a poesia, que é sobretudo matéria do sonho, ficou sem espaço enquanto circulei por este país da lógica, tendo até concluído que a crise (em luta com a verdade) não se vence com poesia, porque a poesia não vence nada, a não ser o desanimo, devolvendo às vezes o gosto de estar vivo.*

Vamos então à receita de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos:

 

Tenho uma grande constipação,

E toda a gente sabe como as grandes constipações

Alteram todo o systema do universo,

Zangam-nos com a vida,

E fazem espirrar até à metaphysica.

Tenho o dia perdido cheio de me assoar.

Doe-me a cabeça indistinctamente.

Triste condição para um poeta menor!

Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.

O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

 

Adeus para sempre rainha das fadas!

As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.

Não estarei bem se não me deitar na cama.

Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Excusez du peu… Que grande constipação physica!

Preciso de verdade e de aspirina.

 

 

Nota bibliográfica

Transcrevi, conservando a ortografia, a leitura feita por Teresa Rita Lopes do dactiloscrito datado de 14/3/1931, e sem atribuição de autoria, existente no espólio do poeta. Este poema foi publicado com o nº145 na 2ªedição de ÁLVARO DE CAMPOS  LIVRO DE VERSOS, Edição Crítica, organizado por Teresa Rita Lopes e editado por Editorial Estampa, Lisboa1994.

* esta é uma versão ligeiramente modificada do texto publicado anteriormente no blog em Maio de 2010, desencadeado pelas mesmas causas, mas com enquadramento diferente: nessa data com poemas de Manuel Alegre.

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Em Tavira por Dezembro, também com Fernando Pessoa

06 Terça-feira Jan 2015

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Tavira

Tavira 015 7O poema de Fernando Pessoa — NOTAS SOBRE TAVIRA — que hoje transcrevo, é uma meditação de meio da vida, no confronto de uma paisagem urbana de infância com os sonhos aí sonhados, perante a realidade reencontrada:

…

Paro deante da paisagem, e o que vejo sou eu.

Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos —

Senhor do mundo —

É aos 41 que desembarco do comboio indolentao.

O que conquistei? Nada.

Nada, aliás, tenho a valer conquistado.

Trago o meu tédio e a minha fallencia physicamente no pesar-me mais a mala…

Tavira 015 3

Lemos nele uma reflexão sobre a passagem do tempo desligada da realidade física da cidade hoje, ainda que o velho, que se fez novo, permaneça:

…

Tudo é velho onde fui novo.

Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.

A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.

…

Tavira 015 0Nestes dias de deslumbrante luz, passeei demoradamente em Tavira. Se por um lado os lugares me acendem a memória, por outro, é o conforto de uma continuidade cultural a que chamaria raízes, que a cada volta de uma esquina se revela.

Tavira 015 1Em longos, saboreados e encantados passeios, surpreendi vistas novas de panoramas que comigo vivem desde a infância, e ao olhar outra vez o mesmo, é a dignidade na modéstia da paisagem urbana que intensamente me comove.

Tavira 015 2

Tavira 015 6O branco das paredes exposto ao brilho de um sol intenso, entontece a vista numa inesperada embriguês com o azul do céu em fundo, e de cada ruela espreita em volumes de sábia arquitectura, o jogo dos telhados plantados de rendilhadas chaminés.

Tavira Jan2015 7 500pxTavira e Fernando Pessoa, por via de Álvaro de Campos, são hoje uma associação mental e turística que a cidade cultiva, sendo que esta cruza pontualmente a sua obra.

Tavira 015 5

NOTAS SOBRE TAVIRA

 

[Ms.]                                                   8/12/1931

 

Cheguei finalmente á villa da minha infancia.

Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei.

(Tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).

Tudo é velho onde fui novo.

Dede já — outras lojas, e outras frontarias de pinturas nos mesmos predios —

Um automovel que nunca vi ( não os havia antes)

Estagna amarello escuro ante uma porta entreaberta.

Tudo é velho onde fui novo.

Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.

A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.

Paro deante da paisagem, e o que vejo sou eu.

Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos —

Senhor do mundo —

É aos 41 que desembarco do comboio indolentao.

O que conquistei? Nada.

Nada, aliás, tenho a valer conquistado.

Trago o meu tédio e a minha fallencia physicamente no pesar-me mais a mala…

De repente avanço seguro, resolutamente.

Passou toda a minha hesitação

Esta villa da minha infancia é afinal uma cidade estrangeira.

(Estou á vontade, como sempre, perante o estranho, o que me não é nada)

Sou forasteiro, tourist, transeunte.

É claro: é isso que sou.

Até de mim, meu Deus, até de mim.

Tavira Jan2015 3 500px

Conservei a ortografia do original.

 Tavira Jan2015 91 500px

NOTAS SOBRE TAVIRA é um poema não assinado, nem incluído no envelope A. de Campos no espólio da Biblioteca Nacional, e foi pela primeira vez publicado por Teresa Rita Lopes em 1990, quase em simultâneo nos livros álvaro de campos Vida e Obras do Engenheiro e no precioso Pessoa por conhecer, Textos para um novo mapa, ambos edição de Editorial Estampa.

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Heterónimos de Fernando Pessoa – a carta a Adolfo Casais Monteiro

31 Sexta-feira Maio 2013

Posted by viciodapoesia in Prosa

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Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Fernando Pessoa, Heterónimos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis

Era uma vezOs leitores do blog conhecem, certamente, os heterónimos de Fernando Pessoa. Talvez não conheçam, no entanto, como o poeta os pensou e referiu a Adolfo Casais Monteiro numa carta famosa, datada de Lisboa em 13 de Janeiro de 1935, e publicada pela primeira vez em 1937 na Revista Presença, após a morte do poeta, portanto.

É neste pressuposto que transcrevo parcialmente para o blog, tão relevante documento.

…
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não ao estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
Ano e meio, ou dois anos, depois lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta, mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 —, acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, “O Guardador de Rebanhos”. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio também, os seis poemas que constituem “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente… Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente — uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajudei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à maquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, çriador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes e como eu não sou nada na matéria.
…
Mais uns apontamentos nesta matéria… Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (à 1.30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes, e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mais seco. Álvaro de Campos é alto (1m,75 de altura — mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos — o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma — só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o “Opiário”. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.
Como escrevo em nome desses três?… Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa [Livro do Desassossego] é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas simples mutilação dela. Sou eu, menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de tenue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos, como dizer “eu próprio” em vez de “eu mesmo”, etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim, é escrever a prosa de Reis — ainda inédita — ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso).
…

Transcrevi o texto da edição da Correspondência de Fernando Pessoa editada por Manuela Parreira da Silva e publicada por Assírio & Alvim, Lisboa 1999.

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Fragmentos de Álvaro de Campos

10 Quarta-feira Abr 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Picasso

Bust of a Man - 1972-2

Ora até que enfim…, perfeitamente…
Cá está ela!
Tenho a loucura exactamente na cabeça.

Meu coração estourou como uma bomba de pataco,
E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima…
…

*

Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na acção.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!

Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem – um antes de ontem que é sempre…
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir…
Produtos românticos, nós todos…
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura…
Santos Deuses, assim até se faz a vida!
…

*
Não sei. Falta-me um sentido, um tacto
Para a vida, para o amor, para a glória…
…

Ainda que seja pouco adequado transcrever de um poema apenas um seu fragmento, cortando-lhe eventualmente o sentido que o conjunto revela, há versos que nos tocam por vezes como faíscas e queimam à flor da pele.

Alguns desses que no acaso do folhear, a leitura foi soltando, resolvi aqui transcrever, com as minhas desculpas aos puristas que considerem tal feito um atentado às obras. A totalidade de cada poema pode ser sempre encontrada a partir do primeiro verso, trancrito, em qualquer edição da obra de Alvaro de Campos.

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Diadapoesia comemorado com Alvaro de Campos e iluminado por Baselitz

22 Sexta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Crónicas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Georg Baselitz

Baselitz_Georg-Rebel

Confesso que me passou completamente ao lado a existência de um Dia Mundial da Poesia. De resto, encontrava-me em estado de felicidade absoluta, fazendo da vida pura poesia. Mas como estes eventos esperam comemoração, entrego ao engenheiro Campos a responsabilidade da coisa.

Vai com um dia de atraso, pois o homem, ontem, talvez se encontrasse entre eflúvios alcoólicos.

Tenho escripto mais versos que verdade.
Tenho escripto principalmente
Porque outros teem escripto.
Se nunca tivesse havido poetas no mundo,
Seria eu capaz de ser o primeiro?
Nunca!
Seria um individuo perfeitamente consentivel,
Teria casa propria e moral.
Senhora Gertrudes!
Limpou mal este quarto:
Tire-me essas idéas de aqui!

O poema foi atribuído a Alvaro de Campos por Teresa Rita Lopes, e publicado pela primeira vez no volume II da sua obra, PESSOA POR CONHECER, Editorial Estampa, Lisboa, 1990.

As pinturas que acompanham o artigo a abrir e a fechar são do pintor alemão Georg Baselitz (1938).

Baselitz_Georg-Male_Nude

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Mais Álvaro de Campos – Ai, Margarida, …

06 Quarta-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Edward Burra, Fernando Pessoa

Edward Burra 1905-1976 Tate

Mesmo nas mais aparentes bagatelas poéticas encontramos sobre que reflectir ao ler a poesia de Fernando Pessoa.

Nesta brincadeira sobre a leviandade e o amor, o diálogo entre o casal revela o contraste frequente entre homem e mulher, na oposição entre a fantasia masculina e o pragmatismo feminino.

A forma poética, prenhe de trivialidades, forçou o autor a declarar no final da conversa/poema tratar-se do resultado de uma bebedeira.

Ai, Margarida,
Se eu te désse a minha vida,
Que farias tu com ella?
– Tirava os brincos do prego,
casava c’um homem cego
E ia morar para a Estrella.

Mas, Margarida,
Se eu te désse a minha vida,
Que diria tua mãe?
– (Ella conhece-me a fundo.)
Que ha muito parvo no mundo,
E que eras parvo tambem.

E, Margarida,
Se eu te désse a minha vida
No sentido de morrer?
– Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.

Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fôsse senão poesia?
– Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem effeito.
Nesta casa não se fia.

Comunicado pelo Engenheiro Naval

Sr. Alvaro de Campos em estado

de inconsciencia

alcoolica.

Transcrição ortográfica conforme a edição crítica de Teresa Rita Lopes do Livro de Versos de Álvaro de Campos, Editorial Estampa, 1993.

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Apostilla por Alvaro de Campos ou a reflexão de Fernando Pessoa sobre carpe diem

05 Terça-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Modigliani

Modigliani_Amedeo-The_Young_Apprentice

Deixei há pouco tempo no blog um artigo em torno da Ode a Leucónoe de Horácio. Nele, a defesa do aproveitar a vida que passa sem preocupação pelo amanhã é o assunto. Carpe diem, é a ideia expressa em latim, e desde Horácio surge a espaços na poesia. Encontrámo-la no poema A vida, de Páladas, que aqui também deixei, e hoje retomo-a com o eco que a expressão encontrou em Álvaro de Campos, no poema Apostilla. Aqui, é a peculiar forma da reflexão Pessoana que se desenvolve através do seu heterónimo, interrogando-se sobre o que aproveitar o tempo significa.

Apostilla

Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, para que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha…
O trabalho honesto e superior…
O trabalho á Virgilio, á Milton…
Mas é tam diffícil ser honesto ou ser superior!
É tam pouco provavel ser Milton ou ser Virgilio!

Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos – nem mais nem menos –
Para com elles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)…
Pôr as sensações em castello de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, egual contra egual,
E a vontade em carambola diffícil…
Imagens de jogos ou de paciencias ou de passatempos –
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida…

Verbalismo…
Sim, verbalismo…
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciencia desconheça…
Não ter um acto indefinido nem facticio…
Não ter um movimento desconforme com propositos…
Boas maneiras da alma…
Elegancia de persistir…

Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cerebro está prompto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!

(Passageira que viajavas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti
Qual foi o rhythmo do nosso socego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto? Que foi isto á vida?)

Aproveitar o tempo!…
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!
Deixem-me ser uma folha de arvore, titillada por brisas,
A poeira de uma estrada, involuntaria e sòsinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O peão do garoto, que vae a parar,
E oscilla, no mesmo movimento que o da terra,
E estremece, no mesmo movimento que o da alma,
E cahe, como cahem os deuses, no chão do Destino.

11/4/1928 – data do testemunho dactilografado.
Poema publicado em O Noticias Ilustrado, 27/2/1928.

Transcrição ortográfica conforme a edição crítica de Teresa Rita Lopes do Livro de Versos de Álvaro de Campos, Editorial Estampa, Lisboa, 1993.

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Alvaro de Campos – O Binómio de Newton

04 Segunda-feira Mar 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas, Prosas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Newton

Venus de Milo - Louvre

A uns causa estranheza, a outros, onde me incluo, a comparação feita no poema de Alvaro de Campos entre a Vénus de Milo (escultura grega da colecção do museu do Louvre), arquétipo da beleza feminina pelos séculos, e o binómio de Newton, (solução matemática para um problema de cálculo descoberta pelo físico e matemático inglês, Sir Isaac Newton (1643-1727)), parece justíssima e um golpe de génio poético, a sua formulação.

O binomio de Newton é tão bello como a Venus de Milo.
O que ha é pouca gente para dar por isso.

(Alvaro de Campos)

óóóó—óóóóóó óóó—óóóóóóó óóóóóóóó

(O vento lá fóra)

Acompanho o poema com os seus protagonistas: a abrir, uma foto da Vénus de Milo, da colecção do museu do Louvre, e a seguir, a explicitação matemática do binómio de Newton.

A formulação do binómio de Newton escreve-se  da seguinte forma:
onde os coeficientes  são chamados coeficientes binomiais e definem-se como: onde  e  são inteiros,  e  é o fatorial de x.
O coeficiente binomial  traduz, em análise combinatória, o número combinações de n elementos agrupados k a k.

Quando atacado de insónias, leitor(a), é bom remédio manualmente desenvolver o cálculo arbitrando o x e y da vida, e escolher n e k à medida da insónia. (Deixo à vossa imaginação a matemática da coisa). Rapidamente chega o sono repousante.

Bons sonhos!

Nota bibliográfica

Transcrevi a versão ortográfica de Teresa Rita Lopes na sua edição crítica do Livro de Versos de Álvaro de Campos, o heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935), Editorial Estampa, Lisboa, 1993.

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No lugar dos palácios desertos com Álvaro de Campos

15 Sexta-feira Fev 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Jean-Leon Gerome

Jean-Leon Gerome Turkish BathAinda a propósito do Dia dos Namorados, e agora que percorro o Algarve, onde os ecos da ocupação islâmica, dos seus poetas e das moiras encanadas, vitimas ou carrascos de amores funestos, permanece, ocorre-me um poema de Álvaro de Campos(?), inventado poeta por Fernando Pessoa, nascido em Tavira, sonhando estes ou outros amores:

 

No lógar dos palacios desertos e em ruínas
Á beira do mar,
Leiamos, sorrindo, os segredos das sinas
De quem sabe amar.

Qualquer que elle seja, o destino d’aquelles
Que o amor levou
Para a sombra, ou na luz se fez a sombra d’elles,
Qualquer fôsse o vôo.

Por certo elles fôram mais reaes e felizes

Noticia bibliográfica

O poema, sem atribuição de autoria no espólio, foi atribuído a Álvaro de Campos pela edição da Ática, e retirado do corpus do heterónimo por Teresa Rita Lopes.

Na transcrição segui a ortografia da edição crítica a cargo de Cleonice Berardinelli, publicada por INCM, Lisboa 1990. Esta edição da obra de Álvaro de Campos coloca o poema em Apêndice entre os “poemas éditos, anteriormente atribuídos a Álvaro de Campos”.

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