• Autor
  • O Blog

vicio da poesia

Tag Archives: Ricardo Reis

Ricardo Reis — entre carpe diem e cadáver adiado que procria

17 Sexta-feira Maio 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa do sec. XX

≈ 1 Comentário

Etiquetas

Fernando Pessoa, Ricardo Reis

Os versos impressivos não nos devem fazer esquecer a dimensão do real e o multifacetado que a vida é. No entanto, o gosto da língua tornada poesia tem um apelo por vezes irresistível, fazendo, se distraídos, a vida saber ao que a poesia conta. E hoje, Fernando Pessoa (1888-1935), por via do heterónimo Ricardo Reis quase nos convence da nossa nulidade e apagamento, no peculiar e recorrente entendimento do eu que atravessa a sua poesia:

…/ Perene flui a interminável hora / Que nos confessa nulos. / …

ou ainda:

… / Que é qualquer vida? Breves sóis e sono. / …

 

Nos três poemas que escolhi e hoje transcrevo, surgem diferentes formas de, com ligeiras variações, dizer o mesmo: Nada fica de nada. Nada somos. / …

 

Logo no primeiro poema lemos:

 

… / No mesmo hausto / Em que vivemos, morreremos. Colhe / O dia, porque és ele.

 

para no segundo poema encontrarmos: Sereno aguarda o fim que pouco tarda. / …

 

e no poema com que encerro esta volta: … / O que fazemos é o que somos. .. / … cadáveres / Adiados que procriam.

 

 

O diálogo do que somos com o que lemos é parte essencial de um aprofundar do conhecimento de si, levando à reflexão sobre o porquê de certa leitura se nos acomodar e aqueloutra nos deixar indiferentes ou mesmo incomodar.

 

 

Eis os poemas:

 

 [Uns, com os olhos postos no passado]

 

Uns, com os olhos postos no passado,

Vêem o que não vêem; outros, fitos

Os mesmos olhos no futuro, vêem

O que não pode ver-se.

 

Porque tão longe ir pôr o que está perto —

A segurança nossa? Este é o dia,

Esta é a hora, este o momento, isto

É quem somos, e é tudo.

 

Perene flui a interminável hora

Que nos confessa nulos. No mesmo hausto

Em que vivemos, morreremos. Colhe

O dia, porque és ele.

28-8-1933

 

Odes de Ricardo Reis, Obras Completas de Fernando Pessoa, Edição Ática, Lisboa, 1978.

 

 

[Sereno aguarda o fim que pouco tarda]

 

Sereno aguarda o fim que pouco tarda.

Que é qualquer vida? Breves sóis e sono.

        Quanto pensas emprega

        Em não muito pensares.

 

Ao nauta o mar obscuro e a rota clara.

Tu, na confusa solidão da vida,

        A ti mesmo te elege

        (Não sabes de outro) o porto.

31-7-1932

 

Odes de Ricardo Reis, Obras Completas de Fernando Pessoa, Edição Ática, Lisboa, 1978.

 

 

[Nada fica de nada. Nada somos.] [2]

 

Nada fica de nada. Nada somos.

Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos

Da irrespirável treva que nos pesa

        Da húmida* terra imposta.

 

Leis feitas, estátuas altas, odes findas —

Tudo tem cova sua. Se nós, carnes

A que um íntimo sol dá sangue, temos

        Poente, porque não elas?

 

O que fazemos é o que somos. Nada

Nos cria, nos governa e nos acaba.

Somos contos contando contos, cadáveres

        Adiados que procriam.

28-9-1932

 

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994.  – 168a.

* A edição Ática que referi antes lê no manuscrito humilde em vez de húmida.

 

 

Em apêndice, e como curiosidade para o leitor exigente, transcrevo outra versão do último poema:

 

[Nada fica de nada. Nada somos.] [1]

 

Nada fica de nada. Nada somos.

Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos

Da irrespirável treva que nos pese

        Da húmida* terra imposta,

Cadáveres adiados que procriam.

 

Leis feitas, estátuas vistas, odes findas —

Tudo tem cova sua. Se nós, carnes

A que um íntimo sol dá sangue, temos

        Poente, porque não elas?

Somos contos contando contos, nada.

28-9-1932

 

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994.  – 168.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Carlo Carrá (1881-1966), O menino-prodígio, 1915.

 

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Ricardo Reis — Nunca a alheia vontade, inda que grata, cumpras por própria

21 Domingo Fev 2016

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Curvo Semedo, Fernando Pessoa, Filinto Elísio, George de La Tour, José Régio, La Fontaine, Ricardo Reis

George de La Tour (1593-1652)- Ler a Sina (1632-1635) 600pxDe vez em quando Pessoa: hoje um convite assinado Ricardo Reis para a afirmação do eu independente.

Num mundo amplamente condicionante das escolhas de cada um por modas, juízos sociais e pressões afectivas, afirmar o eu é uma tarefa que só na aparência se tem por conseguida. Antes de escolher, olhamo-nos no espelho dos outros, por mais que nos confortemos com a ilusão da nossa singularidade.

 

 

116

Nunca a alheia vontade, inda que grata,

Cumpras por própria. Manda no que fazes,

Nem de ti mesmo servo.

Ninguém te dá quem és. Nada te mude.

Teu íntimo destino involuntário

Cumpre alto. Sê teu filho

 

19-11-1930

 

 

Diz-se neste poema o mesmo que José Régio (1901-1969) exclamava em 1925 no poema Cântico Negro:

 

Ninguém me diga: “vem por aqui”!

 

…

 

Não sei por onde vou,

 

Não sei para onde vou

 

–  Sei que não vou por aí!

 

 

No tempo em que as fábulas eram prezadas como veículos de aprendizagem de valores e comportamentos, era popular uma versão simplificada da fábula de La Fontaine sobre O velho, o rapaz, e o burro, dando exactamente conta do sem sentido de governarmos o nosso comportamento pela opinião dos outros.

 

O velho, o rapaz, e o burro

 

O mundo ralha de tudo,

Tenha ou não tenha razão,

Quero contar uma história

Em prova desta asserção.

 

Partia um velho campónio

Do seu monte ao povoado;

Levava um neto que tinha,

No seu burrico montado.

 

Encontra uns homens que dizem:

“Olha aquela que tal é!

Montado o rapaz, que é forte,

E o velho, trôpego, a pé!

 

— Tapemos a boca ao mundo,

O velho disse; — rapaz,

Desce do burro, que eu monto,

E vem caminhando atrás.”

 

Monta-se, mas dizer ouve,

“Que patetice tão rata!

O tamanhão, de barrinha,

E o pobre pequeno à pata!

 

— Eu me apeio, diz, prudente,

O velho de boa fé;

Vá o burro sem carrego,

E vamos ambos a pé.”

 

Apeiam-se, e outros lhes dizem:

“Toleirões, calcando a lama!

De que lhes serve o burrinho?

Dormem com ele na cama?

 

— Rapaz, diz o bom do velho,

Se de irmos a pé murmuram,

Ambos no burro montemos,

A ver se inda nos censuram.”

 

Montam, mas ouvem de um lado:

“Apeiem-se almas de breu,

Querem matar o burrinho?

Aposto que não é seu!

 

— Vamos ao chão, diz o velho,

Já não sei que hei-de fazer!

O mundo está de tal sorte,

Que se não pode entender.

 

É mau se monto no burro,

Se o rapaz monta, mau é;

Se ambos montamos é mau,

E é mau se vamos a pé!

 

De tudo me têm ralhado;

Agora que mais me resta?

Peguemos no burro às costas,

Façamos inda mais esta!

 

Pegam no burro; o bom velho

Pelas mãos o ergue do chão,

Pega-lhe o rapaz nas pernas,

E assim caminhando vão.

 

“Olhem dois loucos varridos!

Ouvem com grande sussurro, —

Fazendo mundo às avessas,

Tornados burros do burro!”

 

O velho então pára, e exclama:

“Do que observo me confundo!

Por mais que a gente se mate,

Nunca tapa a boca do mundo.

 

Rapaz, vamos como dantes,

Sirvam-nos estas lições:

É mais que tolo quem dá

Ao mundo satisfações.”

 

Nota bibliográfica e iconográfica

 

Ricardo Reis (nascimento fictício em 19 de Setembro de 1887), Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000. O número do poema é o da edição mencionada.

O poema de José Régio foi publicado em Poemas de Deus e do Diabo (1925), e pode ser encontrado no blog acompanhado de uma sua retumbante leitura por João Villaret.

A versão da fábula de La Fontaine, transcrita de uma edição das suas fábulas recreadas em português (Ed. Minerva, Lisboa, s/d), vem atribuída a Curvo Semedo (1766-1838). Infelizmente, nas edições das obras deste poeta que conheço, não encontrei tal versão.

A fábula de La Fontaine (1621-1695) abre o Livro III das Fábulas e chama-se O Moleiro, o Filho e o Burro. Filinto Elísio (1734-1819) traduziu a fábula integralmente em verso branco e consta da edição das suas Obras Completas, Vol VI, Paris, 1818.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de George de La Tour (1593-1652), A Cartomante.

Jogo de olhares e manifestação simultânea de crendice e velhacaria: enquanto a cartomante prende a atenção do rapaz, ávido de saber o que o espera na vida, as duas jovens aproveitam para o roubar. A composição desenvolve-se de forma magistral entre a linguagem dos olhares e a linguagem das mãos, devolvendo todas as cambiantes do significado da cena. Cena de costumes e armadilha exemplar do jovem aprendiz das ratoeiras da vida.

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Ricardo Reis — Se recordo quem fui, outrem me vejo

16 Quarta-feira Abr 2014

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Fernando Pessoa, Ricardo Reis

O filósofo e o poeta

Tem sido frequente confrontar-me com a memória de mim nos outros e surgir um sentimento de estranheza, ou dizendo com Ricardo Reis, o heterónimo de Fernando Pessoa:

 

Se recordo quem fui, outrem me vejo,

E o passado é um presente na lembrança.

 

A vida vivida aos vinte anos é marca indelével no percurso de cada homem ou mulher. Sabemo-lo quando, passados os cinquenta anos, olhamos para o caminho percorrido e a evidência surge: não vamos voltar a percorrê-lo. O que ficou por fazer não mais se fará.

 

Quem fui é alguém que amo

Porém somente em sonho.

 

Ter tido vinte anos em 1974, permitiu-me e a toda uma geração, viver no furacão dos dias, as ideias e as experiências que em outras conjunturas demorariam anos a acontecer ou nem aconteceriam.

 

quem sou e quem fui

São sonhos diferentes

Ter tido vinte anos em Abril e ser estudante universitário em Portugal permitiu já saber o valor das escolhas: a escolha de divergir das ideias toleráveis e enfrentar a prisão por delito de opinião, a escolha de ir à guerra com o prémio da própria vida.

 

Ganhámos, toda uma geração, a consciência, impregnada na própria pele, de que nada vale o direito de estar vivo e livre para fazer as escolhas que a vontade de cada um ditar.

 

E a saudade que me aflige a mente

Não é de mim nem do passado visto,

Senão de quem habito

Por trás dos olhos cegos.

 

Não sei como se ensina a quem sempre viveu em liberdade e na vida caminhou com estes valores, tendo-os por tão naturais como beber água, que não são naturais. São como bonecas de porcelana, que à menor distracção ou descuido se partem e deixam de existir. Provavelmente apenas ser cerceado deles permite dar-lhes o valor, e cada geração tem que fazer a sua dolorosa aprendizagem.

 

Nada, senão o instante, me conhece.

 

Despeço-me com o poema que por entre a conversa citei.

 

 

Ricardo Reis — Poema 104

 

Se recordo quem fui, outrem me vejo,

E o passado é um presente na lembrança.

Quem fui é alguém que amo

Porém somente em sonho.

E a saudade que me aflige a mente

Não é de mim nem do passado visto,

Senão de quem habito

Por trás dos olhos cegos.

Nada, senão o instante, me conhece.

Minha mesma lembrança é nada, e sinto

Que quem sou e quem fui

São sonhos diferentes

 

26-05-1930

 

in Ricardo Reis, Poesias, edição Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000.

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Vida e Destino com Ricardo Reis

13 Domingo Abr 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Fernando Pessoa, Gerhard Richter, Ricardo Reis

Gerhard Richter Abstracção 1990 (2)

A realidade

Sempre é mais ou menos

Do que nós queremos.

 

Parafraseando Camilo Castelo Branco, diria que os leitores do blog são bons e pacientes, mas também querem não ser tentados a perder essas excelentes qualidades, por isso deixo de lado as obscuridades poéticas com que me tenho ocupado, e dei exemplo nos últimos artigos, e regresso a Fernando Pessoa na forma do seu heterónimo Ricardo Reis.

Num pequeno grupo de poemas criados de 1916 a 1933, lemos diferentes pontos de vista sobre vida e destino consubstanciáveis nos versos Com que vida encherei os poucos breves / Dias que me são dados?

e que abrem o primeiro poema escolhido.

Mais à frente duas reflexões sobre carpe diem — goza o dia —no poema 61 de 1923:

Goza este dia como / Se a Vida fosse nele.,

e no poema 144 de 1933:

No mesmo hausto / Em que vivemos, morreremos. Colhe / O dia, porque és ele.

Oscilando entre desejar o gozo do efémero e a consciência de viver uma vida Que nem quero nem amo, / Minha porque sou ela. (Poema 145), acontece a recomendação Vê de longe a vida. / Nunca a interrogues. / Ela nada pode /Dizer-te. (Poema 34).

Porque a vida, felizmente, não nos surge sempre da mesma cor, terminemos com um desejo:

Sob a leve tutela / De deuses descuidosos, /Quero gastar as concedidas horas / Desta fadada vida. (poema 170),  

Conduzi a dança, ninfas singelas / Até ao amplo gozo / Que tomais da vida. (poema171).

Feito o intróito, seguem-se os poemas.

Gerhard Richter Abstracção 1991

67

 

Com que vida encherei os poucos breves

Dias que me são dados? Será minha

A minha vida ou dada

A outros ou a sombras?

 

À sombra de nós mesmos quantas vezes

Inconscientes nos sacrificamos,

E um destino cumprimos

Nem nosso nem alheio!

 

Porém nosso destino é o que for nosso,

Quem nos deu o acaso, ou, alheio fado,

Anônimo a um anônimo,

Nos arrasta a corrente.

 

Ó deuses imortais, saiba eu ao menos

Aceitar sem querê-lo, sorridente,

O curso áspero e duro

Da strada permitida.

 

5-5-1925

Gerhard Richter Abstracção 1994 (2)

61

De uma só vez recolhe

As flores que puderes.

Não dura mais que até à noite o dia.

Colhe de que lembrares.

 

A vida é pouco e cerca-a

A sombra e o sem-remédio.

Não temos regras que compreendamos,

Súbditos sem governo.

 

Goza este dia como

Se a Vida fosse nele.

Homens nem deuses fadam, nem destinam

Senão que  ignoramos.

 

24-10-1923

Gerhard Richter Abstracção 1992

144

Uns, com os olhos postos no passado,

Vêem o que não vêem; outros, fitos

Os mesmos olhos no futuro, vêem

O que não pode ver-se.

 

Porque tão longe ir pôr o que está perto —

O dia real que vemos? No mesmo hausto

Em que vivemos, morreremos. Colhe

O dia, porque és ele.

 

28-8-1933

Gerhard Richter Abstracção 1993 (2)

145

Súbdito inútil de astros dominantes,

Passageiros como eu, vivo uma vida

Que nem quero nem amo,

Minha porque sou ela.

 

No ergástulo de ser quem sou, contudo,

De em mim pensar me livro, olhando no atro

Os astros que dominam,

Submisso de os ver brilhar.

 

Vastidão vã que finge de infinito

(Como se o infinito se pudesse ver!) —

Dá-me ela a liberdade?

Como, se ela a não tem?

 

19-11-1933

Gerhard Richter Abstracção 1995 (3)

34

Segue o teu destino,

Rega as tuas plantas,

Ama as tuas rosas.

O resto é a sombra

De árvores alheias.

 

A realidade

Sempre é mais ou menos

Do que nós queremos.

Só nós somos sempre

Iguais a nós-próprios.

 

Suave é viver só.

Grande e nobre é sempre

Viver simplesmente.

Deixar a dor nas aras

Como ex-voto aos deuses.

 

Vê de longe a vida.

Nunca a interrogues.

Ela nada pode

Dizer-te. A resposta

Está além dos Deuses.

 

Mas serenamente

Imita o Olímpo

No teu coração.

Os deuses são deuses

Porque não se pensam.

 

1-7-1916

Gerhard Richter Abstracção 1994 (3)

170

Sob a leve tutela

De deuses descuidosos,

Quero gastar as concedidas horas

Desta fadada vida.

 

Nada podendo contra

O ser que me fizeram,

Desejo ao menos que me haja o Fado

Dado a paz por destino.

 

Da verdade não quero

Mais que a vida; que os deuses

Dão vida e não verdade, nem talvez

Saibam qual a verdade.

171

Sob estas árvores ou aquelas árvores

Conduzi a dança,

Conduzi a dança, ninfas singelas

Até ao amplo gozo

Que tomais da vida. Conduzi a dança

E sê quasi humanas

Com o vosso gozo derramado em ritmos

Em ritmos solenes

Que a vossa alegria torna maliciosos

Para nossa triste

Vida que não sabe sob as mesmas árvores

Conduzir a dança…

Gerhard Richter Abstracção 1995

in Ricardo Reis, Poesias, edição Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000.

Acompanham os poemas imagens de pinturas de Gerhard Richter (1932), tituladas todas abstracção, e pintadas entre 1990 e 1995.

Gerhard Richter Abstracção 1995 (2)

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

De vez em quando Pessoa — hoje Os Jogadores de Xadrez de Ricardo Reis

04 Quarta-feira Set 2013

Posted by viciodapoesia in Cânone XXI, Convite à fotografia, Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Fernando Pessoa, Ricardo Reis

Dominic Nahr - Gaza City, Palestinian TerritoriesOuvi dizer que outrora, quando a Pérsia / Tinha não sei qual guerra.

…

Serve-nos a televisão com o jantar, notícias das catástrofes do mundo e do andamento que os políticos lhes dão.

Ardiam casas, saqueadas eram

As arcas e as paredes,

Violadas, as mulheres eram postas

Contra os muros caídos,

Trespassadas de lanças, as crianças

Eram sangue nas ruas…

Mas onde estavam, perto da cidade,

E longe do seu ruído,

…

Inda que nas mensagens do ermo vento

Lhes viessem os gritos,

E, ao refletir, soubessem desde a alma

Que por certo as mulheres

E as tenras filhas violadas eram

Nessa vitória próxima,

…

Fabio Bucciarelli  - Aleppo, SyriaSaber isto o espectador, acrescenta-lhe a ilusão de, ao saber o que acontece, participar na sua resolução: inclui-se na chamada opinião pública.

…

Inda que, no momento que o pensavam,

Uma sombra ligeira

Lhes passasse na fronte alheada e vaga,

Breve seus olhos calmos

Volviam sua atenta confiança

Ao tabuleiro velho.

…

Os jogadores de xadrez jogavam

O jogo de xadrez.

E, na verdade, esta ilusão de assim interferir nos destinos do mundo, permite ganhar a tranquilidade de consciência e dormir em sossego.

Dominic Nahr  - Heglig, SudanQuão longe estamos da indiferença levada aos limites por Fernando Pessoa no poema do heterónimo Ricardo Reis, Os Jogadores de Xadrez, que tenho vindo a citar?

Desde muito novo me debato com a pontual evidência experiencial deste poema e a liminar recusa da indiferença pelo destino do mundo que me rodeia e em que vivo.

Ah! sob as sombras que sem qu’rer nos amam,

Com um púcaro de vinho

Ao lado, e atentos só à inútil faina

Do jogo do xadrez,

Mesmo que o jogo seja apenas sonho

E não haja parceiro,

Imitemos os persas desta história,

E, enquanto lá por fora,

Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida

Chamam por nós, deixemos

Que em vão nos chamem, cada um de nós

Sob as sombras amigas

Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez

A sua indiferença.

Micah Albert - Nairobi, KenyaSoberba interrogação sobre nós e o mundo nos faz este poema! Aí fica na totalidade.

 

Os Jogadores de Xadrez

 

Ouvi dizer que outrora, quando a Pérsia

Tinha não sei qual guerra,

Quando a invasão ardia na Cidade

E as mulheres gritavam,

Dois jogadores de xadrez jogavam

O seu jogo contínuo.

 

À sombra de ampla árvore fitavam

O tabuleiro antigo,

E, ao lado de cada um, esperando os seus

Momentos mais folgados,

Quando havia movido a pedra, e agora

Esperava o adversário,

Um púcaro com vinho refrescava

Sobriamente a sua sede.

 

Ardiam casas, saqueadas eram

As arcas e as paredes,

Violadas, as mulheres eram postas

Contra os muros caídos,

Trespassadas de lanças, as crianças

Eram sangue nas ruas…

Mas onde estavam, perto da cidade,

E longe do seu ruído,

Os jogadores de xadrez jogavam

O jogo de xadrez.

 

Inda que nas mensagens do ermo vento

Lhes viessem os gritos,

E, ao refletir, soubessem desde a alma

Que por certo as mulheres

E as tenras filhas violadas eram

Nessa vitória próxima,

Inda que, no momento que o pensavam,

Uma sombra ligeira

Lhes passasse na fronte alheada e vaga,

Breve seus olhos calmos

Volviam sua atenta confiança

Ao tabuleiro velho.

 

Quando o rei de marfim está em perigo,

Que importa a carne e o osso

Das irmãs e das mães e das crianças?

Quando a torre não cobre

A retirada da rainha alta,

Pouco importa a vitória.

E quando a mão confiada leva o xeque

Ao rei do adversário,

Pouco pesa na alma que lá longe

Estejam morrendo filhos.

 

Mesmo que, de repente, sobre o muro

Surja a sanhuda face

Dum guerreiro invasor, e breve deva

Em sangue ali cair

O jogador solene de xadrez,

O momento antes desse

É ainda entregue ao jogo predileto

Dos grandes indif’rentes.

 

Caiam cidades, sofram povos, cesse

A liberdade e a vida.

Os haveres tranquilos e avitos

Ardem e que se arranquem,

Mas quando a guerra os jogos interrompa,

Esteja o rei sem xeque,

E o de marfim peão mais avançado

Pronto a comprar a torre.

 

Meus irmãos em amarmos Epicuro

E o entendermos mais

De acordo com nós-próprios que com ele,

Aprendamos na história

Dos calmos jogadores de xadrez

Como passar a vida.

 

Tudo o que é sério pouco nos importe,

O grave pouco pese,

O natural impulso dos instintos

Que ceda ao inútil gozo

(Sob a sombra tranqüila do arvoredo)

De jogar um bom jogo.

 

O que levamos desta vida inútil

Tanto vale se é

A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,

Como se fosse apenas

A memória de um jogo bem jogado

E uma partida ganha

A um jogador melhor.

 

A glória pesa como um fardo rico,

A fama como a febre,

O amor cansa, porque é a sério e busca,

A ciência nunca encontra,

E a vida passa e dói porque o conhece…

O jogo do xadrez

Prende a alma toda, mas, perdido, pouco

Pesa, pois não é nada.

 

Ah! sob as sombras que sem qu’rer nos amam,

Com um púcaro de vinho

Ao lado, e atentos só à inútil faina

Do jogo do xadrez,

Mesmo que o jogo seja apenas sonho

E não haja parceiro,

Imitemos os persas desta história,

E, enquanto lá por fora,

Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida

Chamam por nós, deixemos

Que em vão nos chamem, cada um de nós

Sob as sombras amigas

Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez

A sua indiferença.

 

1-6-1916

 

Transcrevi a versão proposta por Manuela Parreira da Silva em Ricardo Reis, Poesia, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000.

 

As fotos que acompanham o artigo pertencem à selecção 2013 de WorldPress Photo, e podem ser encontradas com informação sobre os seus autores seguindo este link AQUI.

 

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Heterónimos de Fernando Pessoa – a carta a Adolfo Casais Monteiro

31 Sexta-feira Maio 2013

Posted by viciodapoesia in Prosa

≈ 1 Comentário

Etiquetas

Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Fernando Pessoa, Heterónimos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis

Era uma vezOs leitores do blog conhecem, certamente, os heterónimos de Fernando Pessoa. Talvez não conheçam, no entanto, como o poeta os pensou e referiu a Adolfo Casais Monteiro numa carta famosa, datada de Lisboa em 13 de Janeiro de 1935, e publicada pela primeira vez em 1937 na Revista Presença, após a morte do poeta, portanto.

É neste pressuposto que transcrevo parcialmente para o blog, tão relevante documento.

…
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não ao estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
Ano e meio, ou dois anos, depois lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta, mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 —, acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, “O Guardador de Rebanhos”. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio também, os seis poemas que constituem “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente… Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente — uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajudei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à maquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, çriador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes e como eu não sou nada na matéria.
…
Mais uns apontamentos nesta matéria… Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (à 1.30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes, e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mais seco. Álvaro de Campos é alto (1m,75 de altura — mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos — o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma — só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o “Opiário”. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.
Como escrevo em nome desses três?… Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa [Livro do Desassossego] é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas simples mutilação dela. Sou eu, menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de tenue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos, como dizer “eu próprio” em vez de “eu mesmo”, etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim, é escrever a prosa de Reis — ainda inédita — ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso).
…

Transcrevi o texto da edição da Correspondência de Fernando Pessoa editada por Manuela Parreira da Silva e publicada por Assírio & Alvim, Lisboa 1999.

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Uma Ode de Ricardo Reis

29 Quinta-feira Nov 2012

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Fernando Pessoa, Ricardo Reis

Em resposta à angústia da crise venho com uma Ode de Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935), para quem o e a desconheça.

Na famosa carta a Adolfo Casais Monteiro, que outro dia transcreverei, Fernando Pessoa conta assim o aparecimento do heterónimo Ricardo Reis:

Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, …
É o heterónimo Alberto Caeiro, o Mestre a quem o poeta se dirige a abrir a Ode:

Mestre, são plácidas / Todas as horas / Que nós perdemos, / Se no perdê-las, / Qual numa jarra, / Nós pomos flores.

Afirmado ao que vem: a placidez do viver é erigida como propósito, na ausência de estremecimentos vãos ou sobressaltos,

Mas decorrê-la, / Tranquilos, plácidos, / Tendo as crianças / Por nossas mestras, / E os olhos cheios / De Natureza…

é na oposição viver a vida / passar por ela, que a Ode se desenvolve,

Não há tristezas / Nem alegrias / Na nossa vida. / Assim saibamos, / Sábios incautos, / Não a viver,

e destacá-lo mais seria esquartejar o poema. Vamos pois, a ele, sem delongas.

Ode

Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.

Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,

Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza…

À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.

O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quasi
Maliciosos,
Sentir-nos ir.

Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.

12-06-1914

Edição de Manuela Parreira da Silva

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Visitas ao Blog

  • 2.061.288 hits

Introduza o seu endereço de email para seguir este blog. Receberá notificação de novos artigos por email.

Junte-se a 874 outros subscritores

Página inicial

  • Ir para a Página Inicial

Posts + populares

  • A valsa — poema de Casimiro de Abreu
  • Camões - reflexões poéticas sobre o desconcerto do mundo
  • Escultura votiva da pré-história mediterrânica

Artigos Recentes

  • Sonetos atribuíveis ao Infante D. Luís
  • Oh doce noite! Oh cama venturosa!— Anónimo espanhol do siglo de oro
  • Um poema de Salvador Espriu

Arquivos

Categorias

Create a free website or blog at WordPress.com.

  • Seguir A seguir
    • vicio da poesia
    • Junte-se a 874 outros seguidores
    • Already have a WordPress.com account? Log in now.
    • vicio da poesia
    • Personalizar
    • Seguir A seguir
    • Registar
    • Iniciar sessão
    • Denunciar este conteúdo
    • Ver Site no Leitor
    • Manage subscriptions
    • Minimizar esta barra
 

A carregar comentários...
 

    %d bloggers gostam disto: