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O mito dos andróginos e um epigrama de Filinto Elísio

29 Quinta-feira Out 2020

Posted by viciodapoesia in Poesia Portuguesa antiga

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Bernard van Orley, Filinto Elísio, mito dos andróginos, O Banquete, Platão

Se no artigo anterior sobre o Fragmento 328 West se condenava violentamente a promiscuidade sexual e o seu comércio, a busca da metade que nos falta tomando à letra o mito dos andróginos narrado por Aristófanes no diálogo O Banquete  (189d-193-d) de Platão (428/27-348/47 a.C.) não sai beliscada. Ou seja a demanda sexual do outro é perfeitamente justificável à luz da vida casta dos estóicos, salvaguardadas que sejam temperança e dignidade humana.

Na floresta imensa das composições poéticas de Filinto Elísio (1734-1819) tantas delas datadas no assunto e no estilo para o leitor de hoje, surgem alguns poemas que pelo tema continuam a falar-nos, sendo sempre servidos por uma arte poética de enorme sofisticação. 

Hoje trago aos leitores um seu epigrama com a leitura poética do mito dos andróginos que acima mencionei. Nele, e para quem conheça o discurso de Aristófanes no diálogo O Banquete de Platão, o epigrama aborda apenas a busca heterossexual, enquanto Aristófanes (ou antes Platão pela boca daquele) é mais abrangente e inclui também a explicação para a busca homossexual. 

Filinto Elísio não resiste à ironia e no último verso mostra o seu cepticismo sobre a veracidade do mito:

…

—Ei-la — (nos diz o coração ) — É aquela —

Mas vamos a prová-Ia, e nunca é ela.

 

 

EPIGRAMA

 

Prometeu, quando fez o homem primeiro,

Macho e fêmea, dous corpos fez, pegados:

Porém Jóve um composto assim inteiro

Partiu em dous ternissimos bocados.

Daqui nos vem andarmos sempre ao cheiro

Dos membros, que nos foram arrancados.

—Ei-la — (nos diz o coração ) — É aquela —

Mas vamos a prová-Ia, e nunca é ela.

in Filinto Elysio, Obras Completas, tomo 1.º, Paris, Na oficina de A. Bobée, 1817.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Bernard van Orley (1492?-1542) também conhecido como Bernard, Barent, ou Barend, pintor flamengo chamado o Rafael do Norte. A pintura, para lhe ser dada legitimidade icónica pretende representar Júpiter e a Ninfa.

 

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Da beleza numa fábula de Filinto Elísio com passagem pelo filósofo Kant

28 Quinta-feira Set 2017

Posted by viciodapoesia in Crónicas, Poesia Antiga

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Bernardo Strozzi, Diego Velasquez, Filinto Elísio, Immanuel Kant, Quentin MASSYS

Isto da beleza tem muito que se lhe diga. Ainda que pareça existir um cânon universalmente aceite sobre o que é belo (estou apenas a falar da beleza física), basta começar a listar onde identificamos a beleza para que a controvérsia surja. E a poesia ecfrástica a começar no Cântico dos Cânticos está aí para o provar.

Fundamentalmente subjectivo, o juízo sobre o belo dificilmente põe de acordo duas pessoas, e logo que sobre si próprios se debrucem, a disparidade não pode ser maior.

Nesta volúvel conversa, não resisto a citar o filósofo Immanuel Kant (1724-1804):

…
Se uma certa porção de vaidade em nada diminui uma mulher aos olhos do sexo masculino, não obstante, quando tal se torna mais visível, contribui para dividir o belo sexo. Elas julgam-se entre si muito duramente, quando se percebe que uma obscurece os encantos das demais, e as que têm grandes pretensões de sedução raras vezes são amigas, no verdadeiro sentido da palavra.
…

 

O nosso sábio filósofo, atribuindo-se o papel de árbitro, que não exactamente o de Páris na lenda, mas entre o que respeita a homens e a mulheres, antes escrevera:

…
A virtude da mulher é uma virtude bela, a do sexo masculino deve ser uma virtude nobre.
…
A vaidade que se costuma reprovar ao belo sexo, se é defeito, é então um defeito belo. Pois, os homens tão dados a galantear as senhoras, mais não fazem do que avivar os seus encantos e ficariam numa situação delicada, se elas não estivessem dispostas a aceitar os seus avanços lisonjeadores. Esta inclinação é o estímulo a mostrar-se receptivo e a observar o decoro, para dar livre curso a uma jovialidade espirituosa, e também a brilhar através das invenções volúveis do traje se lhe realçam beleza. Nisto nada há de ofensivo para os outros, aliás, se inspirada pelo bom gosto, é coisa tão encantadora que seria má educação censurá-la com críticas peguilhantes.
…
(1)

Esta reflexão sobre a condição feminina no século XVIII é contemporânea da avaliação feminino/masculino feita na fábula de Filinto Elisio (1734-1819) por interpostos animais, macaca e burro, como convém a estas moralidades, e que a seguir transcrevo.

 

A macaca e o burro

No cristal de uma fonte clara e pura
Uma macaca estava contemplando
             a sua formosura:
Os momos*, e os pulinhos revezando,
Da sua presunção indícios dava.
E de ser bela, com prazer, gozava.
           Um burro, que pastava
Não longe do mostrengo presunçoso,
Condoído as orelhas sacudia.
           E consigo dizia:
Se, ao menos, o meu porte grave e airoso;
Se a minha voz tonante ela tivera,
De ser vaidosa, a permissão lhe eu dera.

* macaquices

Temos assim esboçados claros exemplos das virtude bela e virtude nobre na distinção precisa do nosso filósofo.

Na fábula estamos perante três interlocutores: a macaca, o burro, e o leitor. Se no texto da fábula fica claro como os protagonistas se vêm a si próprios; ao leitor, o entendimento da qualidade e extensão da beleza é aspecto em aberto, deixando à sua sensibilidade a  liberdade de avaliar.

(1) in Immanuel Kant de Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, tradução de Pedro Panarra, Edições 70, Lisboa, 2017.

Abrem e fecham o artigo dois extremos de beleza canónica: A Vénus ao espelho pintada por Diego Velasquez (1599-1660), e A velha marquesa imortalizada por Quentin Massys (1466-1530). Pelo meio temos uma mulher de idade a cuidar do seu aspecto, pintada por Bernardo Strozzi (1581-1644) em 1635. Nos seus contrastes e simbologia revelam as diferenças entre o ideal e o real na nossa imaginação.

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Ricardo Reis — Nunca a alheia vontade, inda que grata, cumpras por própria

21 Domingo Fev 2016

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Curvo Semedo, Fernando Pessoa, Filinto Elísio, George de La Tour, José Régio, La Fontaine, Ricardo Reis

George de La Tour (1593-1652)- Ler a Sina (1632-1635) 600pxDe vez em quando Pessoa: hoje um convite assinado Ricardo Reis para a afirmação do eu independente.

Num mundo amplamente condicionante das escolhas de cada um por modas, juízos sociais e pressões afectivas, afirmar o eu é uma tarefa que só na aparência se tem por conseguida. Antes de escolher, olhamo-nos no espelho dos outros, por mais que nos confortemos com a ilusão da nossa singularidade.

 

 

116

Nunca a alheia vontade, inda que grata,

Cumpras por própria. Manda no que fazes,

Nem de ti mesmo servo.

Ninguém te dá quem és. Nada te mude.

Teu íntimo destino involuntário

Cumpre alto. Sê teu filho

 

19-11-1930

 

 

Diz-se neste poema o mesmo que José Régio (1901-1969) exclamava em 1925 no poema Cântico Negro:

 

Ninguém me diga: “vem por aqui”!

 

…

 

Não sei por onde vou,

 

Não sei para onde vou

 

–  Sei que não vou por aí!

 

 

No tempo em que as fábulas eram prezadas como veículos de aprendizagem de valores e comportamentos, era popular uma versão simplificada da fábula de La Fontaine sobre O velho, o rapaz, e o burro, dando exactamente conta do sem sentido de governarmos o nosso comportamento pela opinião dos outros.

 

O velho, o rapaz, e o burro

 

O mundo ralha de tudo,

Tenha ou não tenha razão,

Quero contar uma história

Em prova desta asserção.

 

Partia um velho campónio

Do seu monte ao povoado;

Levava um neto que tinha,

No seu burrico montado.

 

Encontra uns homens que dizem:

“Olha aquela que tal é!

Montado o rapaz, que é forte,

E o velho, trôpego, a pé!

 

— Tapemos a boca ao mundo,

O velho disse; — rapaz,

Desce do burro, que eu monto,

E vem caminhando atrás.”

 

Monta-se, mas dizer ouve,

“Que patetice tão rata!

O tamanhão, de barrinha,

E o pobre pequeno à pata!

 

— Eu me apeio, diz, prudente,

O velho de boa fé;

Vá o burro sem carrego,

E vamos ambos a pé.”

 

Apeiam-se, e outros lhes dizem:

“Toleirões, calcando a lama!

De que lhes serve o burrinho?

Dormem com ele na cama?

 

— Rapaz, diz o bom do velho,

Se de irmos a pé murmuram,

Ambos no burro montemos,

A ver se inda nos censuram.”

 

Montam, mas ouvem de um lado:

“Apeiem-se almas de breu,

Querem matar o burrinho?

Aposto que não é seu!

 

— Vamos ao chão, diz o velho,

Já não sei que hei-de fazer!

O mundo está de tal sorte,

Que se não pode entender.

 

É mau se monto no burro,

Se o rapaz monta, mau é;

Se ambos montamos é mau,

E é mau se vamos a pé!

 

De tudo me têm ralhado;

Agora que mais me resta?

Peguemos no burro às costas,

Façamos inda mais esta!

 

Pegam no burro; o bom velho

Pelas mãos o ergue do chão,

Pega-lhe o rapaz nas pernas,

E assim caminhando vão.

 

“Olhem dois loucos varridos!

Ouvem com grande sussurro, —

Fazendo mundo às avessas,

Tornados burros do burro!”

 

O velho então pára, e exclama:

“Do que observo me confundo!

Por mais que a gente se mate,

Nunca tapa a boca do mundo.

 

Rapaz, vamos como dantes,

Sirvam-nos estas lições:

É mais que tolo quem dá

Ao mundo satisfações.”

 

Nota bibliográfica e iconográfica

 

Ricardo Reis (nascimento fictício em 19 de Setembro de 1887), Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000. O número do poema é o da edição mencionada.

O poema de José Régio foi publicado em Poemas de Deus e do Diabo (1925), e pode ser encontrado no blog acompanhado de uma sua retumbante leitura por João Villaret.

A versão da fábula de La Fontaine, transcrita de uma edição das suas fábulas recreadas em português (Ed. Minerva, Lisboa, s/d), vem atribuída a Curvo Semedo (1766-1838). Infelizmente, nas edições das obras deste poeta que conheço, não encontrei tal versão.

A fábula de La Fontaine (1621-1695) abre o Livro III das Fábulas e chama-se O Moleiro, o Filho e o Burro. Filinto Elísio (1734-1819) traduziu a fábula integralmente em verso branco e consta da edição das suas Obras Completas, Vol VI, Paris, 1818.

Abre o artigo a imagem de uma pintura de George de La Tour (1593-1652), A Cartomante.

Jogo de olhares e manifestação simultânea de crendice e velhacaria: enquanto a cartomante prende a atenção do rapaz, ávido de saber o que o espera na vida, as duas jovens aproveitam para o roubar. A composição desenvolve-se de forma magistral entre a linguagem dos olhares e a linguagem das mãos, devolvendo todas as cambiantes do significado da cena. Cena de costumes e armadilha exemplar do jovem aprendiz das ratoeiras da vida.

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