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Se no artigo anterior sobre o Fragmento 328 West se condenava violentamente a promiscuidade sexual e o seu comércio, a busca da metade que nos falta tomando à letra o mito dos andróginos narrado por Aristófanes no diálogo O Banquete  (189d-193-d) de Platão (428/27-348/47 a.C.) não sai beliscada. Ou seja a demanda sexual do outro é perfeitamente justificável à luz da vida casta dos estóicos, salvaguardadas que sejam temperança e dignidade humana.

Na floresta imensa das composições poéticas de Filinto Elísio (1734-1819) tantas delas datadas no assunto e no estilo para o leitor de hoje, surgem alguns poemas que pelo tema continuam a falar-nos, sendo sempre servidos por uma arte poética de enorme sofisticação. 

Hoje trago aos leitores um seu epigrama com a leitura poética do mito dos andróginos que acima mencionei. Nele, e para quem conheça o discurso de Aristófanes no diálogo O Banquete de Platão, o epigrama aborda apenas a busca heterossexual, enquanto Aristófanes (ou antes Platão pela boca daquele) é mais abrangente e inclui também a explicação para a busca homossexual. 

Filinto Elísio não resiste à ironia e no último verso mostra o seu cepticismo sobre a veracidade do mito:

—Ei-la — (nos diz o coração ) — É aquela —

Mas vamos a prová-Ia, e nunca é ela.

 

 

EPIGRAMA

 

Prometeu, quando fez o homem primeiro,

Macho e fêmea, dous corpos fez, pegados:

Porém Jóve um composto assim inteiro

Partiu em dous ternissimos bocados.

Daqui nos vem andarmos sempre ao cheiro

Dos membros, que nos foram arrancados.

—Ei-la — (nos diz o coração ) — É aquela —

Mas vamos a prová-Ia, e nunca é ela.

in Filinto Elysio, Obras Completas, tomo 1.º, Paris, Na oficina de A. Bobée, 1817.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Bernard van Orley (1492?-1542) também conhecido como Bernard, Barent, ou Barend, pintor flamengo chamado o Rafael do Norte. A pintura, para lhe ser dada legitimidade icónica pretende representar Júpiter e a Ninfa.