• Autor
  • O Blog

vicio da poesia

Tag Archives: Heterónimos de Fernando Pessoa

Quadras: do Povo a Fernando Pessoa para a Dança camponesa de Bruegel

17 Sexta-feira Abr 2015

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga, Poetas e Poemas

≈ Deixe um comentário

Etiquetas

Heterónimos de Fernando Pessoa, Pieter Bruegel, Quadras Populares

Bruegel - danças camponesasAEncanta-me a pintura de Pieter Bruegel (1520-1569) no seu colorido e detalhe descritivo. Dando conta de um mundo extinto, muito do que lá se vê ainda por cá acontece. Por exemplo, a festa de camponeses. À parte a roupa, que diferenças de atmosfera encontramos na pintura que não se repitam hoje, logo que a ocasião se proporcione? No fixo da representação a alegria transborda e as gentes conversam, dançam e namoram à nossa frente como se ali estivéssemos a um par de metros.

Na verdade, uma das proezas técnicas da pintura é a localização do observador. Pintada a cena ao nível do nosso olhar, com o uso de uma perspectiva rigorosa, apenas usual em paisagem e não em multidão, é essa posição que nos dá a ilusão de presenciar a festa no momento em que ela decorre.

É uma pintura de onde a ironia, a sátira, e mesmo a metáfora estão ausentes. Representa-se apenas gente vivendo os seus costumes, e o uso da perspectiva central coloca o pintor e nós como parte desta humanidade.

Na representação das figuras, o desenho usa da mais pura técnica clássica, tal qual como se de uma representação religiosa, mística ou de altos personagens se tratasse, e não de gente simples (que à época não era assunto de pintura), dispensando em absoluto o maneirismo ou o anedótico.

A pintura é de grandes dimensões (114x164cm) e vê-la proporciona um imenso prazer. Pintou-a o artista no final da vida, por volta de 1568, e guarda-se no museu de arte antiga de Viena.

Acrescento alguns detalhes para seu maior prazer, leitor.

Bruegel - danças camponesas 1

Bruegel - danças camponesas 2

Bruegel - danças camponesas 3

Bruegel - danças camponesas 4Termino com um grande plano do beijo que na pintura surge ao cimo, à esquerda, acompanhado por populares declarações de amor em quadra, a que entremeio a inspiração de Fernando Pessoa.

Bruegel - danças camponesas 5

Apalpei meu lado esquerdo

Nao achei o coração,

Chegou-me a feliz notícia

Que estava na tua mão.

(Popular)

Quando passo um dia inteiro

Sem ver o meu amorzinho,

Corre um frio de Janeiro

No Junho do meu carinho.

Fernando Pessoa (1920)

Tenho dentro do meu peito

Duas escadas de flores,

Por uma descem suspiros,

Por outra sobem amores.

(Popular)

Se morrendo eu acabar

E nada restar de mim,

Não te esqueças de lembrar

Que só te esqueci assim.

Fernando Pessoa (1934)

O papel em que te escrevo

Tenho-o na palma da mão:

A tinta sai-me dos olhos

E a pena do coração.

(Popular)

Até breve!

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Heterónimos de Fernando Pessoa – a carta a Adolfo Casais Monteiro

31 Sexta-feira Maio 2013

Posted by viciodapoesia in Prosa

≈ 1 Comentário

Etiquetas

Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Fernando Pessoa, Heterónimos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis

Era uma vezOs leitores do blog conhecem, certamente, os heterónimos de Fernando Pessoa. Talvez não conheçam, no entanto, como o poeta os pensou e referiu a Adolfo Casais Monteiro numa carta famosa, datada de Lisboa em 13 de Janeiro de 1935, e publicada pela primeira vez em 1937 na Revista Presença, após a morte do poeta, portanto.

É neste pressuposto que transcrevo parcialmente para o blog, tão relevante documento.

…
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não ao estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)
Ano e meio, ou dois anos, depois lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta, mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira — foi em 8 de Março de 1914 —, acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, “O Guardador de Rebanhos”. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio também, os seis poemas que constituem “Chuva Oblíqua”, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente… Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.
Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir — instintiva e subconscientemente — uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajudei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à maquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a “Ode Triunfal” de Álvaro de Campos — a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, çriador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes e como eu não sou nada na matéria.
…
Mais uns apontamentos nesta matéria… Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (à 1.30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes, e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mais seco. Álvaro de Campos é alto (1m,75 de altura — mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos — o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo porém liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma — só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o “Opiário”. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.
Como escrevo em nome desses três?… Caeiro por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas coisas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa [Livro do Desassossego] é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas simples mutilação dela. Sou eu, menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de tenue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos, como dizer “eu próprio” em vez de “eu mesmo”, etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim, é escrever a prosa de Reis — ainda inédita — ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso).
…

Transcrevi o texto da edição da Correspondência de Fernando Pessoa editada por Manuela Parreira da Silva e publicada por Assírio & Alvim, Lisboa 1999.

Partilhar:

  • Tweet
  • E-mail
  • Partilhar no Tumblr
  • WhatsApp
  • Pocket
  • Telegram

Gostar disto:

Gosto Carregando...

Visitas ao Blog

  • 2.092.825 hits

Introduza o seu endereço de email para seguir este blog. Receberá notificação de novos artigos por email.

Junte-se a 876 outros subscritores

Página inicial

  • Ir para a Página Inicial

Posts + populares

  • Camões - reflexões poéticas sobre o desconcerto do mundo
  • Elogio da sombra — poema de Jorge Luis Borges
  • A valsa — poema de Casimiro de Abreu

Artigos Recentes

  • Sonetos atribuíveis ao Infante D. Luís
  • Oh doce noite! Oh cama venturosa!— Anónimo espanhol do siglo de oro
  • Um poema de Salvador Espriu

Arquivos

Categorias

Site no WordPress.com.

  • Seguir A seguir
    • vicio da poesia
    • Junte-se a 876 outros seguidores
    • Already have a WordPress.com account? Log in now.
    • vicio da poesia
    • Personalizar
    • Seguir A seguir
    • Registar
    • Iniciar sessão
    • Denunciar este conteúdo
    • Ver Site no Leitor
    • Manage subscriptions
    • Minimizar esta barra
 

A carregar comentários...
 

    %d bloggers gostam disto: