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Em Tavira por Dezembro, também com Fernando Pessoa

06 Terça-feira Jan 2015

Posted by viciodapoesia in Poetas e Poemas

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Álvaro de Campos, Fernando Pessoa, Tavira

Tavira 015 7O poema de Fernando Pessoa — NOTAS SOBRE TAVIRA — que hoje transcrevo, é uma meditação de meio da vida, no confronto de uma paisagem urbana de infância com os sonhos aí sonhados, perante a realidade reencontrada:

…

Paro deante da paisagem, e o que vejo sou eu.

Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos —

Senhor do mundo —

É aos 41 que desembarco do comboio indolentao.

O que conquistei? Nada.

Nada, aliás, tenho a valer conquistado.

Trago o meu tédio e a minha fallencia physicamente no pesar-me mais a mala…

Tavira 015 3

Lemos nele uma reflexão sobre a passagem do tempo desligada da realidade física da cidade hoje, ainda que o velho, que se fez novo, permaneça:

…

Tudo é velho onde fui novo.

Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.

A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.

…

Tavira 015 0Nestes dias de deslumbrante luz, passeei demoradamente em Tavira. Se por um lado os lugares me acendem a memória, por outro, é o conforto de uma continuidade cultural a que chamaria raízes, que a cada volta de uma esquina se revela.

Tavira 015 1Em longos, saboreados e encantados passeios, surpreendi vistas novas de panoramas que comigo vivem desde a infância, e ao olhar outra vez o mesmo, é a dignidade na modéstia da paisagem urbana que intensamente me comove.

Tavira 015 2

Tavira 015 6O branco das paredes exposto ao brilho de um sol intenso, entontece a vista numa inesperada embriguês com o azul do céu em fundo, e de cada ruela espreita em volumes de sábia arquitectura, o jogo dos telhados plantados de rendilhadas chaminés.

Tavira Jan2015 7 500pxTavira e Fernando Pessoa, por via de Álvaro de Campos, são hoje uma associação mental e turística que a cidade cultiva, sendo que esta cruza pontualmente a sua obra.

Tavira 015 5

NOTAS SOBRE TAVIRA

 

[Ms.]                                                   8/12/1931

 

Cheguei finalmente á villa da minha infancia.

Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei.

(Tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).

Tudo é velho onde fui novo.

Dede já — outras lojas, e outras frontarias de pinturas nos mesmos predios —

Um automovel que nunca vi ( não os havia antes)

Estagna amarello escuro ante uma porta entreaberta.

Tudo é velho onde fui novo.

Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.

A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.

Paro deante da paisagem, e o que vejo sou eu.

Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos —

Senhor do mundo —

É aos 41 que desembarco do comboio indolentao.

O que conquistei? Nada.

Nada, aliás, tenho a valer conquistado.

Trago o meu tédio e a minha fallencia physicamente no pesar-me mais a mala…

De repente avanço seguro, resolutamente.

Passou toda a minha hesitação

Esta villa da minha infancia é afinal uma cidade estrangeira.

(Estou á vontade, como sempre, perante o estranho, o que me não é nada)

Sou forasteiro, tourist, transeunte.

É claro: é isso que sou.

Até de mim, meu Deus, até de mim.

Tavira Jan2015 3 500px

Conservei a ortografia do original.

 Tavira Jan2015 91 500px

NOTAS SOBRE TAVIRA é um poema não assinado, nem incluído no envelope A. de Campos no espólio da Biblioteca Nacional, e foi pela primeira vez publicado por Teresa Rita Lopes em 1990, quase em simultâneo nos livros álvaro de campos Vida e Obras do Engenheiro e no precioso Pessoa por conhecer, Textos para um novo mapa, ambos edição de Editorial Estampa.

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Figos: prazer e memória com poesia de Eugénio de Andrade

20 Sexta-feira Jul 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Crónicas, Poetas e Poemas

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Eugénio de Andrade, Figos, Giovanna Garzoni, Tavira

Ardidos que estão milhares de hectares de arvoredo na tragédia do incêndio de ontem, no seu rescaldo, a dureza da perda levará as gentes a um esforço redobrado de recuperação, e a paisagem agora nua e calcinada reverdecerá, como pelos séculos em que estas terras têm sido habitadas, a espaços aconteceu. De toda a vegetação queimada, são as figueiras perdidas que mais lamento.

A Figueira

Este poema começa no verão,
os ramos da figueira a rasar
a terra convidavam a estender-me
à sua sombra. Nela
me refugiava como num rio.
A mãe ralhava: A sombra
da figueira é maligna, dizia.
Eu não acreditava, bem sabia
como cintilavam maduros e abertos
seus frutos aos dentes matinais.
Ali esperei por essas coisas
reservadas aos sonhos. Uma flauta
longínqua tocava numa écloga
apenas lida. A poesia roçava-
me o corpo desperto até ao osso,
procurava-me com tal evidência
que eu sofria por não poder dar-lhe
figura: pernas, braços, olhos, boca.
Mas naquele céu verde da Agosto
apenas me roçava, e partia.

Apenas aflorados neste poema de Eugénio de Andrade (1923-2005), os figos frescos são fruta frágil com exigências caprichosas no seu amadurecimento e apanha, pelo menos para os aficionados. A hora ideal para os apanhar e comer directamente da árvore é o alvorecer, quando a “brandura” derramada pela noite ainda permanece. Apanhados e comidos durante o dia ou mesmo ao entardecer de uma daquelas tardes de verão do Sul, onde o calor brilha no restolho dourado, ao som do zumbido das cigarras, são receita certa para problemas intestinais. Ao entrever as delicias das próximas férias, é neles que penso, e pouco mais. Mar e nadar, certamente. Mas a incerteza sobre a multidão mitiga-me o entusiasmo. Num horizonte de nada fazer, à oportunidade de reencontrar as comidas de boa memória, redobra-me o entusiasmo de partir.
Alimento de excelência no Sul, prepará-los e gozá-los ao longo do ano foi matéria de invenção das gentes onde o figo abunda. Por exemplo, associo o Dia de Todos-os-Santos sobretudo aos figos. Nas terras do Sul foi desde que me recordo um dia festivo, ficando para o dia seguinte, 2 de Novembro, a celebração dos mortos, no que se chamava Dia de Finados. Finados, aqueles para quem a vida chegou ao fim, Apenas recentemente o Dia de Finados se sobrepôs ao Dia de Todos-os-Santos.
Como qualquer dia festivo também o Dia de Todos-os-Santos tinha, e tem para quem ainda pratica, as suas comidas de celebração, e neste dia, no meu berço Natal, são os figos, e os doces com figo, os reis: figos cheios (figos recheados com chocolate, açúcar e canela e ligeiramente torrados no forno), bombons de figo (pasta de figo moído, açúcar, canela e algo mais que faz o segredo da receita), enrolado em pequenas bolas guardadas em papel colorido, e estrelas (figos abertos em três pontas unidos dois a dois com miolos de amêndoa na extremidade e passados ligeiramente pelo calor do forno para colar). Estas especialidades da época, que felizmente a minha mãe não dispensa e continua a fazer, remetem-me para o tempo da despreocupada infância.
São os figos que me trazem a única memória de uma bisavó.
Comecei na escola paga quando fiz três anos. Era a escola da menina Emília. Não existindo infantários, as primeiras letras eram ensinadas aos meninos e meninas naqueles anos cinquenta, em casas particulares, por uma senhora que organizava esta escola doméstica, paga chamada, pois este ensino tinha uma mensalidade, ao contrário do ensino oficial e obrigatório a partir dos sete anos, que era gratuito. Nas famílias com mais necessidades as crianças apenas começavam a aprendizagem das letras nesta escola oficial, e assim se fazia a diferenciação para a vida. Quando cheguei ao ensino oficial lia, escrevia e sabia a matemática elementar (tabuada) como apenas a outra meia dúzia na minha situação o sabiam entre cerca de 30 rapazes.
Voltando à bisavó, morava na mesma rua da menina Emília. A escola ficava ao cimo da rua do Malfor, perto da passagem de nível, ou seja, do cruzamento da rua com a linha de comboio. A casa da bisavó era um pouco mais abaixo. Quando terminada a escola regressava à tarde a casa, passava-lhe junto à porta. Habitualmente estava à janela e muitas vezes chamava-me para lanchar. Nestas visitas, o prémio que recordo era tentar tirar-lhe de dentro dos bolsos das saias alguns figos secos ou torrados que sempre lá estavam, e que ela na brincadeira esquivava. Não sei de outros que, comidos depois, me soubessem melhor.

Despeço-me de toda esta evocação, onde afinal foi do passar do tempo que falei, com Prato de Figos, poema de Eugénio de Andrade em que uma metáfora do envelhecimento se escreve.

Prato de Figos

Também a poesia é filha
da necessidade —
esta que me chega um pouco já
fora do tempo
deixou de ser a sumarenta alegria
do sol sobre a boca;
esta, perdida a fresca
e nacarada pele adolescente,
mais parece um desses figos
secos ao sol de muitos dias
que num inverno sempre se encontram
postos num prato
para comeres junto ao fogo.

Vai o artigo acompanhado pelas apetitosas pinturas de Giovanna Garzoni (1600-1670).

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Portas em Tavira e um poema de José Régio

21 Segunda-feira Mar 2011

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia, Crónicas, Poesia Portuguesa do sec. XX

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José Régio, Tavira

Razões familiares ligam-me a Tavira especialmente nas oitenta e duas Primaveras decorridas desde 21 de Março de 1928. É um pouco da história deste período que estas portas contam.

Enquanto acesso à entrada num mundo, qualquer que ele seja, a porta marca um corte entre um antes e um depois.

Entre o eterno e o efémero decorrem os dias de uma vida, no silencioso suceder das estações, qual fluir do rio que corre na minha cidade, ia dizer aldeia como Pessoa, ainda que a ligação do poeta a Tavira seja através de Álvaro de Campos e não do seu mestre Caeiro.

Afinal é em José Régio e no seu livro Música Ligeira que encontro o poema adequado a transmitir esta serenidade primaveril, satisfeita de uma vida vivida sem deliberadamente prejudicar ninguém:

Viver à beira da morte

No gosto de mais um dia,

Nem eu diria

Que tão pouco me conforte.

 

Mas para quem

Não tem senão esse pouco,

Seria louco

Perder o pouco que tem.

 

Gozar o que, sem futuro,

Perdura uns breves instantes,

Não era dantes,

Mas hoje, é o bem que procuro.

 

Mais uma vez brilha o Sol!

E é de prever que à tardinha

Desponte a Lua, vizinha

Do resplendor do arrebol.

 

Talvez que a noite comprida

Traga outra manhã, depois.

Um dia e outro, são dois.

Não são dois dias a vida?

 

Nem eu diria

Que tão pouco me conforte:

Viver à beira da morte

No gosto de mais um dia.

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