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Neste Outono de quatro estações, uma grande constipação pode surgir a qualquer de nós, razão para o meu recente prolongado silêncio no blog.
Ao remédio conhecido de mimos e sumo de laranja acrescentei a receita do engenheiro, Álvaro de Campos de seu nome: Preciso de verdade e de aspirina.
A aspirina busquei na farmácia; à verdade, essa vasculhei entre filósofos da minha estima, com Kant e Popper à cabeça. E o que inicialmente foi uma brincadeira com constipação até à metafísica, cresceu bem para lá de qualquer faculdade de julgar, levando-me a febre ao delírio, onde acabei por me perder em conjecturas e refutações, para afinal concluir que é à medida que a vida corre que percebemos como ela é uma busca inacabada.
Aqui chegados, instala-se a dúvida, já nem metódica, mas sistemática, e acabamos por tomar decisões apenas com a certeza do incerto.
Como se compreende, com tamanha barafunda, a poesia, que é sobretudo matéria do sonho, ficou sem espaço enquanto circulei por este país da lógica, tendo até concluído que a crise (em luta com a verdade) não se vence com poesia, porque a poesia não vence nada, a não ser o desanimo, devolvendo às vezes o gosto de estar vivo.*
Vamos então à receita de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos:
Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o systema do universo,
Zangam-nos com a vida,
E fazem espirrar até à metaphysica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Doe-me a cabeça indistinctamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.
Adeus para sempre rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.
Excusez du peu… Que grande constipação physica!
Preciso de verdade e de aspirina.
Nota bibliográfica
Transcrevi, conservando a ortografia, a leitura feita por Teresa Rita Lopes do dactiloscrito datado de 14/3/1931, e sem atribuição de autoria, existente no espólio do poeta. Este poema foi publicado com o nº145 na 2ªedição de ÁLVARO DE CAMPOS LIVRO DE VERSOS, Edição Crítica, organizado por Teresa Rita Lopes e editado por Editorial Estampa, Lisboa1994.
* esta é uma versão ligeiramente modificada do texto publicado anteriormente no blog em Maio de 2010, desencadeado pelas mesmas causas, mas com enquadramento diferente: nessa data com poemas de Manuel Alegre.