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Category Archives: Erótica

Momentos de Paixão — alguns poemas de Rainer Maria Rilke

13 Quinta-feira Jun 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poetas e Poemas

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Picasso, Rainer Maria Rilke

Man and Nude Woman - 1967-3A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, tal como o puro olhar ou a pura sensação com que um fruto se derrete na língua — é uma grande e infindável experiência que nos é proporcionada, um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria.
Das cartas a um jovem poeta, 16 de Julho de 1903.

Abro com esta citação de Rainer Maria Rilke (1875-1926), fresca e verdadeira nos seus 110 anos, que nos diz tão só:

A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, … um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria.

Demora a humanidade a interiorizar esta verdade, enrolada em tabus e interditos, e apenas os artistas, na sua superior e antecipada compreensão do mundo, a vão transmitindo.

Untitled-56

Venho hoje com alguns belos poemas de Rilke onde o esplendor desta sabedoria se mostra e a volúpia lida com o absoluto da paixão.

Como eu te chamei! Apelos que ninguém ouvia
e que se dulcificaram em mim.
Agora, degrau a degrau penetro em ti
e o meu sémen sobe, de infantil alegria.
Ó montanha primeva do prazer!
Já sobe à tua íntima crista arfante,
já se aproxima. Entrega-te e sente
como te afundas se ele em cima acenar.

Untitled-27a

Não conheces torres, tu que feneces.
Mas vais descobrir uma agora
no fabuloso espaço que aflora
em ti. Fecha, como numa prece,
o rosto. Foste tu a levantá-la
sem dares por olhares e acenos de mão.
De súbito, é a plena perfeição,
e eu, homem feliz, posso habitá-la.
Ah, lá dentro é como um abraço!
Leva-me à cúpula com os teus afagos:
a ver se em tuas noites mansas lanço
com o ímpeto que põe ventres em fogo
mais sentimentos do que eu próprio alcanço.

Untitled-1a

Oh, não me eleves!
Quem sabe se me ergo.
Levanta apenas ao de leve o rosto
Para que, chovendo eu,
Quase te pareçam ser lágrimas tuas.

Se te assolar a minha tempestade,
coloca-te, direita, frente ao meu vento;
fecha as pálpebras ao meu sopro,
fica cega
desse simples ver-me.

Untitled-42a

Penso desnecessário clarificar no prosaico do vocabulário coloquial a intensa volúpia que escorre desta linguagem poética falando do esplendor do acto amoroso em variada fruição,

Termino com este precioso registo do sortilégio erótico que a escrita pode ter:

Ao escrever-te, saltou seiva
da máscula flor
que à minha humanidade
parece fértil e enigmática.

Sentirás tu, ao leres-me,
distante terna, a doçura
que no feminil cálice
espontânea corre?

Acompanham o artigo imagens da obra erótica da última fase de Picasso. Termino esta espécie de música com Mulher tocando bandolim, pintura de Picasso de 1909, dos primórdios do cubismo e grosso modo contemporânea destes poemas.

Picasso - Mulher tocando bandolim 1909Noticia bibliográfica

O fragmento da carta e os poemas foram transcritos do livro Momentos de Paixão, bela edição de Relógio D’Água Editores, com desenhos de Rodin, poesia e prosa de Rilke, em traduções de João Barrento, José Miranda Justo e Isabel Castro e Silva, Lisboa, 2004.

 

 

 

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Dois poemas eróticos de António Ramos Rosa

19 Sábado Jan 2013

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia, Erótica, Poetas e Poemas

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António Ramos Rosa, Harry Callahan

Harry-Callahan-01Um corpo que se ama

Para quem o deseja e quem o ama
um corpo é sempre belo no seu esplendor
e tudo nele é belo porque é sagrado
e, mesmo na mais plena posse, inviolável.

Um corpo que se ama é uma nascente viva
que de cada poro irrompe irreprimivel
e toda a sua violência é a energia ardente
que gerou o universo e a fantasia dos deuses.

Tudo num corpo que se ama é adorável
na integridade viva de um mistério
na evidência assombrosa da beleza
que se nos oferece inteiramente nua.

Não há visão mais lucida do que a do desejo
e só para ela a nudez é sagrada
como uma torrente vertiginosa ou uma oferenda solar.
Esse olhar vê-o inteiro na perfeição terrestre.

Publicado em A ROSA INTACTA, Edição Labirinto, 2007

Harry-Callahan-05

SÓBRIO O TEU CORPO

Sóbrio o teu corpo me pede
penetração: nomes puros:
os de boca, braços, mãos
sobre a terra e sobre os muros.

Sóbrio o teu corpo me pede
nomes justos, nomes duros:
os de terra, fogo e punhos,
claros, acres, escuros.

Publicado em OCUPAÇÃO DO ESPAÇO, Portugália, 1963

Harry-Callahan-38

As fotos são de Harry Callahan (1912-1999)

 

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Um epigrama de Marcial

21 Domingo Out 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poesia Antiga

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Jan Gossaert, Marcial, Ovídio

Foi no reboliço intelectual que acompanhou e precedeu a reforma protestante, que o nu integral surgiu na pintura do norte da Europa: Alemanha, Flandres e Holanda. É então que as pinturas com Adão e Eva, das quais já arquivei no blog algumas de Lucas Cranach, se tornam frequentes. No entanto, a que parece ser a primeira figuração moderna da mulher em nu frontal é a pintura que abre este artigo e representará, não Adão e Eva, mas Neptuno e Anfitrite, datada de 1516 e pintada por Jan Gossaert (1462/70-1533/41).

Como se vê, se a mulher surge nua, o homem ainda aparece com os genitais cobertos por um estojo peniano de conforto duvidoso, digo eu. Passarão poucos anos para que o homem, nu, figurando Adão, surja na pintura ocidental, para de novo voltar a desaparecer até aos nossos dias.

A propósito de estojos penianos, vale talvez a pena referir que Claude Levi-Strauss no seu belo livro Saudades do Brasil, mostra um habitante de uma aldeia Bororo, junto ao rio São Lourenço (afluente do rio Cuiabá) usando um estojo equivalente. E refere ainda como em dias de festa este estojo se ornamentava com um mosaico de plumas e uma bandeirola de palha brasonada com os sinais distintivos do clã do portador. É sempre fascinante percorrer as oscilações históricas dos costumes em torno do corpo.

Na conversa que aqui deixei ontem a propósito da argumentação clássica acerca da posição “cavalo de Heitor” mais nenhum aspecto das actividades em torno do sexo foi tratado. Mas os prazeres de mão também contam e o nosso professor Forberg a eles não se eximiu:

Não despraz tampouco aos que no vigor da idade e aptos a acariciar as raparigas, ter amantes cujas mãos não fiquem preguiçosas na cama e cujos dedos saibam o que têm a fazer nessa regiões onde Amor esconde as suas setas.

Cita Aristófanes, passa a Ovídio (43a.C.-18(?)d.C.), e da sua obra Amores dá-nos:

A esta coisa aqui, a minha amada não se furtou, mesmo,
a despertá-la, com doces movimentos da sua mão
Livro III, 7, 73-74

e de seguida, referindo-se a Ulisses no epigrama 104 do Livro XI, de Marcial, transcreve:

e, embora o Ítaco roncasse, a púdica Penélope
sempre lá no sítio costumava ter a mão.

Neste epigrama de Marcial dá-se conta de uma lista de queixas sobre o que a mulher não lhe faz por comparação com o que gozam casais notáveis.

No outro dia, ao ver o filme Terapia a dois, com Meryl Streep e Tommy Lee Jones, numa das cenas de consultório quando o psicólogo se virou para Tommy Lee Jones e lhe perguntou: que desejos tem que a sua mulher não satisfaz?, esperei que saísse uma lista semelhante ao cardápio de Marcial. Afinal não, só gostava, e queria, que ela lhe chupasse o pénis, o que a partir daí condiciona o desenvolvimento da história, é bem de ver.

Mas voltando a Marcial, a lista é mais longa e aí a têm:

Livro XI, Epigrama 104

Põe-te a andar, mulher, ou partilha os meus hábitos:
eu não sou nenhum Cúrio nem Numa nem Tácio
Eu aprecio as noites passadas entre alegres copos:
tu sais à pressa da mesa, sisuda, mal bebes a água.
Tu gostas do escuro: a mim agrada-me brincar
com a lâmpada a ver e romper as ilhargas com luz a entrar.
Faixas e túnicas e negros mantos te escondem,
mas comigo mulher alguma está nua o bastante.
Cativam-me os beijos que imitam a doçura das pombas:
tu dás-me os mesmos que dás à tua avó pela manhã.
Nem com meneios nem palavras nem dedos te dignas
ajudar ao acto – é como se servisses incenso ou vinho puro;
masturbavam-se atrás da porta os escravos frígios,
sempre que a esposa montava Heitor a cavalo
e, embora o Ítaco roncasse, a púdica Penélope
sempre lá no sítio costumava ter a mão.
Não deixas que te encabe: mas Cornélia dava-o a Graco,
Júlia a Pompeio, e Pórcia a ti, Bruto,
quando o Dardânio não misturava ainda, como escanção,
as doces bebidas, Juno fazia de Ganimedes para Jove.
Se gostas de austeridade, deixo-te ser Lucrécia até mesmo
o dia inteiro: mas à noite quero uma Laís.

 

Noticia bibliográfica

A tradução do epigrama de Marcial é de Delfim Ferreira Leão e pertence ao tomo IV dos Epigramas de Marcial publicados por Edições 70, Lisboa 2004.

A tradução dos dois versos de Amores, de Ovídio, é de Carlos Ascenso André, na edição de Livros Cotovia, Lisboa 2006

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A propósito de “Cavalo de Heitor” com Ovídio e Apuleio

21 Domingo Out 2012

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poesia Antiga

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Apuleio, Friedrich-Karl Forberg, Marcial, Ovídio

Vale sempre a pena regressar aos clássicos, e agora, quando As cinquenta sombras de Grey provoca tamanha excitação, mais razões se conjugam.

Um filosofo alemão, Friedrich-Karl Forberg (1770-1848), discípulo e colaborador de Fichte, o filósofo do Idealismo Alemão, entreteve as horas de ócio compondo uma curiosa obra em latim, De figuris Veneris, que poderia traduzir livremente por As posições do Amor, onde compilou com o método e zelo proverbiais aos alemães, um catálogo extenso das posições documentadas na literatura clássica para a pratica do sexo. Do livro fez uma pequena e cuidada edição que ofereceu a amigos.
Tão erudito, saboroso e estimulante livro, não sei se faria hoje as delicias dos leitores de Grey, mas a prática de muito do que lá se contém leva ao paraíso quem a ela se decidir. O nosso circunspecto professor, com a ironia com que escreve todo o livro, avisa-nos a abrir:

Pretendemos passar em revista as diversas metamorfoses de Vénus: não todas, na verdade; como seria possível enumerar as mil invenções (Ovídio, Arte de Amar, I, 433-434), as mil posições a que ousa recorrer a engenhosa satisfação do prazer? mas pelo menos as que, atendo-se a géneros determinados, se prestam facilmente a uma classificação metódica. Não vá, leitor curioso, criar falsas expectativas. Não somos homem em busca de gloria, desvendando o resultado de experiências pessoais, ou de ensaios novamente tentados neste género de esgrima: nem fizemos ainda a nossa própria aprendizagem.

Não vou evidentemente transladar o livro para aqui, o que transformaria o blog num êxito comparável às ditas sombras, mas apenas apresentar uma posição que aprecio especialmente. Chama-lhe o professor “Cavalo de Heitor” e descreve-a do seguinte modo:

Chegamos agora à figura segundo a qual o homem deitado de costas tem comércio com a mulher curvada sobre ele. A mulher, estando os papeis trocados, faz então a função de cavaleiro, o homem a de cavalo. Chamava-se a esta posição o cavalo de Heitor.

Cita, primeiro Marcial (40-102(?)), com o epigrama 104 do Livro XI

…

sempre que a esposa montava Heitor a cavalo

e continua o nosso autor, passando a Ovídio (43a.C.-18(?)d.C.) e à sua Arte de Amar, dando conta de que esta posição não poderia dar prazer a Andrómaca (a amazona (esposa) que montava Heitor) por esta ser de grande estatura, motivo porque duvida que tal posição lhe fosso agradável ou mesmo possível. É às mulheres de pequena estatura que a posição convém, sublinha.

Da minha experiência posso dizer que a estatura não tem sido impedimento de prazer sublime.

Mas voltando a Ovídio, a quem tal consideração se deve, temos então os versos 779-780 do Livro III de Arte de Amar:

a de baixa estatura deve montar como a cavalo; por ser muito alta, nunca
a tebana [Andrómaca] casada com Heitor adoptou a posição do cavaleiro;

Duvido que o poeta lá tivesse estado para ver. Deve estar a falar por puro preconceito.

Ainda tratando desta posição para o amor, continua o nosso filósofo a viagem pelos autores clássicos que a referiram, e passa a Horácio e a uma das suas sátiras. Avança depois por Aristófanes (447a.C. – 383a.C.) e no verso 677 de Lisistrata encontra a afirmação:

A mulher gosta de montar a cavalo, e aí mantêm-se firme.

Concluímos esta equitação amorosa com Apuleio (125-170) e uma cena entre Lúcio e Fótis extraída de O burro de ouro, Livro 2, 16. 4:

… subiu para o leito, instalou-se devagar sobre mim e começou a manobrar rapidamente para cima e para baixo, agitando o ágil torso com movimentos lúbricos, até saciar-me com o fruto desta Vénus de baloiço.

Feita esta viagem pela posição de cavalgada, tantas vezes heróica, não me despeço sem convidar o leitor(a) a um pouco de Arte de Amar de Ovídio, mais precisamente aos versos 703 e seguintes do Livro II da obra, com a convicção de que nas obras de que aqui tratei se fala com a sabedoria que a experiência acumulou, do que à humanidade mais importa.

Eis que um leito acolheu, cúmplice, dois amantes;
diante das portas fechadas da alcova, ó Musa, sustém o passo!
Espontaneamente, sem a tua ajuda, palavras mil hão-de ser ditas,
e não se quedará inerte no leito a mão esquerda;
hão-de os dedos inventar que fazer naqueles sítios
em que às escondidas, mergulha as suas setas o Amor.
Isto mesmo fez outrora em Andrómaca o valente Heitor;
não era apenas para a guerra que ele tinha préstimo;
fazia-o, também, na sua cativa de Lirnesso, o grande Aquiles,
quando se deixava cair, cansado de inimigos, sobre a suavidade do leito;
com aquelas mãos, ó Briseida, consentias tu que te tocasse,
elas que estavam sempre encharcadas de sangue frígido;
era isso mesmo, porventura, ó mulher desregrada, que te dava prazer?
Que o teu corpo o percorressem mãos triunfantes?
Acredita no que te digo: não vê apressar-se o prazer de Vénus,
mas sim, discretamente, fazer por retardá-lo e demorá-lo.
Quando descobrires o ponto onde a mulher se excita ao ser tocada,
não seja o pudor a impedir-te de o tocar;
Verás os seus olhos a brilhar de fogo cintilante,
Como, tantas vezes, o sol reflecte a luz na superfície da água;
far-se-ão ouvir queixumes, far-se-á ouvir um encantador sussurro
e doces gemidos e palavras apropriadas ao prazer.
Mas não deixes para trás a tua parceira, desfraldando mais largas velas,
nem seja mais rápido o ritmo dela que o teu;
avançai para a meta ao mesmo tempo; então, será pleno o prazer,
quando, par a par, jazerem, vencidos, a mulher e o homem.
Esta é a prática que deves cultivar, sempre que te seja dado desfrutar livremente
do ócio, e o medo te não forçar a aventuras furtivas;

Sábios conselhos, e quem os seguir garante uma vida de prazer. Limitam-se a dizer em verso antigo o que a moderna sexologia escreve em espessos tratados.

Noticia bibliográfica

Para O burro de ouro, Livro 2, 16. 4, a tradução é de Delfim Leão;
Para Arte de amar, a tradução é de Carlos Ascenso André
Ambos os livros são edição de Livros Cotovia, Lisboa

Para a obra do professor Forberg não conheço nenhuma edição disponível, encontrando-se a que possuo de há muito esgotada.

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Um sorriso trazido por Ferreira Gullar e mais poesia erótica

18 Domingo Dez 2011

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poetas e Poemas

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Ferreira Gullar

Desde que espreite o desejo e o sujeito seja poeta, o erótico ganha a palavra da poesia. E do incensado autor do Poema Sujo, trago-vos algo mais terno e sabiamente contado: o sorriso que conta.

UM SORRISO

Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas

quando
com o meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?


que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?

 

Para não deixar o(a) leitor(a) sedento(a), acrescento mais dois poemas eróticos:

 

SORTILÉGIO

Estava eu ali

no escuro e

                de repente

                o silêncio se move

 

                enruga-se, melhor

                dizendo, e me

                roça as virilhas                

                (onde dormiam fúrias)

 

É quando uma

quase voz me toca

o lado esquerdo

do corpo para onde

me volto

e estás ali

nua

                emergias da treva

as coxas o ventre

os seios

                               eram luas encantadas

                               e do centro

                               do teu corpo

                               a macia estrela negra

me chamava

para dentro de si

enquanto o teu rosto menino

espantosamente familiar

sorria a me dizer: jamais

                               jamais jamais

                               escaparás

COITO

Todos os movimentos

                do amor

                são noturnos

mesmo quando praticados

                à luz do dia

 

Vem de ti o sinal

                no cheiro ou no tato

que faz acordar o bicho

                em seu fosso:

                na treva, lento,

                se desenrola

                                               e desliza

em direcção a teu sorriso

 

Hipnotiza-te

com seu guizo

                               envolve-te

em seus anéis

corredios

                   beija-te

                   a boca em flor

e por baixo

    com seu esporão

  te fende te fode

 

e se fundem

no gozo

 

depois

desenfia-se de ti

 

                   a teu lado

                   na cama

                   recupero minha forma usual.

Noticia bibliográfica

UM SORRISO pertence ao livro NA VERTIGEM DO DIA (1975-1980), SORTILÉGIO e COITO integram o livro POEMAS RECENTES. Todos os poemas foram transcritos de Obra Poética publicada em 2003, em Portugal, por edições quasi.

 

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Era manhã de Setembro — poema de Carlos Drummond de Andrade

28 Segunda-feira Nov 2011

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poetas e Poemas

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Carlos Drummond de Andrade

Passados que estão os prazeres de Setembro, de que aqui dei conta, restam recordações avivadas com este poema de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), o Sábio.

 

Era manhã de setembro

e

 ela me beijava o membro

 

Aviões e nuvens passavam

coros negros rebramiam

ela me beijava o membro

 

O meu tempo de menino

o meu tempo ainda futuro

cruzados floriam junto

 

Ela me beijava o membro

 

Um passarinho cantava,

bem dentro da árvore, dentro

da terra, de mim, da morte

 

Morte e primavera em rama

disputavam-se a água clara

água que dobrava a sede

 

Ela me beijando o membro

 

Tudo o que eu tivera sido

quanto me fora defeso

já não formava sentido

 

Somente rosa crispada

o talo ardente, uma flama

aquele êxtase na grama

 

Ela a me beijar o membro

 

Dos beijos era o mais casto

na pureza despojada

que é própria das coisas dadas

 

Nem era preito de escrava

enrodilhada na sombra

mas presente de rainha

 

tornando-se coisa minha

circulando-me no sangue

e doce e lento e erradio

 

como beijara uma santa

no mais divino transporte

e num solene arrepio

 

beijava beijava o membro

 

Pensando nos outros homens

eu tinha pena de todos

aprisionados no mundo

 

Meu império se estendia

por toda a praia deserta

e a cada sentido alerta

 

Ela me beijava o membro

 

O capítulo do ser

o mistério de existir

o desencontro de amar

 

eram tudo ondas caladas

morrendo num cais longínquo

e uma cidade se erguia

 

radiante de pedrarias

e de ódios apaziguados

e o espasmo vinha na brisa

 

para consigo furtar-me

se antes não me desfolhava

como um cabelo se alisa

 

e me tornava disperso

todo em circulos concêntricos

na fumaça do universo

 

Beijava o membro

beijava

e se morria beijando

a renascer em setembro

 

 

 

Nota final

O poema foi publicado em O amor natural, recolha de poesia erótica, editada postumamente por indicação do poeta, em 1992 no Brasil e em 1993 em Portugal em edição Europa-América com ilustrações de Clementina Cabral. Terá existido em vida do poeta uma edição particular em 1981. No Brasil o livro vai, ao que suponho, em 18ª edição.

Nada de semelhante terá alguma vez um grande poeta português aceitado publicar – 40 poemas eróticos onde a obscenidade está ausente, e as práticas do amor são exaltadas sem véus de falso pudor. Não serão capazes de os escrever?

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Soneto 2 de Fernando Assis Pacheco

05 Sábado Nov 2011

Posted by viciodapoesia in Convite à fotografia, Erótica, Poetas e Poemas

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Fernando Assis Pacheco

Soneto 2

Os trabalhos de amor são os mais leves

de quantos algum dia pratiquei

na cama as alegrias fazem lei

e se me queixo é só de serem breves

 

eu vivo atado às tuas mãos suaves

num nó de que este corpo já não sai

ferve o arco do sol a tarde cai

ardem voando pelo céu as aves

 

mágoas outrora muitas fabriquei

e em países salobros jornadeei

ao dorso das tristezas almocreves

 

a vez em que te amei um outro fui

comigo fiz a paz nada mais dói

e os trabalhos de amor nunca são graves

 Lisboa

12-X93, 23-XII-93

Soneto 2 de Fernando Assis Pacheco (1937-1995) publicado em RESPIRAÇÃO ASSISTIDA, edição Assírio & Alvim, 2003.

 

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Mimosa boca errante – poema de Carlos Drummond de Andrade

21 Quarta-feira Set 2011

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poetas e Poemas

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Carlos Drummond de Andrade

No mundo da poesia e nos acasos da leitura, leio em sequência dois poetas rigorosamente contemporâneos, Miguel Torga (1907-1995) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), poetas em que a poesia e o humor não podiam estar mais afastados.

Não aproveitou Miguel Torga, do Brasil, apesar de para lá ter partido criança e regressado jovem adulto, aquela ligeireza com que se dizem coisas graves e sérias, como Drummond amplamente praticou. E de certeza escondeu dos olhos do público as pulsões que o sexo lhe inspirou e apenas timidamente afloram em alguma da sua poesia, caso das Odes que semanas atrás transcrevi aqui no blog.

Foi diferente com Carlos Drummond de Andrade. Reuniu para publicação póstuma (O amor natural, 1992) um vasto acervo de belíssima poesia erótica onde os tabus estão ausentes.

É desse surpreendente e atordoador livro de poesia que transcrevo um dos poemas que sobre o assunto do soneto Beija-me, minha alma, doce espelho e guia,  o génio de Carlos Drummond de Andrade concebeu, talvez mais de quinhentos anos depois dele ter sido escrito, dando conta das continuidades que fazem com que a poesia seja um universal comum à humanidade.

 

Mimosa boca errante

Mimosa boca errante
à superfície até achar o ponto
em que te apraz colher o fruto em fogo
que não será comido mas fruído
até se lhe esgotar o sumo cálido
e ele deixar-te, ou o deixares, flácido,
mas rorejando a baba de delicias
que fruto e boca se permitem, dádiva.

Boca mimosa e sábia,
impaciente de sugar e clausurar
inteiro, em ti, o talo rígido
mas varado de gozo ao confinar-se
no limitado espaço que ofereçes
a seu volume e jato apaixonados,
como podes tornar-te, assim aberta,
recurvo céu infindo e sepultura?

Mimosa boca e santa,
que devagar vais desfolhando a liquida
espuma do prazer em rito mudo,
lenta-lambente-lambilusamente
ligada à forma ereta qual fossem
a boca o próprio fruto, e o fruto a boca,
oh, chega, chega, chega de beber-me,
de matar-me, e, na morte, de viver-me.

Já sei a eternidade: é puro orgasmo.

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Vindo das Mil e Uma Noites

09 Quarta-feira Jun 2010

Posted by viciodapoesia in Erótica, Raros/Curiosos

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Abu Navas, Jorge de Sena

Continuamos com o inextinguível filão da poesia de amor nas suas diversas facetas.

Vindo dos tempos das Mil e Uma Noites, chegamos pela mão da sábia tradução de Jorge de Sena, a um poema de ABU NOVAS (c.750 – c. 813).

Tendo nascido na Pérsia, ABU NOVAS  viveu longamente em Bagdad na corte do califa Harun Al-Rashid (reinou entre 786 – 809), sendo considerado ainda hoje um dos maiores poetas do seu tempo, se não o maior, e um dos grandes da poesia árabe classica, nas palavras de Jorge de Sena.

A sua poesia dentro do formalismo extremamente calculado da poesia árabe clássica, trouxe uma desenvoltura extraordinária, um tom de anacreontica graciosidade e leveza, que não recua ante o mais licencioso e é o espelho de uma cultura que herdou, como a Europa cristã não, o hedonismo e a desinibição do mundo-greco-latino. É de novo Jorge de Sena quem assim escreve na notável antologia de poesia universal POESIA DE 26 SÉCULOS – De Arquíloco a Nietzche, de onde retirei o poema, e que ficará como um marco na bibliografia portuguesa.

Feitas as apresentações, vamos ao poema.

“DEUS SABE QUE NINGUÉM TEM …”

Deus sabe que ninguém tem

instrumento igual ao meu:

venham medi-lo e hão-de ver

o tesouro que El’me deu.

Tomai-o – isso! – na mão:

é meu timbre de valor.

Quem o gosto lhe descobre

sucumbe ao terno ardor.

Tão alto como um pilar

(como um pilar não encolhe)

visto ao longe na distância

de qualquer lado que se olhe.

Venham pegar, e apertá-lo

com força na vossa mão.

E  levai-o à vossa tenda,

entre onde os montes estão.

Sêde vós a lá guardá-lo

com vossa mão cuidadosa

Vêde quanto ergue a cabeça

como bandeira orgulhosa!

Nem dareis pela entrada,

tão corajoso ele avança!

Jamais pende como a vela

quando o vento se descansa.

Que el’ seja asa da panela

entre as pernas escondida,

tão vazia desde o fundo

até à borda cingida.

Venham ver a maravilha

que logo se ergue tão pronta!

Tão rara e tão portentosa,

tão rica de bens sem conta!

E vejam como endurece

tão forte e tão magistral:

É coluna dura e longa

de uma força sem igual.

Se quereis pega segura,

ou colher que bem remexa,

outra melhor não tereis

para panelas sem queixa.

Pegai nesta – que ela esteja

na vossa panela ardente,

lá onde só um instrumento

haverá que vos contente!

Nem sonhais – amores – o gosto

que vos dará tal espada,

mesmo em panela de cobre

ou de prata chapeada.


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Piadoxos + 1 poema depois do Dia da Mulher

10 Quarta-feira Mar 2010

Posted by viciodapoesia in A mulher imaginada, Erótica

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André Brun, Judith Teixeira

Contemporanea, publicada nos anos 20 do século XX, foi uma revista com um compromisso entre continuidade e inovação no contexto dos valores do tempo. Aí publicou Almada Negreiros em separata do seu nº7,  em Janeiro de 1923, o poema fundador do Modernismo Português, “A Scena do Odio”.

No seu conjunto, os 9 números publicados sem grandes hiatos entre Maio de 1922 e Março de 1923, contêm um repositório da imagem da mulher naqueles anos vinte, entre o mais conservador convencionalismo e alguns registos de escandalosa carnalidade.

Entre um e outro extremo, retiro do nº7 de Contemporanea estas máximas, de alguma forma espelho mental de uma época, assinadas por André Brun:

A superioridade do velho Deus sobre os homens – ou, pelo menos, a sua absoluta serenidade – provem de que tem sabido conservar-se solteiro. Os simples deuses cairam porque eram, como nós, uns femieiros.

As coisas deste mundo estão mal organizadas. Para que a vida fosse realmente interessante os homens deviam nascer aos trinta anos e as mulheres morrer aos vinte e cinco.

Há olhos velhacos de mulher, que levam o tempo a prometer o que sabem muito bem que o resto do corpo não está em condições de cumprir.

Diferente na perspectiva e coexistindo na mesma revista, aqui vai  um poema da poetisa maldita Judith Teixeira publicado desta vez no número de Natal de 1922:

O Meu Chinez

Nos olhos de sêda

traçados em viez

tem um ar tão sensual

o meu Chinez…


Vive sobre uma almofada

De setim bordada,

Pintado a côres.

Ás vezes

numa ansia inquieta

que eu não mitigo,

e que me domina

num sonho de poeta

ou de heroina,

fujo levando

o meu Chinez comigo!


E lá vamos!

Nem eu sei

para que alcovas orientais,

em paizes distantes,

realisar

as horas sensuaes,

as horas delirantes

com que eu sonhei…

…………………………….

Eu e o meu Chinez

temos fugido tanta, tanta vez!


Nota: conservei a ortografia da edição original na revista Contemporanea

À época, a afirmação poética do desejo sensual por parte de uma mulher fez escândalo e tem garantido à autora o silencio editorial até hoje. Podem procurar-se com lupa, e não se encontram, edições das obras dela.

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