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Continuamos com o inextinguível filão da poesia de amor nas suas diversas facetas.
Vindo dos tempos das Mil e Uma Noites, chegamos pela mão da sábia tradução de Jorge de Sena, a um poema de ABU NOVAS (c.750 – c. 813).
Tendo nascido na Pérsia, ABU NOVAS viveu longamente em Bagdad na corte do califa Harun Al-Rashid (reinou entre 786 – 809), sendo considerado ainda hoje um dos maiores poetas do seu tempo, se não o maior, e um dos grandes da poesia árabe classica, nas palavras de Jorge de Sena.
A sua poesia dentro do formalismo extremamente calculado da poesia árabe clássica, trouxe uma desenvoltura extraordinária, um tom de anacreontica graciosidade e leveza, que não recua ante o mais licencioso e é o espelho de uma cultura que herdou, como a Europa cristã não, o hedonismo e a desinibição do mundo-greco-latino. É de novo Jorge de Sena quem assim escreve na notável antologia de poesia universal POESIA DE 26 SÉCULOS – De Arquíloco a Nietzche, de onde retirei o poema, e que ficará como um marco na bibliografia portuguesa.
Feitas as apresentações, vamos ao poema.
“DEUS SABE QUE NINGUÉM TEM …”
Deus sabe que ninguém tem
instrumento igual ao meu:
venham medi-lo e hão-de ver
o tesouro que El’me deu.
Tomai-o – isso! – na mão:
é meu timbre de valor.
Quem o gosto lhe descobre
sucumbe ao terno ardor.
Tão alto como um pilar
(como um pilar não encolhe)
visto ao longe na distância
de qualquer lado que se olhe.
Venham pegar, e apertá-lo
com força na vossa mão.
E levai-o à vossa tenda,
entre onde os montes estão.
Sêde vós a lá guardá-lo
com vossa mão cuidadosa
Vêde quanto ergue a cabeça
como bandeira orgulhosa!
Nem dareis pela entrada,
tão corajoso ele avança!
Jamais pende como a vela
quando o vento se descansa.
Que el’ seja asa da panela
entre as pernas escondida,
tão vazia desde o fundo
até à borda cingida.
Venham ver a maravilha
que logo se ergue tão pronta!
Tão rara e tão portentosa,
tão rica de bens sem conta!
E vejam como endurece
tão forte e tão magistral:
É coluna dura e longa
de uma força sem igual.
Se quereis pega segura,
ou colher que bem remexa,
outra melhor não tereis
para panelas sem queixa.
Pegai nesta – que ela esteja
na vossa panela ardente,
lá onde só um instrumento
haverá que vos contente!
Nem sonhais – amores – o gosto
que vos dará tal espada,
mesmo em panela de cobre
ou de prata chapeada.