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Foi levado pelo sucesso que teve a poesia de Fausto Guedes Teixeira no blog que decidi trazer a poesia de Florbela Espanca.
Confesso que não me comove por aí além a sua poesia.
É no livro “Charneca em Flor”, publicado postumamente, que alguns sonetos me impressionam. Aí escolhi os poemas que aqui deixo.
Na obra de Fausto Guedes Teixeira bebeu a poetisa a influência para a expressão exacerbada do sentimento e do eu, ainda que a própria lute inicialmente com o fantasma de António Nobre.
Há, evidentemente, mais e diferente na obra de Florbela Espanca. Na solaridade e no grito entusiasmado de viver que atravessa Charneca em Flor, ouve-se uma voz própria, inovadora e única, à época, na poesia portuguesa. Talvez por isso, este tenha sido o livro que a poetisa não editou e apenas saiu, com enorme sucesso, diga-se, após o seu suicídio em 1930, aos 36 anos.
Comecemos com o que é ser poeta para Flor Bela (é assim que consta o nome da poetisa na Certidão de Baptismo)
SER POETA
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Vemos aqui, provavelmente, a que foi a primeira versão, do mais conhecido soneto da poetisa e que ocupa, por direito próprio, um lugar nas obras-primas da poesia portuguesa, AMAR!
Entre Ser poeta e Amar! quero crer que terá ocorrido o fim de uma paixão, pois se no primeiro soneto temos:
E é amar-te, assim, perdidamente…
passamos para Amar! e temos:
Eu quero amar, amar perdidamente!
mudando da reticencia que deixa o destinatário incógnito para a exclamação sem destinatário, e estendendo a vontade de amar, de amar-te a toda a gente, o mundo:
Amar só por amar: Aqui … além … / Mais este e Aquele, o outro e toda a gente … / Amar! Amar! E não amar ninguém!
Eis o soneto
AMAR!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui … além …
Mais este e Aquele, o outro e toda a gente …
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!…
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder … pra me encontrar …
Este amar, amar perdidamente não é de forma nenhuma platónico, se não, vejamos neste Passeio ao campo o convite
Meu Amor! Meu Amante! Meu amigo! / Colhe a hora que passa, hora divina,
e se dúvidas houvesse
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
Chega de conversa, aqui vai o poema:
PASSEIO AO CAMPO
Meu Amor! Meu Amante! Meu amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
Sinto-me alegre e forte! Sou menina!
Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina …
Pele doirada de alabastro antigo …
Frágeis mãos de madona florentina …
– Vamos correr e rir por entre o trigo! –
Há rendas de gramíneas pelos montes …
Papoilas rubras nos trigais maduros …
Água azulada a cintilar nas fontes …
E à volta, Amor … tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras …
Para terminar esta pequena volta pela poesia de Flor Bela, incluo um poema com carícias junto ao mar.
TARDE NO MAR
A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,
Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue ao seu destino!
E o sol, nas casa brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!
Que linda tarde aberta palpitantes,
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar …
E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes …