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É amanhã que vou viver — um epigrama de Marcial

29 Sexta-feira Ago 2014

Posted by viciodapoesia in Poesia Antiga

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Marcial

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Não é de hoje, nem de ontem, uma espécie de insatisfação entre o quotidiano vivido e o desejo do que afinal nos importa mais, levando o pensamento a confortar-se com o amanhã que virá.

Na forma lapidar do epigrama, e fazendo uso de uma espécie de redução ao absurdo sobre o onde o amanhã se encontra, Marcial (40-102) exorta-nos a viver ontem o que desejamos, pois o hoje pode já ser tarde, fazendo-nos lembrar que o amanhã pode não existir.

 

Marcial, Livro V, epigrama 58

 

“É amanhã que vou viver, é amanhã” — dizes, Póstumo, sempre.

Diz-me cá: esse amanhã, Póstumo, quando é que chega?

A que distância fica esse amanhã? onde pára? ou aonde se deve procurar?

Se calhar junto dos Partos ou dos Arménios se esconde?

Esse amanhã já tem a idade de Príamo ou Néstor.

Esse amanhã, diz-me cá, por quanto se pode comprar?

É amanhã que vais viver? Viver hoje, Póstumo, já é tarde:

sensato é quem, Póstumo, viveu ontem.

 

Tradução de Paulo Sérgio Ferreira

in Marcial, Epigramas, vol II, Edições 70, Lisboa, 2000.

 

Depois da tradução a partir do original latino, entrego o leitor à versão de David Mourão-Ferreira onde o intemporal do poema se capta, transmitindo-nos na sua verdade poética a reflexão sobre a urgência de viver o que importa para lá da espuma dos dias.

 

Marcial, Livro V, epigrama 58

 

“Amanhã”, dizes tu. “Viverei amanhã.”

Quando virá, porém, esse tal amanhã?

Ah! que sabemos nós do dia de amanhã?

Em que reino se esconde o rosto de amanhã?

Que idade tem ao certo o vulto de amanhã?

É coisa que se venda? É coisa que se compre?

Que certeza tens tu de estar vivo amanhã?

 

Tarde já é viver no próprio dia de hoje.

Mais sábio é começar a vivermos desde ontem.

 

in Vozes da Poesia Europeia — I

Colóquio Letras, nº163, Jan-Abr 2003.

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Um epigrama de Marcial

21 Domingo Out 2012

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poesia Antiga

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Jan Gossaert, Marcial, Ovídio

Foi no reboliço intelectual que acompanhou e precedeu a reforma protestante, que o nu integral surgiu na pintura do norte da Europa: Alemanha, Flandres e Holanda. É então que as pinturas com Adão e Eva, das quais já arquivei no blog algumas de Lucas Cranach, se tornam frequentes. No entanto, a que parece ser a primeira figuração moderna da mulher em nu frontal é a pintura que abre este artigo e representará, não Adão e Eva, mas Neptuno e Anfitrite, datada de 1516 e pintada por Jan Gossaert (1462/70-1533/41).

Como se vê, se a mulher surge nua, o homem ainda aparece com os genitais cobertos por um estojo peniano de conforto duvidoso, digo eu. Passarão poucos anos para que o homem, nu, figurando Adão, surja na pintura ocidental, para de novo voltar a desaparecer até aos nossos dias.

A propósito de estojos penianos, vale talvez a pena referir que Claude Levi-Strauss no seu belo livro Saudades do Brasil, mostra um habitante de uma aldeia Bororo, junto ao rio São Lourenço (afluente do rio Cuiabá) usando um estojo equivalente. E refere ainda como em dias de festa este estojo se ornamentava com um mosaico de plumas e uma bandeirola de palha brasonada com os sinais distintivos do clã do portador. É sempre fascinante percorrer as oscilações históricas dos costumes em torno do corpo.

Na conversa que aqui deixei ontem a propósito da argumentação clássica acerca da posição “cavalo de Heitor” mais nenhum aspecto das actividades em torno do sexo foi tratado. Mas os prazeres de mão também contam e o nosso professor Forberg a eles não se eximiu:

Não despraz tampouco aos que no vigor da idade e aptos a acariciar as raparigas, ter amantes cujas mãos não fiquem preguiçosas na cama e cujos dedos saibam o que têm a fazer nessa regiões onde Amor esconde as suas setas.

Cita Aristófanes, passa a Ovídio (43a.C.-18(?)d.C.), e da sua obra Amores dá-nos:

A esta coisa aqui, a minha amada não se furtou, mesmo,
a despertá-la, com doces movimentos da sua mão
Livro III, 7, 73-74

e de seguida, referindo-se a Ulisses no epigrama 104 do Livro XI, de Marcial, transcreve:

e, embora o Ítaco roncasse, a púdica Penélope
sempre lá no sítio costumava ter a mão.

Neste epigrama de Marcial dá-se conta de uma lista de queixas sobre o que a mulher não lhe faz por comparação com o que gozam casais notáveis.

No outro dia, ao ver o filme Terapia a dois, com Meryl Streep e Tommy Lee Jones, numa das cenas de consultório quando o psicólogo se virou para Tommy Lee Jones e lhe perguntou: que desejos tem que a sua mulher não satisfaz?, esperei que saísse uma lista semelhante ao cardápio de Marcial. Afinal não, só gostava, e queria, que ela lhe chupasse o pénis, o que a partir daí condiciona o desenvolvimento da história, é bem de ver.

Mas voltando a Marcial, a lista é mais longa e aí a têm:

Livro XI, Epigrama 104

Põe-te a andar, mulher, ou partilha os meus hábitos:
eu não sou nenhum Cúrio nem Numa nem Tácio
Eu aprecio as noites passadas entre alegres copos:
tu sais à pressa da mesa, sisuda, mal bebes a água.
Tu gostas do escuro: a mim agrada-me brincar
com a lâmpada a ver e romper as ilhargas com luz a entrar.
Faixas e túnicas e negros mantos te escondem,
mas comigo mulher alguma está nua o bastante.
Cativam-me os beijos que imitam a doçura das pombas:
tu dás-me os mesmos que dás à tua avó pela manhã.
Nem com meneios nem palavras nem dedos te dignas
ajudar ao acto – é como se servisses incenso ou vinho puro;
masturbavam-se atrás da porta os escravos frígios,
sempre que a esposa montava Heitor a cavalo
e, embora o Ítaco roncasse, a púdica Penélope
sempre lá no sítio costumava ter a mão.
Não deixas que te encabe: mas Cornélia dava-o a Graco,
Júlia a Pompeio, e Pórcia a ti, Bruto,
quando o Dardânio não misturava ainda, como escanção,
as doces bebidas, Juno fazia de Ganimedes para Jove.
Se gostas de austeridade, deixo-te ser Lucrécia até mesmo
o dia inteiro: mas à noite quero uma Laís.

 

Noticia bibliográfica

A tradução do epigrama de Marcial é de Delfim Ferreira Leão e pertence ao tomo IV dos Epigramas de Marcial publicados por Edições 70, Lisboa 2004.

A tradução dos dois versos de Amores, de Ovídio, é de Carlos Ascenso André, na edição de Livros Cotovia, Lisboa 2006

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A propósito de “Cavalo de Heitor” com Ovídio e Apuleio

21 Domingo Out 2012

Posted by viciodapoesia in Erótica, Poesia Antiga

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Apuleio, Friedrich-Karl Forberg, Marcial, Ovídio

Vale sempre a pena regressar aos clássicos, e agora, quando As cinquenta sombras de Grey provoca tamanha excitação, mais razões se conjugam.

Um filosofo alemão, Friedrich-Karl Forberg (1770-1848), discípulo e colaborador de Fichte, o filósofo do Idealismo Alemão, entreteve as horas de ócio compondo uma curiosa obra em latim, De figuris Veneris, que poderia traduzir livremente por As posições do Amor, onde compilou com o método e zelo proverbiais aos alemães, um catálogo extenso das posições documentadas na literatura clássica para a pratica do sexo. Do livro fez uma pequena e cuidada edição que ofereceu a amigos.
Tão erudito, saboroso e estimulante livro, não sei se faria hoje as delicias dos leitores de Grey, mas a prática de muito do que lá se contém leva ao paraíso quem a ela se decidir. O nosso circunspecto professor, com a ironia com que escreve todo o livro, avisa-nos a abrir:

Pretendemos passar em revista as diversas metamorfoses de Vénus: não todas, na verdade; como seria possível enumerar as mil invenções (Ovídio, Arte de Amar, I, 433-434), as mil posições a que ousa recorrer a engenhosa satisfação do prazer? mas pelo menos as que, atendo-se a géneros determinados, se prestam facilmente a uma classificação metódica. Não vá, leitor curioso, criar falsas expectativas. Não somos homem em busca de gloria, desvendando o resultado de experiências pessoais, ou de ensaios novamente tentados neste género de esgrima: nem fizemos ainda a nossa própria aprendizagem.

Não vou evidentemente transladar o livro para aqui, o que transformaria o blog num êxito comparável às ditas sombras, mas apenas apresentar uma posição que aprecio especialmente. Chama-lhe o professor “Cavalo de Heitor” e descreve-a do seguinte modo:

Chegamos agora à figura segundo a qual o homem deitado de costas tem comércio com a mulher curvada sobre ele. A mulher, estando os papeis trocados, faz então a função de cavaleiro, o homem a de cavalo. Chamava-se a esta posição o cavalo de Heitor.

Cita, primeiro Marcial (40-102(?)), com o epigrama 104 do Livro XI

…

sempre que a esposa montava Heitor a cavalo

e continua o nosso autor, passando a Ovídio (43a.C.-18(?)d.C.) e à sua Arte de Amar, dando conta de que esta posição não poderia dar prazer a Andrómaca (a amazona (esposa) que montava Heitor) por esta ser de grande estatura, motivo porque duvida que tal posição lhe fosso agradável ou mesmo possível. É às mulheres de pequena estatura que a posição convém, sublinha.

Da minha experiência posso dizer que a estatura não tem sido impedimento de prazer sublime.

Mas voltando a Ovídio, a quem tal consideração se deve, temos então os versos 779-780 do Livro III de Arte de Amar:

a de baixa estatura deve montar como a cavalo; por ser muito alta, nunca
a tebana [Andrómaca] casada com Heitor adoptou a posição do cavaleiro;

Duvido que o poeta lá tivesse estado para ver. Deve estar a falar por puro preconceito.

Ainda tratando desta posição para o amor, continua o nosso filósofo a viagem pelos autores clássicos que a referiram, e passa a Horácio e a uma das suas sátiras. Avança depois por Aristófanes (447a.C. – 383a.C.) e no verso 677 de Lisistrata encontra a afirmação:

A mulher gosta de montar a cavalo, e aí mantêm-se firme.

Concluímos esta equitação amorosa com Apuleio (125-170) e uma cena entre Lúcio e Fótis extraída de O burro de ouro, Livro 2, 16. 4:

… subiu para o leito, instalou-se devagar sobre mim e começou a manobrar rapidamente para cima e para baixo, agitando o ágil torso com movimentos lúbricos, até saciar-me com o fruto desta Vénus de baloiço.

Feita esta viagem pela posição de cavalgada, tantas vezes heróica, não me despeço sem convidar o leitor(a) a um pouco de Arte de Amar de Ovídio, mais precisamente aos versos 703 e seguintes do Livro II da obra, com a convicção de que nas obras de que aqui tratei se fala com a sabedoria que a experiência acumulou, do que à humanidade mais importa.

Eis que um leito acolheu, cúmplice, dois amantes;
diante das portas fechadas da alcova, ó Musa, sustém o passo!
Espontaneamente, sem a tua ajuda, palavras mil hão-de ser ditas,
e não se quedará inerte no leito a mão esquerda;
hão-de os dedos inventar que fazer naqueles sítios
em que às escondidas, mergulha as suas setas o Amor.
Isto mesmo fez outrora em Andrómaca o valente Heitor;
não era apenas para a guerra que ele tinha préstimo;
fazia-o, também, na sua cativa de Lirnesso, o grande Aquiles,
quando se deixava cair, cansado de inimigos, sobre a suavidade do leito;
com aquelas mãos, ó Briseida, consentias tu que te tocasse,
elas que estavam sempre encharcadas de sangue frígido;
era isso mesmo, porventura, ó mulher desregrada, que te dava prazer?
Que o teu corpo o percorressem mãos triunfantes?
Acredita no que te digo: não vê apressar-se o prazer de Vénus,
mas sim, discretamente, fazer por retardá-lo e demorá-lo.
Quando descobrires o ponto onde a mulher se excita ao ser tocada,
não seja o pudor a impedir-te de o tocar;
Verás os seus olhos a brilhar de fogo cintilante,
Como, tantas vezes, o sol reflecte a luz na superfície da água;
far-se-ão ouvir queixumes, far-se-á ouvir um encantador sussurro
e doces gemidos e palavras apropriadas ao prazer.
Mas não deixes para trás a tua parceira, desfraldando mais largas velas,
nem seja mais rápido o ritmo dela que o teu;
avançai para a meta ao mesmo tempo; então, será pleno o prazer,
quando, par a par, jazerem, vencidos, a mulher e o homem.
Esta é a prática que deves cultivar, sempre que te seja dado desfrutar livremente
do ócio, e o medo te não forçar a aventuras furtivas;

Sábios conselhos, e quem os seguir garante uma vida de prazer. Limitam-se a dizer em verso antigo o que a moderna sexologia escreve em espessos tratados.

Noticia bibliográfica

Para O burro de ouro, Livro 2, 16. 4, a tradução é de Delfim Leão;
Para Arte de amar, a tradução é de Carlos Ascenso André
Ambos os livros são edição de Livros Cotovia, Lisboa

Para a obra do professor Forberg não conheço nenhuma edição disponível, encontrando-se a que possuo de há muito esgotada.

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