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vicio da poesia

Category Archives: Convite à arte

A Melancolia nos Jardins da Vida — pintura de Matthias Gerung

14 Terça-feira Abr 2015

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Matthias Gerung

Trago hoje com algum detalhe este A Melancolia nos Jardins da Vida imaginado e pintado por Matthias Gerung (1500-1570).

Gerung - A Melancolia nos Jardins da VidaInstalada ao centro da pintura, a melancolia, jovem mulher alada com seio à vista, contempla com um perplexo rosto encostado à mão, o fervilhante cosmos espalhado pela terra conhecida.

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaIVemos um quadro de vidas serenas onde cada um ocupa sem dramas o seu lugar no mundo, de servos a nobres, de eclesiásticos a homens de armas. Também há mulheres, e os prazeres mostram-se sem pudor. Há jogos e divertimentos de tempo livre, uma batalha resolve-se no diálogo de comandantes, a agricultura e a subsistência são acauteladas nas exigências das suas fainas, e o demiurgo em arquitecto deste universo, em baixo, olha curioso como toda esta gente se desembaraça da vida que tem.

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaBQuadro de vida profana num tempo em que o objectivo do viver deveria ser o procurar a santificação para assegurar a vida eterna no paraíso, é afinal um sem-fim de prazeres que se dão a ver. Daí a melancolia com que é olhado.

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaDO que sobretudo me encanta na pintura, para lá da beleza cromática e plástica da composição, é a ausência de condenação moral na fruição dos prazeres da vida.

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaCAdmirável reflexão pintada, dela acrescento  mais alguns pormenores.

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaF

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaE

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaG

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaH

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaJ

Gerung - A Melancolia no Jardim da VidaA

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Um êxtase espiritual de São João da Cruz

20 Sexta-feira Mar 2015

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Erótica, Poesia Antiga

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Ary Scheffer, Benvenuto Cellini, São João da Cruz

CELLINI, Benvenuto - cruxifixo do Escorial marmore 550pxA forma erotizada de expressar o sentimento religioso na poesia de São João da Cruz (1542-1591) faz da sua leitura uma experiência única. O contraste entre o amor divino, imaterial por natureza, e a sua expressão física relatada nos poemas, são o combustível para a singularidade da emoção à sua leitura.

 

Transcrevo o êxtase que no poema Noite Escura o santo homem relata. Nele, fala-nos a alma do encontro com o seu Amado, guiada até ele apenas pela luz que no seu coração ardia.

É do mais sublime que em poesia erótica existe no mundo.

 

Noite Escura

 

Canções da alma que rejubila

por ter chegado ao alto estado da perfeição,

que é a união com Deus,

pelo caminho da negação espiritual

 

Em uma noite escura,

com ânsias, em amores inflamada,

oh ditosa ventura!,

saí sem ser notada,

estando minha casa sossegada.

 

Às escuras, segura,

pela secreta escada, disfarçada,

oh ditosa ventura!,

às escuras e emboscada,

estando minha casa sossegada.

 

Nessa noite ditosa,

secretamente, que ninguém me via,

de nada curiosa,

sem outra luz nem guia

senão a que no coração me ardia.

 

Só esta me guiava

mais segura que a luz do meio-dia,

aonde me esperava

quem eu já bem sabia,

em parte onde ninguém aparecia.

 

Oh noite, que guiaste!

Oh noite, amável mais que a alvorada!

Oh noite que juntaste

Amado com amada,

amada em seu Amado transformada!

 

Em meu peito florido,

que inteiro só para ele se guardava,

ficou adormecido,

e eu o afagava,

e o leque de cedros brisa dava.

 

A viração da ameia,

enquanto eu seus cabelos espargia,

com sua mão que enleia

o meu colo feria,

e meus sentidos todos suspendia.

 

Fiquei e olvidei-me,

O rosto reclinei sobre o Amado;

cessou tudo, e deixei-me,

deixando o meu cuidado

por entre as açucenas olvidado.

 Scheffer, Ary - Os fantasmas de Paulo e Francesca aparecem a dante e Virgilio 1835 Wallace Collection

Tradução de José Bento

Transcrito S. João da Cruz, Poesias Completas, Assírio & Alvim, Lisboa.

 

Acrescento a tradução de Jorge de Sena

 

Noite Escura

 

Em uma Noite escura,

com ânsias em amores inflamada,

ó ditosa ventura!

saí sem ser notada,

estando minha casa sossegada.

 

A ocultas, e segura,

pela secreta escada, disfarçada,

ó ditosa ventura!,

a ocultas, embuçada,

estando minha casa sossegada.

 

Em uma Noite ditosa,

tão em segredo que ninguém me via,

nem eu nenhuma cousa,

sem outra luz e guia

senão aquela que em meu seio ardia.

 

Só ela me guiava

mais certa do que a luz do meio-dia,

aonde me esperava

quem eu mui bem sabia,

em parte onde ninguém aparecia.

 

Ó Noite que guiaste!,

ó Noite amável mais que a alvorada!,

ó Noite que juntaste

Amado com amada,

amada nesse Amado transformada!

 

No meu peito florido,

que inteiro para ele se guardava,

quedou adormecido

do prazer que eu lhe dava,

e a brisa no alto cedro suspirava.

 

Da torre a brisa amena,

quando eu a seus cabelos revolvia,

com fina mão serena

a meu colo feria,

e todos meus sentidos suspendia.

 

Quedei-me e me olvidei,

e o rosto inclinei sobre o do Amado:

tudo cessou, me dei,

deixando meu cuidado

por entre as açucenas olvidado.

 

Transcrito de Poesia de 26 Séculos, Fora do Texto, Coimbra, 1993.

 

Termino com a transcrição do original do poema.

 

Noche Oscura

Canciones de el alma que se goza

de habber llegado al alto estado de la perfección,

que es la unión con Dios,

por el camino de la negación espiritual

 

En una noche obscura,

con ansias, en amores inflamada,

¡oh dichosa ventura!,

salí sin ser notada,

estando ya mi casa sosegada.

 

Ascuras y segura,

por la secreta escala disfrazada,

¡oh dichosa ventura!,

a oscuras y en celada,

estando ya mi casa sosegada.

 

En la noche dichosa,

en secreto, que nadie me veía,

ni yo miraba cosa,

sin otra luz y guía

sino la que en el corazón ardía.

 

Aquesta me guiaba

más cierto que la luz del mediodía,

adonde me esperaba

quien yo bien me sabía,

en parte donde nadie parecía.

 

¡Oh noche, que guiaste!

¡Oh noche, amable más que el alborada!

¡Oh noche que juntaste

Amado con amada,

amada en el Amado transformada!

 

En mi pecho florido,

que entero para él solo se guardaba,

allí quedó dormido,

y yo le regalaba,

y el ventalle de cedros aire daba.

 

El aire del almena,

cuando yo sus cabellos esparcía,

con su mano serena

en mi cuello hería

y todos mis sentidos suspendía.

 

Quedéme y olvidéme,

el rostro recliné sobre el Amado,

cesó todo, y dexéme,

dexando mi cuidado

entre las azucenas olvidado.

 

Abre o artigo a imagem do chamado Cristo do Escorial esculpido por Benvenuto Cellini (1500-1571) para o acompanhar no seu próprio enterro. A escultura em mármore de Carrara, e de tamanho natural, mede 1,84m, mostra-se actualmente na Basílica do Escorial, nos arredores de Madrid. Acontece que, supostamente para evitar o escândalo dos fiéis, se encontra envolta na bacia, por uma tela.

 CELLINI, Benvenuto - cruxifixo do Escorial com tela 300px

Comprado pelos Medici, foi posteriormente oferecido a Filipe II de Espanha, e por este guardado no Mosteiro do Escorial.

 

A imagem da pintura dá conta de uma visão de Paolo e Francesca vivendo no inferno pelo pecado da luxúria, e encontrados por Dante na sua passagem. A pintura, de Ary Scheffer (1795-1858), feita em 1835, pertence à Wallace Collection de Londres.

 

Num tempo em que culpa e castigo ocorrem dentro de outros paradigmas, a sobreposição da mente ao corpo é algo com que todos os dias temos que nos haver.

Sendo estas obras testemunhos históricos de uma relação entre o erótico e o sagrado, e com uma história mítica que lhes subjaz, hoje, no nosso confronto com elas, somos questionados sobre as certezas acerca de quanto corpo e espírito são realidades autónomas no ser humano: entre fazer e pensar que distância há a percorrer? — (emocional, social e afectivamente?).

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Retratos extraordinários — Erna Schilling pintada por Kirchner

18 Quarta-feira Mar 2015

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Ernst Ludwig Kirchner

Ernst Ludwig Kirchner -  Retrato de Erna Schilling 1913 600pxQuestiono-me ao olhar este retrato de mulher, Erna Schilling, pintado por Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938) em 1913. Seca de carnes, não é bela. Numa idade indefinida entre os trinta e os sessenta anos, como a tratou a vida? Alguma elegância no vestir denota um cuidado de aparência em mulher de classe média. Será? Ociosa mulher de casa ou com profissão? Provavelmente sentada, parece não esperar nada. Talvez um pouco míope, um olhar focado na alma fixa um ponto indistinto do passado ou do futuro.

Sem registo de excruciantes angustias, este retrato enigmático apenas dá corpo ao desconhecido de si mesmo que afinal todos somos. Passados os momentos de felicidade ou desgosto que a vida sempre traz, fica esta espectante indiferença que a experiência de viver ensina.

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Retratos extraordinários — Um casal por Maarten van Heemskerck

23 Domingo Nov 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Maarten van Heemskerck

Maarten van Heemskerck (1498–1574) Portraits of a Couple possibly Pieter Gerritsz Bicker and Anna Codde Haarlem oil on panel 1529 A 600Não é fácil dar a ver uma mulher que sonha no ensimesmamento da sua solidão. Olhamos esta jovem e vêmo-la talvez recordar uma vez mais a vida que acabou ou irá acabar. É uma bela jovem casada ou prestes a casar. Mostra uma serenidade resignada, e no entanto, há um quase sorriso que os pensamentos deixam entrever, a ponto de, entregue a eles, abandonar o trabalho na roca de fiar.


Maarten van Heemskerck (1498–1574) Portraits of a Couple possibly Pieter Gerritsz Bicker and Anna Codde Haarlem oil on panel 1529 B 600Talvez o futuro venha a ser risonho. Afinal o jovem marido ou futuro marido, homem bem parecido, tem o olhar firme e sereno, ainda que desconfiado, o que convém a um mercador disposto a triunfar.

Maarten van Heemskerck (1498–1574) - Portraits of a Couple, possibly Pieter Gerritsz Bicker and Anna Codde 1529 A 600

Maarten van Heemskerck (1498–1574) - Portraits of a Couple, possibly Pieter Gerritsz Bicker and Anna Codde 1529 B600Foram retratos feitos para perpetuar a sua juventude, não certamente a sua felicidade: não há laivo de ternura nos retratos deste casal.

Como sempre, a pintura, ao dar a ver, diz mais que quaisquer palavras. São dois retratos extraordinários onde a complexidade de personalidades e sentimentos se cruzam.

A mestria no detalhe, a cuidadosa composição espacial, e a sobriedade da paleta, são determinantes para o impacto visual de ambas as pinturas.

Deixo a totalidade de cada pintura cujos fragmentos destaquei antes.

Maarten van Heemskerck (1498–1574) Portraits of a Couple possibly Pieter Gerritsz Bicker and Anna Codde Haarlem oil on panel 1529 600

Maarten van Heemskerck (1498–1574) - Portraits of a Couple possibly Pieter Gerritsz Bicker and Anna Codde 1529 600Trata-se dos retratos de um casal, possivelmente Gerritsz Bicker e Anna Codde, pintados em Haarlem, na Holanda, por Maarten van Heemskerck (1498-1574), em díptico, em 1529.

As pinturas pertencem à colecção do Rijksmuseum de Amsterdão.

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Homenagem a Magritte com um pouco de cinema à mistura

21 Terça-feira Out 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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Magritte

Nesta fotografia, homenagem à obra de Magritte (1898-1967),  é a reflexão sobre o significado do que  vemos além do olhar, para onde toda a sua pintura nos convoca, que pretendo registar. Segue-se a pintura que lhe deu origem.

Numa cena notável do filme O caso Thomas Crown, remake, a ilusão criada pela multiplicação da mesma imagem inspirada na pintura de Magritte com um vulto de homem com sobretudo, chapéu de coco e maçã na cara, impedindo o reconhecimento do personagem procurado no museu, quando supostamente pretende devolver a pintura de Monet roubada, é um caso particularmente feliz desta reflexão, que de resto todo o filme é, ao fazer girar o argumento em torno da pintura autentica e da sua imitação.

Evidentemente para lá do caso humano que a história protagoniza naquela leveza de champanhe que o faz um dos meus filmes preferidos de sempre, não contribui menos para essa preferência a cena de dança que se constitui o momento de viragem na história, deixando os personagens de Pierce Brosnan/René Russo de ser adversários para passarem a ser cúmplices apaixonados. O vestido negro transparente com que René Russo perde a cabeça, julgando estar a caçar, contribui decisivamente para que esta seja uma das cenas de maior erotismo no cinema alguma vez filmadas.

Termino convidando-vos a olhar o mundo na perspectiva Magritte, depois de nestes dias vos ter arrastado ao prosaico quotidiano.

Primeiro a mobilidade:

Segue-se a paisagem e a natureza

Temos em cima, e em baixo, o homem … e a mulher

Terminemos com dois retratos da mulher imaginada pelo pintor: o rosto e em corpo inteiro

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Alguma poesia de Adélia Prado

24 Domingo Ago 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Adélia Prado, Rufino Tamayo

Tamayo Rufino - Homem e mulher 1981Esconde-se no relato do trivial que o quotidiano contém, e constitui a substância aparente da poesia de Adélia Prado (1935), uma sabedoria dos seres e da vida que em cada poema, numa volta da história contada, salta para uma compreensão profunda do que é existir.

Poesia que de morte e vida se constrói, e do sentimento de o viver, em seres humanos crentes de Deus e do inexplicável mistério que o mundo consigo carrega.

Mais que interrogar-se, cada poema constata perspectivas diversas do mosaico humano que no mundo passa, e a quem lê transmite uma como que verdade essencial.

Alguns fragmentos um pouco ao acaso:

Tamayo Rufino - A janela indiscreta 1975

No erotismo contido do poema Bairro:

…

com aquela cara de invencível fraqueza

para os pecados capitais.

…

 

 

Na memória da mulher que uma vez o foi no poema O Vestido:

…

Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,

meu vestido de amante.

Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.

…

 

Na morte de quem amamos em As mortes sucessivas:

…

Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.

Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,

parentes, que me lembrassem sua fala,

seu modo de apertar os lábios e ter certeza.

…

 

Na identificação de pertença ao mundo que nos coube no poema Linhagem:

…

Todos extremamente pecadores, arrependidos

até à pública confissão de seus pecados

que um deles pronunciou como se fosse todos:

‘Todo homem erra. Não adianta dizer eu

porque eu. Todo homem erra.

Quem não errou vai errar.’

…

 

 

Numa espécie de oração popular de aflição em Responsório:

 

Santo António

procurai para mim a carteira perdida,

vós que estais desafadigado,

gozando junto de Deus a recompensa dos justos.

Estão nela a paga do meu trabalho por um mês,

documentos e um retrato

onde apareço cansada, com uma cara

que ninguém olhará mais de uma vez

…

 

Poderia continuar por aí fora. Deixo-vos os poemas citados.

Tamayo Rufino - Homem e a sua sombra 1971Bairro

 

O rapaz acabou de almoçar

e palita os dentes na coberta.

O passarinho recisca e joga no cabelo do moço

excrementos e casca de alpiste.

Eu acho feio palitar os dentes,

o rapaz só tem escola primária

e fala errado que arranha.

Mas tem um quadril de homem tão sedutor

que eu fico amando ele perdidamente.

Rapazes desses

gostam muito de comer ligeiro:

bife com arroz, rodela de tomate,

e ir ao cinema

com aquela cara de invencível fraqueza

para os pecados capitais.

Me põe tão íntima, simples,

tão à flor da pele o amor,

o samba-canção,

o facto de que vamos morrer

e como é bom a geladeira,

o crucifixo que mamãe lhe deu,

o cordão de ouro sobre o frágil peito

Ele esgravata os dentes com o palito,

esgravata é meu coração de cadela.

 

in O coração disparado, 1978

Tamayo Rufino - Mulher compondo o cabelo 1944

O Vestido

 

No armário do meu quarto escondo de tempo e traça

meu vestido estampado em fundo preto.

É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas

à ponta de longas hastes delicadas.

Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,

meu vestido de amante.

Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.

É só tocá-lo, e volatiliza-se a memória guardada:

eu estou no cinema e deixo que segurem minha mão.

De tempo e traça meu vestido me guarda.

 

in Bagagem, 1976

Tamayo Rufino - Três personagens 1970

As mortes sucessivas

 

Quando minha irmã morreu eu chorei muito

e me consolei depressa. Tinha um vestido novo

e moitas no quintal onde eu ia existir.

Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento.

Tinha uma perturbação recém-achada:

meus seios conformavam dois montículos

e eu fiquei muito nua,

cruzando os braços sobre eles é que eu chorava.

Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.

Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,

parentes, que me lembrassem sua fala,

seu modo de apertar os lábios e ter certeza.

Reproduzi o encolhido do seu corpo

em seu último sono e repeti as palavras

que ele disse quando toquei seus pés:

‘deixa, tá bom assim’.

Quem me consolará desta lembrança?

Meus seios se cumpriram

e as moitas onde existo

são pura sarça ardente de memória.

 

in Bagagem, 1976

Tamayo Rufino - Familia brincando 1971

Linhagem

 

Minha árvore genealógica

me transmitiu fidalguias,

gestos memoráveis:

meu pai, no dia do seu próprio casamento,

largou minha mãe sozinha e foi pro baile.

Minha mãe tinha um vestido só, mas

que porte, que pernas, que meias de seda mereceu!

Meu avô paterno negociava com tomates verdes,

não deu certo. Derrubou mato pra fazer carvão,

até ao fim da vida, os poros pretos de cinza:

‘Não me enterrem na Jaguara. Na Jaguara, não.’

Meu avô materno teve um pequeno armazém,

uma pedra no rim,

sentiu cólica e frio em demasia,

no cofre de pau guardava queijo e moedas.

Jamais pensaram em escrever um livro.

Todos extremamente pecadores, arrependidos

até à pública confissão de seus pecados

que um deles pronunciou como se fosse todos:

‘Todo homem erra. Não adianta dizer eu

porque eu. Todo homem erra.

Quem não errou vai errar.’

Esta sentença não lapidar, porque eivada

dos soluços próprios da hora em que foi chorada,

permaneceu inédita, até eu,

cuja mãe e avós morreram cedo,

de parto, sem discursar,

a transmitisse a meus futuros,

enormemente admirada

de uma dor razão alta,

de uma dor dão funda,

de uma dor tão bela,

entre tomates verdes e carvão,

bolor de queijo e cólica.

 

in O coração disparado, 1978

Tamayo Rufino - Anuncio de cortesia 1934

Responsório

 

Santo António

procurai para mim a carteira perdida,

vós que estais desafadigado,

gozando junto de Deus a recompensa dos justos.

Estão nela a paga do meu trabalho por um mês,

documentos e um retrato

onde apareço cansada, com uma cara

que ninguém olhará mais de uma vez

a não ser vós, que já em vida

vos apiedáveis dos tormentos humanos:

sumiu a agulha da bordadeira,

sumiu o namorado,

o navio no alto-mar,

sumiu o dinheiro no ar.

Tenho que comprar coisas, pagar contas,

dívidas de existir neste planeta convulso.

Prometo-vos uma vela de cera,

um terço do meu salário

e outro que rezarei

pra entoar vossos louvores, ó Martelo dos Hereges,

cuja língua restou fresca

entre vossos ossos intacta.

Servo do Senhor, procurai para mim a carteira perdida

e, se tal aprouver a Deus para a salvação da minha alma,

procurai antes me ensinar

a viver como vós,

como um pobre de Deus,

Amen!

 

in O Pelicano, 1987

Tamayo Rufino - Duas mulheres em repouso 1984

Termino com uma peculiar visão de como Deus é a medida de tudo:

 

Tamayo Rufino - Cabeça que sorri 1973

Parâmetro

 

Deus é mais belo que eu.

E não é jovem.

Isto, sim, é consolo

 

in A faca no peito, 1988

Tamayo Rufino - Fantasma 1982

Acompanham o artigo imagens de pintura de Rufino Tamayo (1899-1991).

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Elogio do Homem – fragmento de Antígona de Sófocles

18 Segunda-feira Ago 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poesia Antiga

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Antígona, Grécia, Irmãos Limbourg, Sófocles

Très Riches Heures 06Assistimos hoje, nas tragédias aéreas e outras em que mortes acontecem, à angústia e ansiedade dos familiares das vítimas em recuperar os corpos dos seus e providenciar-lhes sepultura. É algo que parece uma necessidade humana interior, e funciona com castigo insuportável ser impedido de o fazer.

Essa é a motivação de Antígona na tragédia do mesmo nome de Sófocles (497/6-406/5 a.C.) ao desobedecer à ordem de Creonte, dando sepultura ao irmão morto, e com isso enfrentando o castigo de ser emparedada viva.

Além da terrível consequência pessoal com origem na motivação afectiva, são vastas para o homem enquanto ser social as implicações que atravessam o conflito vivido no desenrolar da tragédia.

Confrontam-se nela a fonte do poder e o seu exercício, a necessidade de obediência à lei para a estabilidade de uma sociedade organizada, e os limites da vontade de quem manda, exigindo o equilíbrio entre exercício legítimo de poder e arbítrio.

Pelo meio temos, numa fala do coro que permanece entre os mais famosos poemas do legado grego, o registo de quanto o ser humano é capaz, recordando no final que apenas a morte nos faz parar.

Très Riches Heures 03Como refere Maria Helena da Rocha Pereira (MHRP) em nota à sua tradução que abaixo transcrevo, na ode o coro celebra as conquistas do homem: a navegação, a agricultura, a caça, a pesca, a domesticação dos animais, a fala, o pensamento, a política, a construção de casas, a medicina.

De então para cá, se o essencial das conquistas que propiciam a continuidade da espécie se mantém, é sobretudo na luta contra a doença que nos nossos dias as aptidões humanas se mostram mais efectivas, e seriam permanente motivo de espanto e admiração se por pouco parássemos a olhar para trás, sem necessidade de recuar muito no tempo.

Très Riches Heures 09O texto de Antígona (442 a.C.) de Sófocles tem feito correr rios de tinta, ocupado pensadores, e estimulado a criação artística. Leitores curiosos encontram em Antigonas de George Steiner um panorama desta vastidão. Acresce que a peça é de leitura compulsiva e de avassalador efeito, pelo menos na tradução de MHRP.

Termino citando Ruy Belo num poema que há pouco tempo trouxe ao blog:

O desafio de antígona e de prometeu

é hoje ainda o nosso desafio

embora como um rio o tempo haja corrido

Do sono da desperta Grécia  vv. 27-29

Très Riches Heures 10Se já referi a tradução de MHRP, que mais à frente virá, fazendo justiça ao poema com uma fiel tradução a partir do grego, começo  no entanto, com uma outra versão, pela mão da inspiração poética de David Mourão-Ferreira:

 

Elogio do Homem

 

Inúmeras são do mundo as maravilhas,

mas nenhuma que ao homem se compare:

é vê-lo sobre as ondas, entre as ilhas,

as águas percorrer do branco mar;

ou é vê-lo, diante da mãe-Terra,

sem pausa revolvê-la com seus potros,

fazendo que dos grãos que a terra encerra

em frutos se desdobrem todos, todos!

 

Ele, só, captura com seus laços,

ou com redes que faz entrelaçadas,

os pássaros ligeiros dos espaços,

os peixes que se ocultam entre as vagas…

E consegue os cavalos ir domando,

adrede utilizando suas manhas;

ao bicho mais feroz torná-lo manso,

como acontece ao touro das montanhas.

 

Sob tectos, se abriga da friagem;

sob tectos, das chuvas inclementes…

E vede: o pensamento, a linguagem

sua conquista são exclusivamente.

É o Ser dos recursos infindáveis:

até contra o futuro se faz forte;

e cura-se de males incuráveis…

Aquilo que o detém? Somente a Morte.

 

Antígona vv. 332-62

 

Tradução de David Mourão-Ferreira in Vozes da poesia europeia – I

Très Riches Heures 07E agora a tradução da Prof. Rocha Pereira:

 

Coro

 

Muitos prodígios há: porém nenhum

maior do que o homem.

Esse, co’o sopro invernoso do Noto (1),

passando entre as vagas

fundas como abismos,

o cinzento mar ultrapassou. E a terra

imortal, dos deuses a mais sublime,

trabalha-a sem fim,

volvendo o arado, ano após ano,

com a raça dos cavalos laborando.

 

E das aves as tribos descuidadas,

a raça das feras,

em côncavas redes

a fauna marinha, apanha-as e prende-as

o engenho do homem.

Dos animais do monte, que no mato

habitam, com arte se apodera;

domina o cavalo

de longas crinas, o jugo lhe põe,

vence o touro indomável das alturas.

 

A fala e o alado pensamento,

as normas que regulam as cidades

sozinho aprendeu;

da geada do céu, da chuva inclemente

e sem refúgio, os dardos evita,

de tudo capaz.

Na vida não avança sem recursos.

Ao Hades somente

não pode fugir.

De doenças invencíveis os meios

de escapar já com outros meditou.

 

Da sua arte o engenho subtil

p’ra além do que se espera, ora o leva

ao bem, ora ao mal;

se da terra preza as leis e dos deuses

na justiça faz fé, grande é a cidade;

mas logo a perde

quem por audácia incorre no erro.

 

(1) vento sul

 

Fragmento de Antígona, vv. 332-371

 

Sófocles, Antígona, 3ª edição, INIC, Coimbra, 1992.

Très Riches Heures 02Acompanham o artigo algumas das iluminuras dos irmãos Limbourg para o livro Les Très Riches Heures du Duc de Berry (1416) dando conta de tarefas do calendário agrícola: sementeiras, colheitas, vindima.

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Janelas de Matisse para o poema Varanda de Sophia

13 Quarta-feira Ago 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Matisse, Sophia de Mello Breyner Andresen

Matisse - janela 1

Noutra varanda assim num Setembro de outrora

Que em mil estátuas e roxo azul se prolongava

Amei a vida como coisa sagrada

E a juventude me foi eternidade

Matisse - janela 2Acontece-me com frequência associar o intenso lirismo de poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) à aparente fragilidade  das pinturas de Matisse (1869-1964) onde a indecisão do desenho se casa com a intensidade tantas vezes eufórica do colorido.

Matisse - janela 3São pintura de uma perene alegria e de alguém que certamente amou a vida como coisa sagrada para tomar o verso de Sophia do poema Varandas, pretexto desta visita a Matisse.

Matisse - janela 4

VARANDAS

 

É na varanda que os poemas emergem

Quando se azula o rio e brilha

O verde-escuro do cipreste — quando

Sobre as águas se recorta a branca escultura

Quasi oriental quasi marinha

Da torre aérea e branca

E a manhã toda aberta

Se torna irisada e divina

E sobre a página do caderno o poema se alinha

 

Noutra varanda assim num Setembro de outrora

Que em mil estátuas e roxo azul se prolongava

Amei a vida como coisa sagrada

E a juventude me foi eternidade

Matisse - janela 5À feérica paleta junta-se a poesia de harmonia entre a intimidade do eu e a beleza do mundo exterior que pelas janelas abertas nos é mostrado. São mundos onde o frenético da existência está ausente e ganhamos, ao vê-los, a certeza de que é seguramente possível viver de outra maneira.

Matisse - janela 6Matisse - janela 7

Matisse - janela 8O poema foi inicialmente publicado no livro O Búzio de Cós e Outros Poemas, 1997, e transcrito de Obra Poética, Editorial Caminho, 2ª edição, Lisboa 2001.

Matisse - janela 9

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Retratos extraordinários — Carta de Amor por François Clouet

05 Terça-feira Ago 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte

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François Clouet

François Clouet The love letter 1570 - colecção do museu Thyssen de MadridÉ no jogo de olhares que esta pintura de François Clouet (1516-1572) atinge a dimensão ímpar de retrato de grupo.

Só o rosto dos personagens aqui interessa. Sem cenário distractivo, a pintura remete para o essencial do retrato: captar sentimentos e estados de espírito que dão a ver, ou a supor, o que pela alma do(s) retratados passa.

Vestidos (ou despidos) com o que socialmente os define, estes retratados a menos de meio corpo contam-nos uma história no enigma dos seus olhares e sorrisos.

 

Podemos especular sobre a natureza da relação que envolve os personagens:

 5030THYSSEN- 092

a bela e jovem mulher ao centro, segura do seu valor, sorrindo, mais com os olhos que com a boca, olha-nos frontalmente entre irónica e divertida com o que entre os outros dois se passa, e será algo que provavelmente ela também quer e se faz difícil por aceitar, requestada pelo jovem em condições que apenas a carta exibida na mão da velha mulher poderia desvendar, o que nunca o saberemos.

 5030THYSSEN- 092

À pintura chamaram Carta de amor (ca. 1570). Será uma carta de amor esse papel dobrado e exibido no ar com uma intenção de olhar que sugere na mulher velha uma alcoviteira? A ser assim, uma alcoviteira, tratar-se-ia antes de convencer a jovem das excelências do pretendente e das condições de contrato nela escritas.

 5030THYSSEN- 092

O jovem, no olhar guloso, e também um pouco ansioso da resposta, dá bem conta do desejo que o move, provavelmente capaz de prometer o céu e o inferno para o conseguir. Garboso e aperaltado (veja-se a moda tão actual da argola na orelha), exibe no sorriso a confiança de quem é usualmente bem sucedido com as mulheres.

 5030THYSSEN- 092

Trata-se de uma pintura profana por onde cobiça e desejo passeiam, dados a ver pela segurança de um desenho rigoroso e sem supérfluos, com um equilíbrio cromático que transforma a sua e contemplação num imenso prazer.

O leitor curioso encontra-a (ou encontrava) num corredor do primeiro andar do museu Thyssen-Bornemisza em Madrid, e se a procurar precisará ir atento, pois trata-se de uma pintura pequena (41,5 x 55cm) em zona de passagem sem destaque especial.

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Um cego — poema de Jorge Luis Borges e desenho de Barocci

08 Domingo Jun 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Federico Barocci, Jorge Luís Borges

Anónimo - atribuido a Federico Barocci

Já a propósito do poema Elogia da sombra falei de alguma da poesia de Jorge Luis Borges (1899-1986) sobre a cegueira. Hoje volto com o poema Um cego, o qual, na sua concisão lapidar, dá conta do sentimento de ver, de si, apenas a alma.

É este apenas ver a alma, a que quem é cego está remetido, algo de enorme dificuldade na representação gráfica.

O desenho que abre o artigo, de autor anónimo e atribuído ao pintor italiano quinhentista Federico Barocci (1528-1602), é um dos raros exemplos de representação exemplar de cegueira humana. Mas o desenho tem mais: tem um homem de quem quase conseguimos saber tudo, apesar de a representação não mostrar a alma pelo olhar, caminho da empatia no ver. É o inacabado do cabelo e barba que permite o destaque de todo o rosto, na pungente expressão de um provável e desolado sofrimento. Pouco diferirá da ira muda, fatigada, aflita, que Borges refere no poema que a seguir se lê

 

Um cego

 

Não sei qual é a face que me fita

Quando observo a face de algum espelho;

No seu reflexo espreita-me esse velho

Com ira muda, fatigada, aflita.

Lento na sombra, com as mãos exploro

Meus invisíveis traços. O mais belo

Fulgor me atinge. Vi o teu cabelo

Que é já de cinza ou é ainda de ouro.

Repito que perdi unicamente

A superfície sempre vã das coisas.

O consolo é de Milton e é valente,

Mas eu penso nas letras e nas rosas,

Penso que se pudesse ver a cara

Saberia quem sou na tarde rara.

 

Tradução de Fernando Pinto do Amaral

in Obras Completas III, 1975-1985, Editorial Teorema, 1998

 

Un Ciego

 

No sé cuál es la cara que me mira

cuando miro la cara del espejo;

no sé qué anciano acecha en su reflejo

con silenciosa y ya cansada ira.

Lento en mi sombra, con la mano exploro

mis invisibles rasgos. Un destello

me alcanza. He vislumbrado tu cabello

que es de ceniza o es aún de oro.

Repito que he perdido solamente

la vana superficie de las cosas.

El consuelo es de Milton y es valiente,

pero pienso en las letras y en las rosas.

Pienso que si pudiera ver mi cara

sabría quién soy en esta tarde rara.

 

Transcrito de Poesía completa, Debolsillo, Barcelona, 2013.

 

O desenho pertence à colecção da Galeria Albertina de Viena.

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