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Vida num amor e Amor numa vida — poemas de Robert Browning

14 Quinta-feira Mar 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia de Língua Inglesa

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Elizabeth Barrett Browning, Robert Browning, Rufino Tamayo

Na variedade do amor vivido parece que tudo cabe: da expectativa e esperança do início, ao êxtase da consumação, e desgaste ou perda final. Varia a natureza humana e varia a forma como cada um vive etape a etape a vida de um amor. Confiante ou temeroso, exaltado ou apaziguado, em desespero ou fúria, o leque de sentimentos que o amor arrasta é extenso. E deles tem dado a poesia, e continua a dar, bastos exemplos: adolescente que embarque nas primeiras excitações ou desgostos amorosos dá poeta de seguida.

Depois dos anseios de amor total, suspirados por Elizabeth Barrett Browning (1806-1861), que há dias transcrevi no blog, trago hoje a contraparte do marido Robert Browning (1812-1889) revelando as dissemelhanças no sentir do amor, entre um par que a lenda reclama o ter vivido em entrega total.

 

Vida num amor
(Life in a love)

Escapares de mim?
Nunca —
Meu amor!
Enquanto eu seja eu e essa alma for tua,
Enquanto o mundo, aos dois, nos contiver —
Eu te querendo e tu sem nada quereres —
Se há um que hesita, o outro continua.
Temo ser minha vida algum erro, por fim —
Antes parece uma fatalidade!
Quase nada consigo, na verdade —
Mas que fazer, se não atinjo o fim?
Há que manter os nervos em tensão,
Os olhos enxugar em cada ruína,
Se malogrado, erguer-me em repelão —
Assim, na caça, a presa se elimina.
No entanto, olha uma vez dessa distância,
Para mim, tão no fundo, em poeira e negrume;
Mal cai por terra uma velha esperança,
Renascido, visando o mesmo lume,
Tomo feitio —
Sempre
Transmudado.

 

Life in a love

Escape me?
Never—
Beloved!
While I am I, and you are you,
So long as the world contains us both,
Me the loving and you the loth,
While the one eludes, must the other pursue.
My life is a fault at last, I fear:
It seems too much like a fate, indeed!
Though I do my best I shall scarce succeed.
But what if I fail of my purpose here?
It is but to keep the nerves at strain,
To dry one’s eyes and laugh at a fall,
And, baffled, get up and begin again,—
So the chase takes up one’s life, that’s all.
While, look but once from your farthest bound
At me so deep in the dust and dark,
No sooner the old hope goes to ground
Than a new one, straight to the self-same mark,
I shape me—
Ever
Renoved!

 

Amor numa vida
(Love in a life)

I
Sala após sala,
Corro por toda a casa
Que habitamos os dois.
Não receies, coração, porque, meu coração, hás-de encontrá-la
Doutra vez; ela mesmo — e não somente o frémito que fica.
Depois, no reposteiro; nem o aroma do leito.
O florão da moldura de novo floresceu, quando roçou por ela.
Aquele espelho, ali, resplandeceu ao reflectir-lhe as plumas.

II
No entanto o dia gasta-se
E sucedem-se, às portas, outras portas.
Tento de novo a sorte —
Percorro a casa enorme das alas para o centro,
E sempre o mesmo acaso! Ela sai quando eu entro!
Consumo todo o dia a procurá-la — que importa?
Mas vê que é lusco-fusco e tanto por buscar,
Tantos quartos a ver, tanta alcova a tentar!

 

Love in a life

I
Room after room,
I hunt the house through
We inhabit together.
Heart, fear nothing, for, heart, thou shalt find her—
Next time, herself!—not the trouble behind her
Left in the curtain, the couch’s perfume!
As she brushed it, the cornice-wreath blossomed anew:
Yon looking-glass gleamed at the wave of her feather.

II
Yet the day wears,
And door succeeds door;
I try the fresh fortune—
Range the wide house from the wing to the centre.
Still the same chance! she goes out as I enter.
Spend my whole day in the quest,—who cares?
But ‘tis twilight, you see,—with such suites to explore,
Such closets to search, such alcoves to importune!

Traduções de A. Herculano de Carvalho,
in oiro de vário tempo e lugar, Asa Editores, Porto, Janeiro de 2003.

Poemas originais transcritos de Robert and Elizabeth Barrett Browning, Poems and Letters, Everyman’s Library, Londres, 2003.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Rufino Tamayo (1899-1991), Dois personagens, de 1981.

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Alguma poesia de Adélia Prado

24 Domingo Ago 2014

Posted by viciodapoesia in Convite à arte, Poetas e Poemas

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Adélia Prado, Rufino Tamayo

Tamayo Rufino - Homem e mulher 1981Esconde-se no relato do trivial que o quotidiano contém, e constitui a substância aparente da poesia de Adélia Prado (1935), uma sabedoria dos seres e da vida que em cada poema, numa volta da história contada, salta para uma compreensão profunda do que é existir.

Poesia que de morte e vida se constrói, e do sentimento de o viver, em seres humanos crentes de Deus e do inexplicável mistério que o mundo consigo carrega.

Mais que interrogar-se, cada poema constata perspectivas diversas do mosaico humano que no mundo passa, e a quem lê transmite uma como que verdade essencial.

Alguns fragmentos um pouco ao acaso:

Tamayo Rufino - A janela indiscreta 1975

No erotismo contido do poema Bairro:

…

com aquela cara de invencível fraqueza

para os pecados capitais.

…

 

 

Na memória da mulher que uma vez o foi no poema O Vestido:

…

Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,

meu vestido de amante.

Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.

…

 

Na morte de quem amamos em As mortes sucessivas:

…

Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.

Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,

parentes, que me lembrassem sua fala,

seu modo de apertar os lábios e ter certeza.

…

 

Na identificação de pertença ao mundo que nos coube no poema Linhagem:

…

Todos extremamente pecadores, arrependidos

até à pública confissão de seus pecados

que um deles pronunciou como se fosse todos:

‘Todo homem erra. Não adianta dizer eu

porque eu. Todo homem erra.

Quem não errou vai errar.’

…

 

 

Numa espécie de oração popular de aflição em Responsório:

 

Santo António

procurai para mim a carteira perdida,

vós que estais desafadigado,

gozando junto de Deus a recompensa dos justos.

Estão nela a paga do meu trabalho por um mês,

documentos e um retrato

onde apareço cansada, com uma cara

que ninguém olhará mais de uma vez

…

 

Poderia continuar por aí fora. Deixo-vos os poemas citados.

Tamayo Rufino - Homem e a sua sombra 1971Bairro

 

O rapaz acabou de almoçar

e palita os dentes na coberta.

O passarinho recisca e joga no cabelo do moço

excrementos e casca de alpiste.

Eu acho feio palitar os dentes,

o rapaz só tem escola primária

e fala errado que arranha.

Mas tem um quadril de homem tão sedutor

que eu fico amando ele perdidamente.

Rapazes desses

gostam muito de comer ligeiro:

bife com arroz, rodela de tomate,

e ir ao cinema

com aquela cara de invencível fraqueza

para os pecados capitais.

Me põe tão íntima, simples,

tão à flor da pele o amor,

o samba-canção,

o facto de que vamos morrer

e como é bom a geladeira,

o crucifixo que mamãe lhe deu,

o cordão de ouro sobre o frágil peito

Ele esgravata os dentes com o palito,

esgravata é meu coração de cadela.

 

in O coração disparado, 1978

Tamayo Rufino - Mulher compondo o cabelo 1944

O Vestido

 

No armário do meu quarto escondo de tempo e traça

meu vestido estampado em fundo preto.

É de seda macia desenhada em campânulas vermelhas

à ponta de longas hastes delicadas.

Eu o quis com paixão e o vesti como um rito,

meu vestido de amante.

Ficou meu cheiro nele, meu sonho, meu corpo ido.

É só tocá-lo, e volatiliza-se a memória guardada:

eu estou no cinema e deixo que segurem minha mão.

De tempo e traça meu vestido me guarda.

 

in Bagagem, 1976

Tamayo Rufino - Três personagens 1970

As mortes sucessivas

 

Quando minha irmã morreu eu chorei muito

e me consolei depressa. Tinha um vestido novo

e moitas no quintal onde eu ia existir.

Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento.

Tinha uma perturbação recém-achada:

meus seios conformavam dois montículos

e eu fiquei muito nua,

cruzando os braços sobre eles é que eu chorava.

Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.

Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,

parentes, que me lembrassem sua fala,

seu modo de apertar os lábios e ter certeza.

Reproduzi o encolhido do seu corpo

em seu último sono e repeti as palavras

que ele disse quando toquei seus pés:

‘deixa, tá bom assim’.

Quem me consolará desta lembrança?

Meus seios se cumpriram

e as moitas onde existo

são pura sarça ardente de memória.

 

in Bagagem, 1976

Tamayo Rufino - Familia brincando 1971

Linhagem

 

Minha árvore genealógica

me transmitiu fidalguias,

gestos memoráveis:

meu pai, no dia do seu próprio casamento,

largou minha mãe sozinha e foi pro baile.

Minha mãe tinha um vestido só, mas

que porte, que pernas, que meias de seda mereceu!

Meu avô paterno negociava com tomates verdes,

não deu certo. Derrubou mato pra fazer carvão,

até ao fim da vida, os poros pretos de cinza:

‘Não me enterrem na Jaguara. Na Jaguara, não.’

Meu avô materno teve um pequeno armazém,

uma pedra no rim,

sentiu cólica e frio em demasia,

no cofre de pau guardava queijo e moedas.

Jamais pensaram em escrever um livro.

Todos extremamente pecadores, arrependidos

até à pública confissão de seus pecados

que um deles pronunciou como se fosse todos:

‘Todo homem erra. Não adianta dizer eu

porque eu. Todo homem erra.

Quem não errou vai errar.’

Esta sentença não lapidar, porque eivada

dos soluços próprios da hora em que foi chorada,

permaneceu inédita, até eu,

cuja mãe e avós morreram cedo,

de parto, sem discursar,

a transmitisse a meus futuros,

enormemente admirada

de uma dor razão alta,

de uma dor dão funda,

de uma dor tão bela,

entre tomates verdes e carvão,

bolor de queijo e cólica.

 

in O coração disparado, 1978

Tamayo Rufino - Anuncio de cortesia 1934

Responsório

 

Santo António

procurai para mim a carteira perdida,

vós que estais desafadigado,

gozando junto de Deus a recompensa dos justos.

Estão nela a paga do meu trabalho por um mês,

documentos e um retrato

onde apareço cansada, com uma cara

que ninguém olhará mais de uma vez

a não ser vós, que já em vida

vos apiedáveis dos tormentos humanos:

sumiu a agulha da bordadeira,

sumiu o namorado,

o navio no alto-mar,

sumiu o dinheiro no ar.

Tenho que comprar coisas, pagar contas,

dívidas de existir neste planeta convulso.

Prometo-vos uma vela de cera,

um terço do meu salário

e outro que rezarei

pra entoar vossos louvores, ó Martelo dos Hereges,

cuja língua restou fresca

entre vossos ossos intacta.

Servo do Senhor, procurai para mim a carteira perdida

e, se tal aprouver a Deus para a salvação da minha alma,

procurai antes me ensinar

a viver como vós,

como um pobre de Deus,

Amen!

 

in O Pelicano, 1987

Tamayo Rufino - Duas mulheres em repouso 1984

Termino com uma peculiar visão de como Deus é a medida de tudo:

 

Tamayo Rufino - Cabeça que sorri 1973

Parâmetro

 

Deus é mais belo que eu.

E não é jovem.

Isto, sim, é consolo

 

in A faca no peito, 1988

Tamayo Rufino - Fantasma 1982

Acompanham o artigo imagens de pintura de Rufino Tamayo (1899-1991).

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