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Cartas de amor, frio e morto papel — Soneto de Elizabeth Barrett Browning

12 Quinta-feira Set 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia de Língua Inglesa

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Edvard Munch, Elizabeth Barrett Browning, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira

Fernando Pessoa (1888-1935) deixou escrito sobre as cartas de amor provavelmente a visão definitiva do seu paradoxo: por um lado, as expressões da ternura nas Cartas a Ofélia, e por outro a lucidez de quem se sente incapaz de amar, no poema de Álvaro de Campos: Todas as cartas de amor são / Ridiculas. / Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridiculas. / …

Não ficou por aqui o poeta e acrescentou-lhe a pungente visão de quem ama sem esperança na Carta da corcunda para o serralheiro.

Não se esgota em Pessoa a leitura poética das cartas de amor, e pelo blog aqui e ali exemplos há. Hoje é num soneto de Elizabeth Barrett Browning (1806-1861), em inspirada tradução do poeta Manuel Bandeira (1886-1968) que podemos ler:

 

As minhas cartas! Todas elas frio,

Mudo e morto papel! No entanto agora

Lendo-as, entre as mãos trêmulas o fio

Da vida eis que retomo hora por hora.

…

 

Encontrar as cartas de amor de uma paixão que existiu, desencadeia em catadupa as emoções de um tempo em que a felicidade se julgava possível para sempre, e a sua leitura faz reviver o desengano. Ei-lo contado por Elizabeth Barrett Browning. Primeiro na versão de Manuel Bandeira, e a seguir, o poema original:

 

 

Soneto

 

As minhas cartas! Todas elas frio,

Mudo e morto papel! No entanto agora

Lendo-as, entre as mãos trêmulas o fio

Da vida eis que retomo hora por hora.

 

Nesta queria ver-me — era no estio —

Como amiga a seu lado,,, Nesta implora

Vir e as mãos me tomar… Tão simples! Li-o

E chorei. Nesta diz quanto me adora.

 

Nesta confiou: sou teu, e empalidece

A tinta no papel, tanto o apertara

Ao meu peito, que todo inda estremece!

 

Mas uma… Ó meu amor, o que me disse

Não digo. Que bem mal me aproveitara,

Se o que então me disseste eu repetisse…

 

Tradução de Manuel Bandeira

in Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1993.

 

 

Sonnets from the Portuguese 28

 

My letters! all dead paper, … mute and white ! —

And yet they seem alive and quivering

Against my tremulous hands which loose the string

And let them drop down on my knee to-night.

This said, … he wished to have me in his sight

Once, as a friend: this fixed a day in spring

To come and touch my hand … a simple thing,

Yet I wept for it! — this, … the paper’s light …

Said, Dear, I love thee; and I sank and quailed

As if God’s future thundered on my past.

This said, I am thine — and so its ink has paled

With lying at my heart that beat too fast.

And this … O Love, thy words have ill availed,

If, what this said, I dared repeat at last!

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Edvard Munch (1863-1944), Noite de verão, Inger na praia, 1889.

 

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Vida num amor e Amor numa vida — poemas de Robert Browning

14 Quinta-feira Mar 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia de Língua Inglesa

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Elizabeth Barrett Browning, Robert Browning, Rufino Tamayo

Na variedade do amor vivido parece que tudo cabe: da expectativa e esperança do início, ao êxtase da consumação, e desgaste ou perda final. Varia a natureza humana e varia a forma como cada um vive etape a etape a vida de um amor. Confiante ou temeroso, exaltado ou apaziguado, em desespero ou fúria, o leque de sentimentos que o amor arrasta é extenso. E deles tem dado a poesia, e continua a dar, bastos exemplos: adolescente que embarque nas primeiras excitações ou desgostos amorosos dá poeta de seguida.

Depois dos anseios de amor total, suspirados por Elizabeth Barrett Browning (1806-1861), que há dias transcrevi no blog, trago hoje a contraparte do marido Robert Browning (1812-1889) revelando as dissemelhanças no sentir do amor, entre um par que a lenda reclama o ter vivido em entrega total.

 

Vida num amor
(Life in a love)

Escapares de mim?
Nunca —
Meu amor!
Enquanto eu seja eu e essa alma for tua,
Enquanto o mundo, aos dois, nos contiver —
Eu te querendo e tu sem nada quereres —
Se há um que hesita, o outro continua.
Temo ser minha vida algum erro, por fim —
Antes parece uma fatalidade!
Quase nada consigo, na verdade —
Mas que fazer, se não atinjo o fim?
Há que manter os nervos em tensão,
Os olhos enxugar em cada ruína,
Se malogrado, erguer-me em repelão —
Assim, na caça, a presa se elimina.
No entanto, olha uma vez dessa distância,
Para mim, tão no fundo, em poeira e negrume;
Mal cai por terra uma velha esperança,
Renascido, visando o mesmo lume,
Tomo feitio —
Sempre
Transmudado.

 

Life in a love

Escape me?
Never—
Beloved!
While I am I, and you are you,
So long as the world contains us both,
Me the loving and you the loth,
While the one eludes, must the other pursue.
My life is a fault at last, I fear:
It seems too much like a fate, indeed!
Though I do my best I shall scarce succeed.
But what if I fail of my purpose here?
It is but to keep the nerves at strain,
To dry one’s eyes and laugh at a fall,
And, baffled, get up and begin again,—
So the chase takes up one’s life, that’s all.
While, look but once from your farthest bound
At me so deep in the dust and dark,
No sooner the old hope goes to ground
Than a new one, straight to the self-same mark,
I shape me—
Ever
Renoved!

 

Amor numa vida
(Love in a life)

I
Sala após sala,
Corro por toda a casa
Que habitamos os dois.
Não receies, coração, porque, meu coração, hás-de encontrá-la
Doutra vez; ela mesmo — e não somente o frémito que fica.
Depois, no reposteiro; nem o aroma do leito.
O florão da moldura de novo floresceu, quando roçou por ela.
Aquele espelho, ali, resplandeceu ao reflectir-lhe as plumas.

II
No entanto o dia gasta-se
E sucedem-se, às portas, outras portas.
Tento de novo a sorte —
Percorro a casa enorme das alas para o centro,
E sempre o mesmo acaso! Ela sai quando eu entro!
Consumo todo o dia a procurá-la — que importa?
Mas vê que é lusco-fusco e tanto por buscar,
Tantos quartos a ver, tanta alcova a tentar!

 

Love in a life

I
Room after room,
I hunt the house through
We inhabit together.
Heart, fear nothing, for, heart, thou shalt find her—
Next time, herself!—not the trouble behind her
Left in the curtain, the couch’s perfume!
As she brushed it, the cornice-wreath blossomed anew:
Yon looking-glass gleamed at the wave of her feather.

II
Yet the day wears,
And door succeeds door;
I try the fresh fortune—
Range the wide house from the wing to the centre.
Still the same chance! she goes out as I enter.
Spend my whole day in the quest,—who cares?
But ‘tis twilight, you see,—with such suites to explore,
Such closets to search, such alcoves to importune!

Traduções de A. Herculano de Carvalho,
in oiro de vário tempo e lugar, Asa Editores, Porto, Janeiro de 2003.

Poemas originais transcritos de Robert and Elizabeth Barrett Browning, Poems and Letters, Everyman’s Library, Londres, 2003.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Rufino Tamayo (1899-1991), Dois personagens, de 1981.

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Sonetos do amor total — Elizabeth Barrett Browning

01 Sexta-feira Mar 2019

Posted by viciodapoesia in Poesia de Língua Inglesa

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Elizabeth Barrett Browning, Lázló Moholy-Nag, Manuel Bandeira

Em dois sonetos brilhantemente transpostos para português por Manuel Bandeira (1886-1968), Elizabeth Barrett Browning (1806-1861), dá conta de como amar e ser amado, num amor total, sem mas nem porquês, atingindo Os fins do Ser, a Graça entressonhada:

 

Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.
…

 

E no outro soneto refere:
…
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás-de querer por toda a eternidade.

 

Nestes sonetos a contabilidade da relação amorosa é 100% de entrega e igual exigência recíproca. Onde o lugar para o eu individual? O espaço do indivíduo numa relação a dois?
Fará sentido desejar semelhante esmagamento de si nesta absoluta entrega ao outro?
Vejamos mais alguns passos deste concepção absoluta do amor:

…
Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.
…

 

Na contrapartida, o deseje de ser amada surge assim:

 

Ama-me por amor do amor somente.
Não digas: “Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh’alma em comunhão constantemente
Com a sua.” Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.
…

 

É verdade que o amor baseado na aparência transitória do belo é naturalmente efémero, mas esperar uma entrega permanente e absoluta do outro independentemente de circunstancia, tempo, e lugar, pressupõe a anulação da sua individualidade.

Acredito que exista quem sonhe o amor assim. E até quem sinta a alma em comunhão constantemente com a do ser amado. Mas cedo ou tarde o eu reclama o seu lugar. A quem procurar viver um amor assim, às perguntas que deixei acima, a vida traz a resposta, e muitas vezes com dor.

 

Matéria de poesia sejam eles, os sonetos; contam as histórias literárias que o amor de Elizabeth Barrett Browning com Robert Browning (1812-1889) (com quem casou aos 40 anos) terá sido um amor assim. Como quer que seja, desejo ou realidade vivida, aí ficam os sonetos para fazer viajar almas sedentas de paixão.

 

I (sonnet 43)

Amo-te quanto em largo, alto e profundo
Minh’alma alcança quando, transportada,
Sente, alongando os olhos deste mundo,
Os fins do Ser, a Graça entressonhada.

Amo-te em cada dia, hora e segundo:
À luz do sol, na noite sossegada.
E é tão pura a paixão de que me inundo
Quanto o pudor dos que não pedem nada.

Amo-te com o doer das velhas penas;
Com sorrisos, com lágrimas de prece,
E a fé da minha infância, ingénua e forte.

Amo-te até nas coisas mais pequenas.
Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,
Ainda mais te amarei depois da morte.

 

 

IV (sonnet14)
Ama-me por amor do amor somente.
Não digas: “Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh’alma em comunhão constantemente
Com a sua.” Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás-de querer por toda a eternidade.

 

Traduções de Manuel Bandeira (4 sonetos de Elizabeth Barrett Browning)
in Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1993.

Sonnet 43

How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of Being and ideal Grace.
I love thee to the level of every day’s
Most quiet need, by sun and candle-light.
I love thee freely, as men strive for Right.
I love thee purely, as they turn from Praise.
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood’s faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints. — I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life! — and, if God choose,
I shall but love thee better after death.

 

 

Sonnet 14

If thou must love me, let it be for nought   
Except for love’s sake only. Do not say
“I love her for her smile — her look — her way   
Of speaking gently,— for a trick of thought   
That falls in well with mine, and certes brought
A sense of pleasant ease on such a day”—   
For these things in themselves, Belovèd, may   
Be changed, or change for thee — and love, so wrought,   
May be unwrought so. Neither love me for   
Thine own dear pity’s wiping my cheeks dry, —
A creature might forget to weep, who bore   
Thy comfort long, and lose thy love thereby!   
But love me for love’s sake, that evermore   
Thou mayst love on, through love’s eternity.

 

Sonetos originais transcritos de Robert and Elizabeth Barrett Browning, Poems and Letters, Everyman’s Library, Londres, 2003.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma foto-montagem de Lázló Moholy-Nagy (1895-1946), intitulada Adeus. Foto-montagem narrativa, de 1924.

 

 

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