Fernando Pessoa (1888-1935) deixou escrito sobre as cartas de amor provavelmente a visão definitiva do seu paradoxo: por um lado, as expressões da ternura nas Cartas a Ofélia, e por outro a lucidez de quem se sente incapaz de amar, no poema de Álvaro de Campos: Todas as cartas de amor são / Ridiculas. / Não seriam cartas de amor se não fossem / Ridiculas. / …
Não ficou por aqui o poeta e acrescentou-lhe a pungente visão de quem ama sem esperança na Carta da corcunda para o serralheiro.
Não se esgota em Pessoa a leitura poética das cartas de amor, e pelo blog aqui e ali exemplos há. Hoje é num soneto de Elizabeth Barrett Browning (1806-1861), em inspirada tradução do poeta Manuel Bandeira (1886-1968) que podemos ler:
As minhas cartas! Todas elas frio,
Mudo e morto papel! No entanto agora
Lendo-as, entre as mãos trêmulas o fio
Da vida eis que retomo hora por hora.
…
Encontrar as cartas de amor de uma paixão que existiu, desencadeia em catadupa as emoções de um tempo em que a felicidade se julgava possível para sempre, e a sua leitura faz reviver o desengano. Ei-lo contado por Elizabeth Barrett Browning. Primeiro na versão de Manuel Bandeira, e a seguir, o poema original:
Soneto
As minhas cartas! Todas elas frio,
Mudo e morto papel! No entanto agora
Lendo-as, entre as mãos trêmulas o fio
Da vida eis que retomo hora por hora.
Nesta queria ver-me — era no estio —
Como amiga a seu lado,,, Nesta implora
Vir e as mãos me tomar… Tão simples! Li-o
E chorei. Nesta diz quanto me adora.
Nesta confiou: sou teu, e empalidece
A tinta no papel, tanto o apertara
Ao meu peito, que todo inda estremece!
Mas uma… Ó meu amor, o que me disse
Não digo. Que bem mal me aproveitara,
Se o que então me disseste eu repetisse…
Tradução de Manuel Bandeira
in Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1993.
Sonnets from the Portuguese 28
My letters! all dead paper, … mute and white ! —
And yet they seem alive and quivering
Against my tremulous hands which loose the string
And let them drop down on my knee to-night.
This said, … he wished to have me in his sight
Once, as a friend: this fixed a day in spring
To come and touch my hand … a simple thing,
Yet I wept for it! — this, … the paper’s light …
Said, Dear, I love thee; and I sank and quailed
As if God’s future thundered on my past.
This said, I am thine — and so its ink has paled
With lying at my heart that beat too fast.
And this … O Love, thy words have ill availed,
If, what this said, I dared repeat at last!
Abre o artigo a imagem de uma pintura de Edvard Munch (1863-1944), Noite de verão, Inger na praia, 1889.
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