Etiquetas

Eu amo seios, duros / Seios cheios, coroados /  Por um botão. / …

Assim começa o poema Seios de Charles Simic (1938) que hoje transcrevo no blog acompanhado por uma tradução minha.

No filme Sexo e a Cidade, a certa altura uma protagonista diz para o marido qualquer coisa como isto:

Não percebo porque vocês homens andam sempre tão obcecado com seios de mulher. São algo que existe em cerca de metade da humanidade… E é aqui que reside o mistério, e confesso-me incapaz de desvendar: não é a raridade dos seios que faz a sua atracção e apelo irresistível:

Insisto que uma miúda

 Despida até à cintura

 É o primeiro e último milagre,

 Que o velho porteiro no seu leito de morte

 Ao pedir para ver os seios da esposa

 Uma última vez

 É o maior poeta que já viveu.

 

E entre poesia e milagre, entremos por este mistério com a companhia do poema de Charles Simic

Experiência física onde a razão sossobra, falar deles é enumerar o seu efeito sensorial.  

Como chegar até eles? O poeta sugere:

Gosto de ir até eles

 De baixo, como uma criança

 Que sobe a uma cadeira

 Para alcançar o doce proibido.

 

A eles chegados, há que os sentir:

Suavemente, com os lábios,

Solto o botão.

Tê-los soltos entre as mãos

Como duas recém-tiradas canecas de cerveja.

 

Ao toque dos mamilos, embalam os sentidos quais:

Grãos de inaudíveis suspiros,

Vogais de deliciosa clareza

Para a pequena e rubra escola das nossas bocas.

 

E agora, quem puder, aproveite para … / saborear cada seio / Como densa e escura uva / …

 

Entrego-o, leitor, ao poema, com esta derradeira citação:

Cuspo nos tolos que não incluem

Os seios na sua metafísica

Astrónomos que não os enumeraram

Entre as luas da terra …

 

 

Seios

 

Eu amo seios, duros

 Seios cheios, coroados

 Por um botão.

 

 Vêm pela noite.

 Os bestiários dos antigos

 Que incluem o unicórnio

 Deixaram-nos sair.

 

 Perlados, como o oriente

 Uma hora antes do sol nascer,

 Dois fornos da única

 Pedra filosofal

 Que merece a nossa atenção.

 

 Trazem nos seus mamilos

 Grãos de inaudíveis suspiros,

 Vogais de deliciosa clareza

 Para a pequena e rubra escola das nossas bocas.

 

 Algures, a solidão

 Faz outra entrada sombria

 Na sua lage, a miséria

 Toma outra taça de arroz.

 

 Eles aproximam-se: Presença

 Animal.  No celeiro

 O leite estremece no balde.

 

 Gosto de ir até eles

 De baixo, como uma criança

 Que sobe a uma cadeira

 Para alcançar o doce proibido.

 

 Suavemente, com os lábios,

 Solto o botão.

 Tê-los soltos entre as mãos

 Como duas recém-tiradas canecas de cerveja.

 

 Cuspo nos tolos que não incluem

 Os seios na sua metafísica

 Astrónomos que não os enumeraram

 Entre as luas da terra …

 

 Eles dão a cada dedo

 A forma verdadeira, a sua alegria:

 Sabão novo, espuma

 Onde as nossas mãos se limpam.

 

 E como a língua honra

 Esses dois pãezinhos azedos,

 Pois a língua é uma pena

 Mergulhada em gema de ovo.

 

 Insisto que uma miúda

 Despida até à cintura

 É o primeiro e último milagre,

 Que o velho porteiro no seu leito de morte

 Ao pedir para ver os seios da esposa

 Uma última vez

 É o maior poeta que já viveu.

 

 Oh minha doce, melancólica gaitas de foles.

 Olha, toda a gente está dormindo na terra.

 Agora, na absoluta imobilidade

 Do tempo, puxando para mim

 A cintura de quem eu amo,

 

 Vou saborear cada seio

 Como densa e escura uva

 Dentro da colmeia

 Desta minha lânguida boca.

 

Tradução do inglês por Carlos Mendonça Lopes

 

Poema original

 

Breasts

I love breasts, hard

Full breasts, guarded

By a button.

 

They come in the night.

The bestiaries of the ancients

Which include the unicorn

Have kept them out.

 

Pearly, like the east

An hour before sunrise,

Two ovens of the only

Philosopher’s stone

Worth bothering about.

 

They bring on their nipples

Beads of inaudible sighs,

Vowels of delicious clarity

For the little red schoolhouse of our mouths.

 

Elsewhere, solitude

Makes another gloomy entry

In its ledger, misery

Borrows another cup of rice.

 

They draw nearer: Animal

Presence. In the barn

The milk shivers in the pail.

 

I like to come up to them

From underneath, like a kid

Who climbs on a chair

To reach the forbidden jam.

 

Gently, with my lips,

Loosen the button.

Have them slip into my hands

Like two freshly poured beer-mugs.

 

I spit on fools who fail to include

Breasts in their metaphysics

Star-gazers who have not enumerated them

Among the moons of the earth …

 

They give each finger

Its true shape, its joy:

Virgin soap, foam

On which our hands are cleansed.

 

And how the tongue honors

These two sour buns,

For the tongue is a feather

Dipped in egg-yolk.

 

I insist that a girl

Stripped to the waist

Is the first and last miracle,

That the old janitor on his deathbed

Who demands to see the breasts of his wife

For the one last time

Is the greatest poet who ever lived.

 

O my sweet, my wistful bagpipes.

Look, everyone is asleep on the earth.

Now, in the absolute immobility

Of time, drawing the waist

Of the one I love to mine,

 

I will tip each breast

Like a dark heavy grape

Into the hive

Of my drowsy mouth.

 

in Charles Simic, New and Selected poems (1962-2012), Houghton Mifflin Harcourt, New York, 2013.

 

 

Nota final

Num tempo em que a intervenção plástica nos seios é frequente, seja por desagrado com a sua evolução biológica, seja em resultado de doença, (e o cancro da mama afecta estatisticamente cerca de um terço da mulheres), os prazeres sentidos com eles, e de alguma forma descritos no poema, não sofrem a mais pequena beliscadura, estejam ausentes preconceitos ou constrangimento mental. Sem eles, os preconceitos, é tão só entregarmo-nos aos prazeres mútuos da sua fruição.

 

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura minha, Nu Azul, óleo s/tela, feita em 2004.