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Na variedade do amor vivido parece que tudo cabe: da expectativa e esperança do início, ao êxtase da consumação, e desgaste ou perda final. Varia a natureza humana e varia a forma como cada um vive etape a etape a vida de um amor. Confiante ou temeroso, exaltado ou apaziguado, em desespero ou fúria, o leque de sentimentos que o amor arrasta é extenso. E deles tem dado a poesia, e continua a dar, bastos exemplos: adolescente que embarque nas primeiras excitações ou desgostos amorosos dá poeta de seguida.

Depois dos anseios de amor total, suspirados por Elizabeth Barrett Browning (1806-1861), que há dias transcrevi no blog, trago hoje a contraparte do marido Robert Browning (1812-1889) revelando as dissemelhanças no sentir do amor, entre um par que a lenda reclama o ter vivido em entrega total.

 

Vida num amor
(Life in a love)

Escapares de mim?
Nunca —
Meu amor!
Enquanto eu seja eu e essa alma for tua,
Enquanto o mundo, aos dois, nos contiver —
Eu te querendo e tu sem nada quereres —
Se há um que hesita, o outro continua.
Temo ser minha vida algum erro, por fim —
Antes parece uma fatalidade!
Quase nada consigo, na verdade —
Mas que fazer, se não atinjo o fim?
Há que manter os nervos em tensão,
Os olhos enxugar em cada ruína,
Se malogrado, erguer-me em repelão —
Assim, na caça, a presa se elimina.
No entanto, olha uma vez dessa distância,
Para mim, tão no fundo, em poeira e negrume;
Mal cai por terra uma velha esperança,
Renascido, visando o mesmo lume,
Tomo feitio —
Sempre
Transmudado.

 

Life in a love

Escape me?
Never—
Beloved!
While I am I, and you are you,
So long as the world contains us both,
Me the loving and you the loth,
While the one eludes, must the other pursue.
My life is a fault at last, I fear:
It seems too much like a fate, indeed!
Though I do my best I shall scarce succeed.
But what if I fail of my purpose here?
It is but to keep the nerves at strain,
To dry one’s eyes and laugh at a fall,
And, baffled, get up and begin again,—
So the chase takes up one’s life, that’s all.
While, look but once from your farthest bound
At me so deep in the dust and dark,
No sooner the old hope goes to ground
Than a new one, straight to the self-same mark,
I shape me—
Ever
Renoved!

 

Amor numa vida
(Love in a life)

I
Sala após sala,
Corro por toda a casa
Que habitamos os dois.
Não receies, coração, porque, meu coração, hás-de encontrá-la
Doutra vez; ela mesmo — e não somente o frémito que fica.
Depois, no reposteiro; nem o aroma do leito.
O florão da moldura de novo floresceu, quando roçou por ela.
Aquele espelho, ali, resplandeceu ao reflectir-lhe as plumas.

II
No entanto o dia gasta-se
E sucedem-se, às portas, outras portas.
Tento de novo a sorte —
Percorro a casa enorme das alas para o centro,
E sempre o mesmo acaso! Ela sai quando eu entro!
Consumo todo o dia a procurá-la — que importa?
Mas vê que é lusco-fusco e tanto por buscar,
Tantos quartos a ver, tanta alcova a tentar!

 

Love in a life

I
Room after room,
I hunt the house through
We inhabit together.
Heart, fear nothing, for, heart, thou shalt find her—
Next time, herself!—not the trouble behind her
Left in the curtain, the couch’s perfume!
As she brushed it, the cornice-wreath blossomed anew:
Yon looking-glass gleamed at the wave of her feather.

II
Yet the day wears,
And door succeeds door;
I try the fresh fortune—
Range the wide house from the wing to the centre.
Still the same chance! she goes out as I enter.
Spend my whole day in the quest,—who cares?
But ‘tis twilight, you see,—with such suites to explore,
Such closets to search, such alcoves to importune!

Traduções de A. Herculano de Carvalho,
in oiro de vário tempo e lugar, Asa Editores, Porto, Janeiro de 2003.

Poemas originais transcritos de Robert and Elizabeth Barrett Browning, Poems and Letters, Everyman’s Library, Londres, 2003.

 

Abre o artigo a imagem de uma pintura de Rufino Tamayo (1899-1991), Dois personagens, de 1981.