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Neste passeio pela poesia dos românticos faço hoje paragem em António Feliciano de Castilho (1800 – 1875) acompanhado de Amália Rodrigues.
A personalidade literária e humana do poeta é de tal forma gigantesca e o domínio que exerceu sobre o panorama literário português e brasileiro nos 50 anos da vida activa foi tal, que seria estulticia pretender abordá-lo em poucas linhas. Lá virá com o cuidado que merece.
Hoje apenas transcrevo na integra o poema OS TREZE ANOS, cantilena como o autor sub-titulou, composto aos 40 anos, em 1840, e que Amália cantou parcialmente como Pedro Gaiteiro com a musica de Alain Oulman.
Pedro Gaiteiro na voz de Amália
OS TREZE ANOS
Cantilena
Hortas da calçada do duque, Páscoa do espírito santo de 1840
Já tenho treze anos, / Que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me, / Com Pedro gaiteiro.
Já sou mulherzinha; / Já trago sombreiro;
Já bailo ao domingo / Co’as mais no terreiro.
Já não sou Anita, / Como era primeiro,
Sou a senhora Ana, / Que mora no outeiro.
Nos serões já canto, / Nas feiras já feiro,
Já não me dá beijos / Qualquer passageiro.
Quando levo as patas, / E as deito ao ribeiro,
Olho tudo à roda / De cima do outeiro,
E só se não vejo / Ninguém pelo arneiro,
Me banho co’as patas / Ao pé do salgueiro.
Miro-me nas águas / Rostinho trigueiro,
Que mata d’amores / A muito vaqueiro.
Miro-me olhos pretos / E um riso fagueiro,
Que diz a cantiga / Que são cativeiro.
Em tudo, madrinha, / Já por derradeiro
Me vejo mui outra / Da que era primeiro.
O meu gibão largo / D’arminho e cordeiro
Já o dei à neta / Do Brás cabaneiro,
Dizendo-lhe – Toma / Gibão domingueiro,
D’ilhoses de prata, / D’arminho e cordeiro.
A mim já me aperta, / E a ti te é laceiro;
Tu brincas co’as outras, / E eu danço em terreiro.
Já sou mulherzinha, / Já trago sombreiro;
Já tenho treze anos, / Que os fiz por Janeiro.
Já não sou Anita, / Sou a Ana do outeiro;
Madrinha, casai-me, / Com Pedro gaiteiro.
Não quero o sargento, / Que é muito guerreiro,
De barbas mui feras, / E olhar sobranceiro.
O mineiro é velho; / Não quero o mineiro:
Mais valem treze anos / Que todo o dinheiro.
Tão pouco me agrado / Do pobre moleiro,
Que vive na azenha / Como um prisioneiro.
Marido pretendo / De humor galhofeiro,
Que viva por festas, / Que brilhe em terreiro.
Que em ele assomando / Co’o tamborileiro,
Logo se alvorote / O lugar inteiro.
Que todos acorram / Por vê-lo primeiro;
E todas perguntem / Se ainda é solteiro.
E eu sempre com ele, / Romeira e romeiro,
Vivendo de bodas, / Bailando ao pandeiro.
Ai, vida de gostos! / Ai céu verdadeiro!
Ai Páscoa florida, / Que dura ano inteiro!
Da parte, madrinha, / De Deus vos requeiro;
Casai-me hoje mesmo / Com Pedro Gaiteiro.
OS TREZE ANOS foi publicada em 1844 no livro Escavações Poéticas, livro que o próprio autor chama no prólogo … um museu de fragmentos desconexos.
Num poema em que o autor faz correr a inspiração para um retrato de adolescente, a sua versificação sem mácula ganha um sabor genuinamente popular.
OS TREZE ANOS não é um poema representativo da obra poética de António Feliciano de Castilho (1800 – 1875), embora estas criações de aparente desenfado surjam uma vez por outra entre os diversos exercícios poéticos a que se entrega, pretendendo plasmar em português uma arte poética solidamente teorizada.
Noutra ocasião à sua poesia voltarei.