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Com a poesia romântica encontramos pela primeira vez, na literatura em português, a emoção da natureza e da paisagem.

Embora na poesia arcádica a paisagem estivesse presente, e mesmo antes, nomeadamente nas éclogas, tratava-se de um cenário para enquadrar a emoção amorosa do(s) protagonista(s).

É em Glaura: Poemas Eróticos, livro de poemas do brasileiro Manuel Inácio da Silva Alvarenga (1749 – 1814) que a natureza e a paisagem surgem a disputar a  primazia ao relato dos acidentes da paixão, num registo ainda respeitador do cânone arcádico.

Com os românticos, sobretudo da segunda geração, a paisagem e a variedade da natureza são o objecto mesmo da emoção poética.

O luar, a voz e os humores do oceano, a montanha, a variedade da luz no ciclo solar, as paisagens e sons familiares da infância, tudo isto se torna assunto de poesia de par com o questionamento do eu, num registo de meditação, de uma emoção fugaz, de uma saudade.

Ilustro estas considerações com um notável poema A Nuvem, retirado de O Trovador


A NUVEM

Pelo sol ainda afagada,

Pequena nuvem dourada

Vai adejando apressada

Lá nas campinas do ar.

D’onde vens, ó nuvem pura,

Co’a viração, que murmura

Na montanha na verdura,

Na face argentea do mar?

 

Nas asas do meio dia

Vens tu acaso sombria

Perder-te em melancolia

Nos campos de Portugal?

Vens do Tejo ver as flores?

Ou vens matar-me d’amores

Ao rever as tuas cores

No Mondego de cristal?

 

Tu, que os braços vaporosos

Em brancos flocos mimosos

Estendes tão amorosos

Lá para o setentrião;

Vais nos gelos de brilhantes,

Em caverna de diamantes,

Ver uns olhos cintilantes,

Que prendem teu coração?

 

Vais matar uma saudade

Entre a neve em soledade,

Ou vais travar amisade

C’uma estrela glacial?

Ou no polo diamantino

Vais vestir-te d’ouro fino

Lá no brilho purpurino

D’uma aurora boreal?

 

Quanto invejo, ó nuvem leve,

Tuas asas cor de neve,

E o beijo que o céu te deve

D’essas roupas de marfim!

Quanto invejo os vôos teus

Pelos caminhos dos céus,

E o meigo sorrir de Deus

Nesse raio carmesim!

 

Lá do espaço nos retiros

Onde fazes os teus giros,

Não ouves tu os suspiros

Que te envia o trovador?

Ou tu lá nessas alturas

Não te doem magoas duras;

Nem afectos nem ternuras,

Nada move o teu amor?

 

Oh! se à terra tu baixando

Me conduzisses voando

No seio macio e brando

Às etéreas regiões!

Ou se ao menos c’um gemido,

Da pobre lira saido

A um ente estremecido

Desses as minhas canções!

 

Mas tu roças o horizonte,

Ao norte levas a fronte,

Vais já mui longe do monte

Em que te vi despontar;

Corre, corre, ó nuvem pura,

Co’a viração que murmura

Da montanha na verdura,

Na face argentea do mar.

 

Corre, voa, que a tormenta

Sobre as montanhas se assenta,

Já o trovão arrebenta

Nas serranias do norte;

Corre, vôa, que o bafejo

Que ora te dá doce beijo,

Pode num rápido ensejo

Mudar-se em tufão de morte!

Outubro de 1847

Luis Correia Caldeira


Luis Correia Caldeira (1827 – 1859) é hoje um poeta esquecido, com referência fugaz em entrelinhas ou notas de rodapé nas histórias da literatura. Morreu novo, com 32 anos. Foi curta a vida para o génio que os contemporâneos lhe viam.

Ficou-nos uma produção poética escassa, espalhada por revistas da época, de dificil acesso, em que O Trovador recolhe cinco de um período pouco além da adolescencia.

Poesias como A Voz do Oceano ou os poemas que o poeta antevia publicar em Flores da Biblia quais sejam Mar Morto, ou sobretudo Jerusalém, constituem um conjunto raro na poesia portuguesa, e do melhor escrito em português à época, pela elegância do verso, pela originalidade da ideia e pela emoção em crescendo a que a sua leitura conduz.

A extensão destes poemas inviabiliza a sua transcrição no blog. Fica o alerta para os curiosos se porventura com este nome se depararem.